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Capítulo V – Formação de palavras.

PRINCIPAIS SUFIXOS QUE SE JUNTAM AO RADICAL DE SUBSTANTIVO: SUFIXO /

4.4 O sufixo nos Estudos Lingüísticos

4.4.1 Joaquim Mattoso Camara Jr.

Em sua obra Princípios de Lingüística Geral (1980 [1941, 1 ed.]), no Capítulo VI – Tipos de Morfemas, no § 48. Os afixos, encontramos: em relação à posição ocupada em referência ao semantema, classificam-se os afixos (morfemas aditivos) em sufixo, infixo e prefixo, sendo o sufixo a forma recorrente nas línguas indo-européias.

Mattoso Camara (1980, p. 100) divide os sufixos em dois subgrupos:

a) sufixos lexicais: servem para caracterizar a categoria lexical do “derivado” e criar novas palavras, ditas DERIVADAS.

Exemplos:

–mento: julgar (verbo) > julgamento (nome) –oso: forma (nome) > formoso (adjetivo)

b) sufixos flexionais: servem para “flexionar”, isto é, “fletir” ou “dobrar” uma palavra para uma aplicação particular, estabelecendo um quadro de variações vocabulares, o PARADIGMA.

Uns e outros não são necessariamente formas mínimas, mas se decompõem em morfemas menores, por exemplo:

–amos: decompõe-se em –a e –mos; –osa: decompõe-se em –os e –a.

É em História e Estrutura da Língua Portuguesa (1979 [1ª. ed. 1972, em inglês]), no entanto, que Mattoso desenvolve mais suas idéias acerca dos sufixos e da sufixação, as quais sintetizamos a seguir.

Mattoso Camara Jr. observa primeiramente que o português, como toda língua viva, apresenta mecanismos gramaticais para renovar e ampliar o léxico em função das palavras já existentes, tendo herdado do latim a “derivação” e a “composição”,que são considerados os processos mais fecundos de formação de palavras em língua portuguesa.

Na “composição”, dá-se uma associação significativa e formal entre duas palavras, resultando uma nova; na “derivação”, a parte final de uma palavra passa a ser aplicada a outras, originando novas estruturas léxicas, no entanto, a significação básica da palavra de que derivam se mantém inalterada.

A derivação, mecanismo discreto em latim clássico, desenvolveu-se amplamente em latim vulgar.

Em relação aos sufixos propriamente ditos, acrescenta:

Ampliou-se [em latim vulgar] a utilização dos sufixos que já funcionavam, outros foram remodelados, e novos se introduziram por combinações, dentro da língua, ou por empréstimo a outra língua, como especialmente ao grego. (CAMARA Jr., 1979, p. 215)

Com a utilização dos sufixos, houve a tendência de abandonar os segmentos átonos, preferindo-se nitidamente os marcados pelo acento vocabular.

Câmara Jr. ressalta, do ponto de vista estrutural, duas circunstâncias muito importantes em relação ao sufixo:

a) A variabilidade do limite entre sufixo e o radical: os sufixos se ampliam ou se reduzem, no curso da história da língua; às vezes incorporam um fonema do radical ou destacam de si o que era um seu fonema inicial. Ainda no estágio atual da

língua, um dado sufixo pode variar na maneira pela qual entram em palavras derivadas;

b) A integração no sufixo de uma vogal de tema: acaba por situar a palavra derivada num tema determinado, independente do tema da palavra primitiva

de que se deriva, e exemplifica:

-ez em palidez -eza em tristeza

Na palavra derivada, como se pode observar, o sufixo é completado pela sua vogal de tema e sofrerá a flexão nominal ou verbal.

Em relação à vogal do tema primitivo, quando de sua adjunção à palavra primitiva, mantém-se condicionada por regras morfofonêmicas, podendo:

a) ser suprimida a vogal átona em contato com outra vogal:

lobinho > lobo

b) reduzir-se e tornar-se incaracterística como “vogal de ligação” entre o radical e a consoante inicial do sufixo; nesse caso, ocorre quando há aglutinação:

amenidade > ameno + dade (com a redução de –o para –i)

c) se houver aglutinação, o sufixo pode criar uma locução: nesse caso, o vocábulo fonológico correspondente à palavra primitiva tem a sua flexão ao lado da flexão no sufixo:

lobazinha

Análise mórfica estrutural: lob– = radical

–a = desinência de gênero (feminino) –z– = vogal de ligação

–inh = sufixo derivacional

Observa-se que a flexão é duplamente marcada: a palavra primitiva (“lobo”) é marcada quanto ao gênero (“loba”) e também ocorre a marca de flexão de gênero no sufixo derivacional (“lobazinha”).

