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CAPÍTULO 2. ESCOLA, PROFESSORES E ALUNOS

3.11 Escola e sociedade: uma formação para letramentos?

As duas perguntas (nos quadros abaixo) foram inseridas em busca de explicitar como os professores avaliam as suas práticas em termos da formação de seus alunos para realizar as tarefas relacionadas aos letramentos. Não foi explicitado esse termo na consulta, por ser um termo técnico e, embora usado em vários campos e a alta qualificação acadêmica dos pesquisandos, o seu uso ainda está restrito a estudos sobre a relação escola e sociedade. Das duas professoras que têm mais tempo de formação uma delas fez seu Mestrado em Educação, mas a outra teve toda uma formação em pesquisa voltada para o campo da Biologia (microbiologia). O professor de Matemática graduou-se recentemente e fazia (em 2008) sua especialização voltada para a formação de professor do ensino básico, estando pois ainda envolvido com as discussões mais recentes em Educação. Ele seria o único que, por sua inserção ainda na academia, poderia ter alguma ideia do que letramento significaria.

QUADRO 8– Ensino e letramento: contribuições das práticas pedagógicas

15. Você considera que o trabalho executado em sua disciplina ajuda os alunos a desenvolverem atividades práticas necessárias para viver e exercer a sua cidadania? Em que atividades eles utilizam esse aprendizado?

1. Acredito que sim. Principalmente, não exclusivamente, em temas relacionados à Ecologia, à Química, aos sistemas do corpo humano.

2. Nas atividades de aprendizagem sobre o funcionamento do espaço produzido, que chamamos de mundo. Nas reflexões sobre as interligações em rede no espaço mundial.

No trabalho com habilidades do tratamento da informação.

No trabalho com a pesquisa sobre as diversidades culturais e os direitos e deveres sociais.

Na busca de interação entre os sujeitos sociais e no conhecimento sobre as etnias e problemas de desterritorialização e reterritorialização.

Na discussão sobre territórios e sobre o lugar e o não- lugar.

No debate sobre as características da paisagem e as rugosidades que permanecem na arquitetura, na cultura, nos objetos. No uso do laboratório de informática com a inclusão digital.

Na utilização da biblioteca.

No uso de mapas e filmes e na tentativa de identificação de fatos e situações cotidianas com problemas e questões reais ambientais, sociais, afetivas, emocionais.

3. Sim, assim como a leitura e a escrita, o numeramento é fundamental para a participação do indivíduo na sociedade. Além disso, o conhecimento matemático é um requisito cobrado na maioria dos exames de seleção acadêmicos e profissionais.

Dados extraídos do Anexo 8 – Questionário do professor, seção 3 – out/2008

As respostas dos professores demonstram que reconhecem a relação entre os temas e práticas pedagógicas de ensino em sua disciplina e as possibilidades de ações desenvolvidas pelo aluno em sua vida, considerando que os conteúdos escolares podem: 1) vincular-se a momentos específicos da vida cotidiana (cuidados com o corpo e a alimentação, reconhecimento do/no espaço físico, ativação dos conhecimentos escolares para lidar com o cotidiano, possibilidade de acesso e de sucesso em atividades acadêmicas e profissionais, preparação para a participação e inserção nos meios públicos, contribuição no debate de questões sociais, promoção de ações sociais); 2) ajudar os alunos na compreensão de determinadas situações sociais (convivência com as diferenças sociais e individuais, compreensão do seu lugar como cidadão – ciência de seus direitos e deveres, (re)conhecimento de questões locais, globalizadas e universais, percepção estética, crítica e ética das ações do homem no meio geográfico e social); 3) contribuir para a sua inserção e participação na sociedade (acesso aos meios e formas de produção do conhecimento, habilidade de tratamento de informações, utilização de suportes textuais distintos com vistas à satisfação de necessidades reais do dia a dia,) e 4) desenvolver a sensibilidade humana (compreender as suas próprias demandas como ser humano, valorizar as relações humanas, sensibilizar-se em relação a questões que envolvem o outro, respeito ao meio ambiente e compreensão de seu papel na sociedade).

O professor Lívio usou, em sua resposta, o termo numeramento para definir o lugar ocupado pelas habilidades de uso dos conhecimentos matemáticos: “fundamental para participação do homem na sociedade” e, segundo ele, no mesmo nível dos habilidades de leitura e de escrita. Esse pensamento sugere a adoção de uma concepção nova no ensino de Matemática: um trabalho que tenha como objetivo a construção de elos com as atividades efetivamente realizadas pelo homem em seu meio social, mas sem desconsiderar que esses usos são dinâmicos e, portanto, os conhecimentos também precisam sê-lo e possibilitar o enfrentamento e a realização de novas práticas sociais.

