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3 METODOLOGIA E TEORIA:

PORTUGUE SA ARCAICA

4 Do Sufixo: da Filologia e das Gramáticas Históricas à Lingüística e às Gramáticas Normativas Contemporâneas: Conceitos e

4.2 O Sufixo nos estudos de Filologia e de Gramática Histórica:

4.2.1 Carolina Michaëlis de Vasconcelos:

Carolina Michaëlis de Vasconcelos, em sua obra Lições de Filologia

Portuguesa. Segundo as Prelecções Feitas ao Curso de 1911/1912, Tomo I, em sua

Lição V [Derivação e Composição. Noções Gerais, Preliminares, Teóricas], lembra- nos de que a sufixação, prefixação e composição não são privativas das línguas românicas, mas são processos comuns a toda a família indo-germânica. Em alguns idiomas, no entanto, prevalecem as derivações e em outras as composições (por exemplo, no alemão e no grego). Nas formações novilatinas, seus protótipos são elementos latinos e gregos.

Com muita propriedade, a autora adverte-nos:

A história da sufixação, prefixação e composição portuguesa está por escrever.

Há, isso sim, em cada gramática portuguesa destinada ao ensino secundário oficial, um capítulo sôbre derivação e composição, com listas dos sufixos e prefixos que servem actualmente para a formação de substantivos, adjetivos e verbos, ordenados alfabèticamente, ora segundo as funções que êles exercem. Mas os fins práticos e restritos dessas obras não admitem que a matéria seja tratada exaustivamente, nem mesmo com certa extensão e intensidade.

É justíssimo que nelas não só registem os sufixos mais produtivos, com breve indicação das suas funções regulares e das classes gramaticais a que se costumam juntar. Arcaísmos, vulgarismos, formações isoladas e irregulares e sufixos extintos ou petrificados, não em que fazer em livros escolares. [...]

O que se podia e devia fazer é ensinar algo sôbre o grau de popularidade e produtividade de cada sufixo. [...]

O que também se podia fazer é mostrar a distinção entre sufixos de forma popular como –eiro, –deiro, –doiro e os correspondentes literários –ário, –tário, –tório. Não nos parece bom confundirem-se vocábulos realmente nacionais, criados em Portugal, com os herdados que entraram prontos e feitos, no idioma; nem com formações tardias e eruditas. (VASCONCELOS, 1946, p. 41 – 42, grifos nossos)

Carolina Michaëlis de Vasconcelos não traz em sua obra um conceito explícito de sufixo(s), mas nos coloca em relação a ele(s), as seguintes características:

a) É um dos tipos de afixos – elemento que exprime idéias secundárias tanto em línguas primitivas como nas derivadas; os outros dois afixos são os prefixos e os infixos;

b) Seguem as raízes, os radicais, os temas ou as palavras primitivas;

c) Soldado às raízes – aos radicais, aos temas – ou às palavras primitivas: particularizam-lhes e determinam-lhes a significação em diversos sentidos;

d) São a classe mais numerosa e a mais importante, seguida, respectivamente, pelos prefixos e pelos infixos – estes originam formações curiosas;

e) Originariamente, nos primeiros estádios das línguas, os sufixos foram também raízes, assim como os demais afixos. Foram

[...] sílabas curtas e únicas, meros grupos de consoantes, ou mesmo uma só consoante ou uma só vogal para simbolizar coisas concretas, qualidades abstractas, actos e fenómenos naturais que mais profundamente impressionaram os nossos antecessores – o homem primitivo. (VASCONCELOS, 1946, p. 49)

f) Empregados como complementadores e modificadores da idéia essencial: pouco a pouco, reduziram-se a elementos só de relação, de valor abstrato e perderam a sua independência, só readquirida, momentaneamente, em línguas modernas;

g) Originários das línguas primitivas e pelo que se vê nas derivadas;

h) Muitos sufixos se fundiram com o tema e, por esta razão, passaram às línguas românicas sem serem sentidos e percebidos como tais:

benignus (benino XV, benygno XV; ETIM lat. benìgnus,a,um 'benigno, benévolo, bondoso (Houaiss, versão eletrônica; CUNHA, 1986)

