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CAPÍTULO 2. ESCOLA, PROFESSORES E ALUNOS

2.1 O objeto e o campo de pesquisa

que é o saber? Postulamos que assim como as práticas sociais e as atividades de linguagem,

O saber é construído em uma história coletiva que é a da mente humana e das atividades do homem e está submetido a processos constantes de validação, capitalização e transmissão. Como tal, é o produto de relações epistemológicas entre os homens. Não obstante, os homens mantêm com o mundo e entre si (...) relações que não são apenas epistemológicas. Assim sendo, as relações de saber são, mais amplamente, relações sociais. Essas relações de saber são necessárias para constituir o saber, mas também, para apoiá-lo após sua construção: um saber só continua válido enquanto a comunidade científica o reconhecer como tal, enquanto uma sociedade continuar considerando que se trata de um saber que tem valor e merece ser transmitido.

Esse saber de construção coletiva é apropriado pelo homem. (...) Não há saber sem uma relação do sujeito com esse saber.

(...) Em outras palavras, um saber só tem sentido e valor por referência às relações que supõe e produz com o mundo, consigo, com os outros (CHARLOT, 2000, p. 63-4).

Dessa forma, pensar as relações com o saber é pensar as relações estabelecidas pelo homem, situadas em um dado contexto/tempo, considerando suas atividades/práticas sociais mediadas pelas atividades de linguagem. Por essa razão, não há como conceber a escola ausente desse sistema de relações; não há como pensar em um saber que não seja uma relação, não há como defender uma dicotomia entre ensinar e aprender. Em suma: não há como pautar uma relação de saber por currículos prontos e desvinculados dos indivíduos e da sociedade onde se

Assim, aprender e aprendizagem devem ser entendidas de uma forma mais abrangente como pertencentes a um sistema de relações, ou seja, “é um modo de apropriação do mundo e, não, apenas como modo de acesso a tal ou qual posição nesse mundo” (CHARLOT, 2000, p. 74).

A sociedade contemporânea – mais do que as de outras épocas – erige-se nos pilares de um mundo letrado, onde as pessoas, para terem maiores oportunidades de socialização e de inserção nas mais diversas situações de interlocução, devem ser capazes, entre outras tantas coisas, de ler e de escrever de forma eficiente, além de dominar distintas tecnologias. A apropriação do mundo, portanto, é, também e sobretudo, apropriar-se do sistema de escrita, porque as “práticas de escrita e gráficas introduzem uma distância entre o sujeito falante e sua linguagem e lhe dão os meios de dominar simbolicamente o que até então dominava de forma prática: a linguagem, o espaço e o tempo (LAHIRE, 1999, p. 23).

Diante disso, estudar as práticas escolares é crucial, tendo em vista que é à escola que se reserva o papel de alfabetizar e de dotar os sujeitos de competências para atuar em diversos meios sociais com tecnologias e recursos de escrita. Apropriar-se do sistema da escrita é, entre outras coisas, aprimorar as atividades e práticas de linguagem, num processo contínuo de aprendizados contextualizados.

Buscamos saber que outros letramentos as práticas escolares têm desenvolvido nos estudantes, até o final da primeira etapa de escolarização, ou seja, em nove anos de Ensino Fundamental, e em que essas contribuem - ou não -, para facilitar as práticas sociais e as práticas de/com/na linguagem no dia a dia dos alunos? Essa resposta será perseguida pela investigação de 1) quem são esses sujeitos; 2) quais as concepções que possuem de escrita/leitura; 3) quais são as características das práticas de ações letradas na escola e que relações mantêm essas com as práticas sociais de letramentos fora da escola.

Outro dado que justifica tomar esses letramentos escolares como objeto de ensino é a realização de avaliações sistêmicas e os resultados por elas demonstrados: baixo índice de alfabetismo dos alunos e a não correlação entre tempo de escolaridade e competências de leitura nas áreas testadas. Nos últimos anos, tem sido crescente o interesse de diversas entidades sociais – governamentais e outras - em avaliar as habilidades de leitura, de escrita de textos e de habilidades Matemáticas em diferentes anos/ciclos no Ensino Fundamental, no Ensino Médio, nos cursos universitários e, recentemente, na Educação de Jovens e Adultos.