Tais contribuições nos remete a uma tese de D’Ambrosio (2005) sobre a necessidade de mudança nos paradigmas da educação, considerando que

estamos vivendo numa civilização em mudança, que afetará todo nosso comportamento, valores e ações, em particular, a educação. (...) Educação é uma estratégia de estímulo ao desenvolvimento individual e coletivo gerada por esses mesmos grupos culturais, com a finalidade de se manterem como tal e de avançarem na satisfação dessas necessidades de sobrevivência e de transcendência. (D’AMBROSIO, 2005, p. 82-83)

Esse autor explica bem a problemática que envolve a educação hoje: centrada em currículos prontos e descontextualizados da realidade social, cultural e histórica. Contudo, pelos dados apresentados nesta seção, podemos depreender que, apesar das características atuais do ensino, há espaço para se conceber a escola como um espaço formador para a vida em sociedade.

Estar na sociedade e ser social não é mais uma opção, mas uma demanda que se põe a todo indivíduo hoje. Por isso, à educação cabe uma formação integral do aluno com fins de informar e intervir no mundo e estar-no-mundo, ser-mundo (FREIRE, 2002). Nesse sentido, mais uma vez, como Freire, D’Ambrosio nos remete à necessidade de uma educação sem amarras a conteúdos e fórmulas descontextualizadas, mas que seja prazerosa como convém a todo ato de aprender. Os conhecimentos novos não significam, pois, a verdade absoluta, porém uma nova forma de ver o que era velho. Pressupõe uma mudança para que haja uma relação com a estética da realidade; uma mudança configurada como pulsão porque se move a partir do desejo, da intencionalidade e do querer fazer. Ensinar é, nessa concepção, um ato que envolve ética e estética no sentido de que é sempre preciso existir respeito e sentimento nas relações em sala de aula. Assim,

O ato de conhecer, de criar e de recriar objetos faz da educação uma arte. A educação é simultaneamente uma certa teoria de conhecimento entrando na prática, um ato político, ético e estético. Gestos, entonações de voz, o caminhar na sala de aula, poses, participam da natureza estética do ato do conhecimento, do seu impacto sobre a formação dos estudantes através do ensino (FREIRE e SHOR, 1986, p.145).

Essa discussão sobre a formação ética e estética do aluno é significativa neste momento da pesquisa, porque ela referenda o que o projeto político-pedagógico CEGRO postula como o seu objetivo maior. Portanto, está ligada ao modo como as disciplinas escolares organizam e articulam as suas práticas pedagógicas e, de certa forma, com a discussão sobre a formação dos alunos em prol de seus letramentos.

QUADRO 9– Professor: contribuição para a formação estética do aluno

12. Como você tem contribuído para a formação estética (percepção e valorização do belo, da harmonia e da organicidade do mundo, o respeito às singularidades, o desenvolvimento da percepção estética das várias formas de expressão do mundo) dos seus alunos?

1. Sinceramente não sei se tenho contribuído para a formação estética de meus alunos. 2. Com a variedade de textos lidos e produzidos por eles.

3. Não acho que minha prática contribua para a formação estética dos alunos.

Dados extraídos do Anexo 8 – Questionário do professor, seção 3 – out/2008

Em razão da dúvida da professora de Ciências e a certeza do professor de Matemática quanto à sua contribuição para a formação estética de seus alunos, nos apoiamos em Sadovsky (2007), em sua discussão sobre o quê e como ensinar (n)a Matemática, para afirmar que, independente da área de ensino,

São constituintes de um conceito os problemas que geram o seu aparecimento, as comparações entre diferentes resoluções, as conjeturas que se pode formular, as discussões que se pode sustentar, os novos problemas que surgem com essas discussões, os limites que se pode fixar para definir que tipos de problemas o conceito nos permite resolver... São constituintes de um conceito as relações que se pode estabelecer com outros conceitos (novos e velhos), as propriedades que deles decorrem e que se constituem em meios para validar novas relações, as formas de representação que ele admite... (SADOVSKY, 2007, p. 106)

As práticas pedagógicas abarcam uma ampla gama de atividades, que se desdobram em razão dos conceitos trabalhados, e possibilitam o desenvolvimento de habilidades que vão para além do que se supõe. Uma comprovação disso é o que esses professores percebem como contribuição de suas práticas para a vida cotidiana de seus alunos na sociedade. Em vistas disso, o reconhecimento da professora de Geografia sobre a importância da diversidade de textos lidos e escritos pelos alunos coaduna-se com a discussão de Sadovsky (2007), na

medida em que se percebe a importância de ajudar o aluno a compreender que ele pode usar o conhecimento a seu favor, descobrindo ele próprio os caminhos a perseguir nessa busca. Da mesma forma se dá a formação estética: mesmo que os professores não se apercebam, eles estão desenvolvendo nos alunos formas, parâmetros e meios de valorizar outras dimensões da vida social, pois cada um de nós traz consigo ideologias e valores, além de modos de ver/sentir o mundo.

As concepções de leitura e de escrita dos professores pesquisados se relacionam: à especificidade dos objetos de que tratam suas cadeiras; ao modo como eles percebem a relação entre ensino e aprendizagem; e à (falta de) clareza em relação à extensão das implicações das práticas pedagógicas e do próprio processo de ensino e aprendizagem. Para essa discussão nos baseamos em diferentes pesquisadores dos campos onde se inserem a formação acadêmica de cada um desses professores.

CAPÍTULO 4. UNIVERSO DE LINGUAGENS: POR UMA CARACTERIZAÇÃO