malignus (malino XIV; > lat. malignus; ETIM lat. malignus,a,um 'que tem má índole'; f. ant. pop. malino) (Houaiss, versão eletrônica; CUNHA, 1986)

velho é veclo (> vetulus; vet (radical) + -ulus (sufixo); ETIM lat. vetùlus,a,um 'um tanto velho', dim. de vètus,èris 'velho, idoso, antigo', através de uma f.*vetlu pronunciada /veclu/, que passou de dim. a normal, registra Nascentes1)

rolha está por rótula (XVI) (> *rocla > *rogla > *royla > rolha; ETIM lat. rotÙla,ae, dim. de rota,ae 'roda', com prov. evolução rÓtla > *rocla > port. rolha;)

(Houaiss, versão eletrônica; CUNHA, 1986)

malha2 está por mácula (lat. séc. XVI; )

tábua está por tabula (taboa XIII, tauoa XIII, tauoas XIV, tauola XIV, tauua XV, tabola XVI, tabla XIV; ETIM lat. tabùla,ae) (Cf. Houaiss, versão eletrônica)

névoa está por nbla (neuoa XIV, nebla XIV; ETIM lat. nebùla,ae 'névoa, nevoeiro, cerração) (Cf. Houaiss, versão eletrônica)

póvoa está por popula (ETIM orig.contrv.; fem. de povoo, f. arc. de povo; há quem considere regr. de povoar, o que pressuporia maior antiguidade para o verbo; ´pequena povoação; povoado, vilarejo) (Cf. Houaiss, versão eletrônica)

mágoa está por macula (ETIM lat. macùla,ae 'mancha, malha', f.divg. de mácula, mancha e mangra) (Cf. Houaiss, versão eletrônica)

______

1

Cf. Houaiss, versão eletrônica.

2

ETIM fr. maille 'laçada, anel, mancha', do lat. macÙla,ae 'mancha na pele, mancha, nódoa; erro,

incorreção; p.ext. malha de tecido ou rede; fig. desonra, infâmia, vergonha' (Cf. Houaiss, versão eletrônica)

i) Serviram e servem para criarem derivações novas;

j) Muitos sufixos literários adicionados em vocábulos não têm significação própria; têm certo valor humorístico ou burlesco:

[...] são meros adornos morfológicos com que o povo enfeita e encorpa vocábulos do seu uso, nomes de plantas e animais que êle observa com particular interêsse e carinho. (VASCONCELOS, 1946, p. 65)

Carolina de Michaëlis (1912, p. 54 – 55) cita também:

l) Sufixos mortos: “eram átonos [não-acentuados] e de pouco corpo, não servindo por isso mesmo na língua-mãe, sobretudo no latim vulgar, para as formações novas”. São sufixos petrificados e improdutivos.

Como abonações, Michäelis traz os seguintes exemplos:

1) –ulus, –idus, –agus, –uus: já não existem em palavras populares;

2) em formações novas, modernas e irregulares: são invenções de poetas cultos que se cingiram a modelos literários reintroduzidos pelos eruditos: límpido, pálido, rígido, frígido;

3) –ula: presentes em alguns vulgarismos vivos:

beterrábulas por beterrabas ameixulas por ameixas estátulas por estátuas trégulas por tréguas

trévolas por trévoas (deturpação de trévas, tenebras)

4) –uus: presente nas palavras carduus, continuus etc.

Sufixos vivos: “são tónicos [acentuados], sonoros, encorpados, e entraram nas

línguas românicas em numerosos exemplares que pela clareza da sua construção incitaram a imitá-los. [...]. São fecundos, móveis, produtivos,

activos.” (VASCONCELOS, 1946, p. 54 – 55)

Exemplos:

1) –ção (–ação, –ição) com variantes:

razão, paixão, cachão, questão, divisão, procissão 2) –mento (–amento, –imento)

3) –dor (–ador, –edor, –idor) 4) –dura (–adura, –idura)

5) –doiro (–adoiro, –edoiro, –idoiro) 6) –vel (–ável, –ível)

7) –eiro 8) –ario 9) –adio 10) –adiço 11) –ura.