Avaliações sistêmicas, como são conhecidas essas práticas avaliativas, têm sido aplicadas em vários países do mundo tanto em nível local, quanto regional, nacional e internacional.

Em nível local, elas podem ser elaboradas e aplicadas em escolas de diferentes redes, quer como unidade, quer como sistema de ensino. Em nível regional, os municípios e estados têm se incumbido cada vez mais de avaliar suas escolas, com vistas a elaborar políticas públicas de qualidade no ensino. Em nível nacional, são realizadas avaliações com vistas à elaboração de políticas públicas para melhoria da qualidade dos sistemas de ensino e/ou para a gestão de recursos financeiros para estados e municípios. Neste nível estão: 1) A Prova Brasil, aplicada a todos os alunos dos 4o/5o e 8º/9o anos do Ensino Fundamental e SAEB, avaliação amostral aplicada a alunos dos 4o/5o e 8º/9o anos do Ensino Fundamental e 3º do Ensino Médio. Ambos compõem o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e avaliam competências em leitura e resolução de problemas. 2) O Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM), aplicado aos alunos do 3º ano do Ensino Médio, tem como fim avaliar a qualidade do Ensino Médio e, mais recentemente, ser um instrumento de acesso a vagas no Ensino Superior e dele constam questões em quatro áreas: Linguagem, códigos e suas tecnologias, Ciências humanas e suas tecnologias, Ciências da Natureza e suas tecnologias, Matemática e suas tecnologias e uma redação sobre um tema da atualidade. 3) O Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA) é aplicado à população jovem e adulta residente no país ou no exterior, com fins de avaliação de suas habilidades em leitura e em resolução de problemas para a certificação no Ensino Fundamental. 4) O Exame Nacional de desempenho de Estudantes (ENADE) é uma avaliação amostral destinada a alunos no fim dos cursos de graduação que visa mensurar o rendimento dos alunos no que tange aos conteúdos programáticos, suas competências e habilidades. 5) O Índice Nacional de Alfabetismo (INAF), desenvolvido por uma instituição privada e uma Organização não Governamental, é uma avaliação amostral e afere anualmente as competências de leitura, de escrita e de conhecimentos matemáticos de um universo de 2000 pessoas, com idades entre 15 e 64 anos da população brasileira. Em nível internacional, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Program of International Student Assessment – PISA), aplicado a alunos da Educação Básica de vários países, avalia a leitura e a capacidade de resolução de problemas, visando, principalmente, subsidiar políticas públicas de desenvolvimento educacional.

Todos esses sistemas de avaliação têm em comum o fato de que são utilizados os conhecimentos de língua materna para a leitura dos diversos cadernos de provas. Exceto o ENADE, todos os outros mensuram o nível de alfabetismo dos respondentes em Língua Portuguesa e em Matemática.

Dessa forma, independentemente do tema de uma avaliação, os respondentes de um teste usam a linguagem para atender às demandas dele. Em testes de todas as áreas do conhecimento escolar usa-se a língua para medir a habilidade do candidato (física ou Geografia, por exemplo). Nesses casos, a língua é o instrumento, não o objeto da testagem. Já nos testes de língua, usa-se a própria língua para medir a habilidade linguística. A língua é o instrumento e é também o objeto em si. Exemplos de exames em que a língua é o alvo da análise são os exames como os de proficiência em língua estrangeira e provas de redação de vestibulares, nos quais são respondidas questões de língua e são produzidos textos para correção. (PRAZERES, 2009, p 28)

Em vistas disso, decidimos não tomar o trabalho com a disciplina Língua Portuguesa como objeto de estudo e por considerarmos que a) falar, ler e escrever textos – independente da área, do nível, dos objetivos e das circunstâncias – em língua materna se dá em todos os momentos dentro de nossas escolas, mesmo em aulas de línguas estrangeiras; b) ler e escrever textos de forma eficaz está também diretamente relacionado – entre outros fatores - ao conjunto de habilidades linguísticas, não-linguísticas e discursivas dos alunos; c) para o trabalho escolar, todos os professores se valem de variados suportes e gêneros textuais, tendo como base a língua portuguesa escrita, falada, expressa em diferentes práticas de linguagem.