Há a possibilidade ainda de divergência formal num sufixo, em virtude de sua origem – popular, erudita ou semi-erudita – razão pela qual uma palavra derivada latina, conservando-se em português, pode ser popular (alterada por leis fonéticas), ou erudita (sem alteração fonética). Em ambos os casos, o sufixo, alterado e popular, ou inalterado e erudito, torna-se utilizável em português, adjungindo-se, indiferentemente, a radicais populares ou eruditos.

A produtividade de um sufixo, como observa o autor,

[...] que lhe dá individualidade na gramática da língua portuguesa, decorre do seu destaque de palavras derivadas que vieram tais do latim ou, por empréstimo, de outra língua. Ou, em termos, dadas palavras derivadas passam a servir de modelo para a estruturação de novas palavras, fornecendo no seu elemento final um meio permanente na língua para novas derivações. Quando tal não acontece, o sufixo, que pela análise se pode depreender de palavras derivadas existentes, não é produtivo e não funciona gramaticalmente como instrumento de criação lexical. (CAMARA Jr., 1979, p. 216)

Camara Jr. observa que certos sufixos, particularmente produtivos, no português moderno, são capazes de criar adjetivos e substantivos, criação essa que se dá especialmente em determinadas áreas significativas e funcionais. Na criação de adjetivos denominais, destacam-se os sufixos:

–os (o, a) > lat. –os (u–): ardiloso < ardil

b) –ud (o, a) > lat. vulg. – ut(u–): pontudo < ponta

Semanticamente, traz a categoria de “excesso”, que lhe dá uma conotação pejorativa:

ossudo < osso

cabeçudo < cabeça

c) –di (o, a), pop., –tiv (o, a), erud. > lat. –iu (–u), com a integração da consoante do sufixo –t (–u–):

escorregadio < escorregar pensativo < pensar

Os sufixos que criam palavras nominais (essencialmente substantivos) com a possibilidade de utilizá-los como adjetivos, de acordo com o contexto em que se inserem, podem designar:

1) Proveniência de uma dada região (nomes gentílicos). Os principais sufixos utilizados, nesse caso, são:

a) –ês (..., –a) pop., –ens(e), erud. > lat. –ens (e):

burguês < burgo francês < França vienense < Viena

Na forma popular, a flexão do feminino se estabeleceu no português moderno, com exceção de três derivados, utilizados unicamente como adjetivos:

cortês montês pedrês

A forma erudita é a mais produtiva no português do Brasil para a criação de gentílicos:

piauiense < Piauí (nome tupi de um estado brasileiro)

niteroiense < Niterói (nome tupi de uma cidade do Estado do Rio de Janeiro) catarinense < [Santa] Catarina (estado brasileiro)

b) –ão, pop., muito pouco produtivo no português moderno; –an (o, a), erud., muito pouco produtivo para adjetivos e gentílicos. Relaciona-se, desde o latim, às variantes –en (o, a) (com –e– longo em latim), –in (o, a) (com –i– em latim) e – iano (o, a), deduzida de derivados em que uma vogal –i– do radical se integrou no sufixo. Indica também a qualificação específica quando aplicado a nomes célebres:

petropolitano < Petrópolis (nome de uma cidade brasileira do Estado do Rio de Janeiro)

goiano < Goiás (estado brasileiro, nome tupi) agareno < Agar (para designar os árabes) italiano < Itália

wagneriano < Wagner

2) Pessoas caracterizadas pela sua atividade social:

a) –ist (a) > lat. –ist (a), que é empréstimo ao grego. Indica nomes relacionados a uma atividade artística ou científica:

Nomes relacionados a uma atividade artística ou científica: violinista

cientista

psicologista (ao lado de psicólogo)

Nome gentílico:

campista < Campos

b) –eir (o, a), pop.; –ari (o, a), erud. > lat. –ari (u–) que tomou grande extensão em latim

vulgar (operarius e tabernarius).

Formam adjetivos:

verdadeiro < verdade diário < dia

Caracteriza adjetivamente pessoas em função de dada atividade social ou são sufixos utilizados na formação de palavras substantivas27:

obreiro (orig. pop.) ~ operário (orig. erud.)

No português do Brasil, a forma erudita aplica-se ao assalariado numa dada profissão:

comerciário (empregado de comércio)

securitário (empregado em companhia de seguros sociais; lat. securitas) bancário (empregado de banco)

banqueiro (o que possui ou dirige um banco)

O sufixo –eir (o, a) deriva ainda substantivos denominais indicando: a) a árvore em função do fruto:

pitangueira < pitanga cajueiro < caju

b) o continente em decorrência do produto: mantegueira < manteiga

açucareiro < açúcar

c) o conjunto em função do indivíduo: pedreira < pedra

Às vezes, a forma erudita se faz presente: fichário (PB) ~ ficheiro (PE) < ficha

mobiliário < mobília

c) –ad (a) > lat. –at(a), que é sufixo do particípio perfeito, na 1ª. conjugação latina. Utilizado em latim para a derivação de substantivos. Expressa especialmente:

_______

27

Neste caso, o contexto lingüístico delimita a classe gramatical da palavra e sua função sintática. Exemplos: O operário fez uma boa reforma na casa de vovó. (Morfologia: substantivo/ Sintaxe: sujeito simples e núcleo do sujeito simples).