m) Todos os sufixos estrangeiros passaram pelo latim vulgar antes de serem romanço moderno: figuram em todas as gramáticas entre os verdadeiramente latinos sem inconveniente algum;

n) Os sufixos verdadeiramente latinos – assim como os gregos (–ia, –ismo, –ista, –izar), germânicos (–aldo, –ardo, –engo, –lengo, –isco), ibéricos (–arro, –erro), célticos (–ego) e arábicos – são aplicados a temas de qualquer das línguas que contribuíram para o vocabulário português;

o) Certos sufixos, quando não podem ser acrescentados diretamente a formas populares e modernas, recorrem aos modelos latinos ou aos estádios antigos das formações portuguesas:

móvel



mobil + -ário



mobiliário móvel



mobil + -ar



mobilar

amável



amabil + (-i)dade



amabilidade sensível



sensibil + (-i)dade



sensibilidade

p) Com relação às camadas lingüísticas de que saíram, são (como os vocábulos inteiros) em parte populares, em parte cultos. Entraram nas línguas por via oral, ou pela escrita;

q) Há alguns sufixos semi-eruditos (p. ex.: –ádego > –aticum: hospedádego,

eirádega, denominações de contribuições). Outros apresentam dupla forma: uma

que evolucionou, e outra que ficou inalterada ou se modificou pouco:

–eiro x –ário (cf. primeiro e primário; herdeiro e hereditário) –doiro x –tório (cf. lavadoiro e lavatório)

–elha x –ícula (cf. orelha e aurícula) –ês x –ense (cf. braguês e bracarense)

–agem x –ático (cf. viagem e viático; selvagem e selvático) –ença x –ência (cf. influença e influência)

r) Em geral o sufixo popular determina um tema popular; e o de forma culta um tema literário. Esta regra, contudo, traz muitas exceções:

fadista (> fado (tema popular) + –ista (sufixo))

boticário (> botica (semi-erudito) + –ário (sufixo erudito)

bobático (> bobo + –ático (sufixo erudito e esdrúxulo) adjetivos e asnático (> asno + –ático (sufixo erudito e esdrúxulo) substantivos freirático (> freira + –ático (sufixo erudito e esdrúxulo) vulgares

A autora à sua época podia dizer que o estudo encontra-se por escrever. Agora muita coisa já foi feita; ainda assim, muito há por se fazer tanto em relação à sufixação quanto ao português arcaico.

Em sua terminologia, encontramos sufixos mortos e sufixos vivos, os quais correspondem, na contemporaneidade, a sufixos improdutivos e a sufixos produtivos

assim como a origem (estrangeira/grega/latina) dos principais, apresenta-nos alguns deles e lembra-nos de suas contribuições para o enriquecimento do léxico português, às vezes, abonando-os, o que nem sempre ocorre; neste particular, não difere muito dos estudos que encontramos nas gramáticas da língua portuguesa ao longo dos séculos. Ressalta ainda que alguns saíram de camadas lingüísticas cultas e outros, das populares, além de alguns poderem ser considerados semi-eruditos; entraram nas línguas pela via oral ou culta – sendo esta representada pela escrita; alguns apresentam formas duplas: uma que evoluiu (sufixo popular) e outra que pouco ou nada se alterou (sufixo erudito) e, em geral, o tema (= base) determina o uso de uma forma ou de outra, embora haja exceções em relação aos usos dos mesmos.

Cremos, contudo, que ela mesma, neste particular, deixou a desejar em seu estudo, tendo apenas levantado a problemática que envolve os sufixos e/ou a sufixação, embora tenha reconhecido a importância do contato com o povo para a realização de seu estudo e a necessidade de um amplo levantamento histórico e dialetal, a fim de não se cair em formas e usos não realizados pelo povo (= uso) em relação a eles, sendo apenas formas registradas e/ou abonadas pelos grandes inventários lexicográficos, os quais, muitas vezes, abonam formas-fantasma na língua, a fim de literalmente “inchá-los” como ocorrem com os grandes “thesaurus” em qualquer língua natural. Ainda assim, sua obra até hoje é bastante respeitada e sua posição é muito pertinente nos assuntos por ela tratados.