O argentino operário fez uma boa pintura em sua velha casa. (Morfologia: adjetivo/Sintaxe: adjunto adnominal de argentino).

a) a ação em função do nome do instrumento: facada < faca punhalada < punhal b) um coletivo: boiada < boi

c) um coletivo, com conotação pejorativa: papelada < papel

d) produto obtido de um fruto: marmelada < marmelo cajuada < caju

e) –al > lat. –al(e),com grande aplicação em latim vulgar. Capaz de derivar adjetivos de um substantivo (cf. formal < forma) ou um adjetivo de outro adjetivo (cf. celestial < celeste).

Expressa o conjunto em função do indivíduo, especialmente em referências a extensões de solo:

areal < areia bananal < banana

A variante –zal é utilizada com radical que apresenta vogal tônica: abacaxizal < abacaxi

babaçuzal < babaçu cafezal < café

umbuzal < umbu

f) –agem > fr. e prov. –age, cuja forma popular genuinamente portuguesa é –ádego. A forma francesa é análoga à provençal e se difundiu cedo em português (–agem) e em espanhol (–aje). O sufixo latino originário é –atic(u–), cuja forma portuguesa é –átic (o), de estrutura erudita:

g) –ari(a) > lat. vulg. –ari(a), com /i/ tônico, proveniente da combinação de – ari(u–) com o sufixo grego –ia, (em vez do suf. lat. –ia). Apresenta a variante –eri(a), também antiga. Parece ter sido criado no latim das Gálias (cf. glanderia, séc. VI).

Capaz de estabelecer relações semânticas com o substantivo primitivo, das quais sobressaem:

a) um produto e o lugar onde ele se fabrica ou vende: papelaria < papel

b) o profissional e o lugar onde ele exerce a profissão: alfaiataria < alfaiate

Dos substantivos deverbais, destacam-se os sufixos:

a) –dor (..., a) > lat. –tor(e), uma combinação dos sufixos –t(u–) e –or (e) com grande extensão em latim vulgar. Em português, a derivação conserva a vogal do tema verbal (–a, –e, –i):

pescador < pescar varredor < varrer abridor < abrir

A variante –or (..., a) > lat. –or(e) é improdutiva: professor < professar (lat. professor, ris)

b) –dour(o), pop.; –tori(o), erud. > lat. –tori(u–) com a integração da consoante do sufixo –t(u–) no sufixo –ori(u–). Indica o lugar da ação expressa pelo verbo:

matadouro < matar lavatório < lavar bebedouro < beber dormitório < dormir

Destaque à parte merecem os substantivos abstratos, cujos sufixos mais relevantes para a derivação deadjetival são os que seguem:

a) –ur(a) > lat. –ur(a): brancura < branco

b) –ez, –ez(a) > lat. –iti(e–), –iti(a–). Apresenta as variantes –ici(e–) (erud.), todas muito produtivas:

palidez < pálido magreza < magro tolice < tolo

calvície < calvo

c) –i(a) > lat. vulg. –i(a), por empréstimo ao grego, em substituição do sufixo átono do lat. cláss. –ia:

valentia < valente

O sufixo átono –ia persiste combinado aos sufixos de particípio presente, –ante, –ente, nas formas –ânci(a), –ênci(a):

arrogância < arrogante clemência < clemente

Sufixos principais sobrelevam na derivação de substantivos (abstratos de ação) deverbais:

a) –ção > lat. –tion(e–) com a integração da consoante do sufixo –t(u–). Apresenta a variante –ão > lat. –on(e–), não produtiva:

consolação < consolar perdição < perder fundição < fundir expressão < expressar

b) –dur(a) > lat. –tur(a), com a combinação da consoante do sufixo –t(u–) com – ur(a):

armadura < armar benzedura < benzer urdidura < urdir

Como pudemos ver, a posição de Mattoso Camara Jr. é sempre muito lúcida, e o eminente lingüista foi um homem à frente de seu tempo, tendo desenvolvido trabalhos em praticamente todas as áreas lingüísticas da língua portuguesa.

Sua grande contribuição em relação aos sufixos, pode-se afirmar, foi ter demonstrado que o grau pertence à derivação, uma vez que é a vontade do falante que opta por utilizá-lo ou não, em determinados contextos, ao contrário do que ocorre com a flexão, que é imposta pelos mecanismos de concordância, ou seja, pela estrutura lingüística do português.

Para Camara Jr., a sufixação enquadra-se na derivação, ao contrário da

prefixação que é classificada como composição.