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Capítulo V – Formação de palavras.

PRINCIPAIS SUFIXOS NOMINAIS DE OUTRAS ORIGENS:

4.2.6 Theodoro Henrique Maurer Junior

Maurer Junior (1951) observa que as línguas românicas, com a necessidade

de ampliar o vocabulário herdado do latim, utilizaram-se de recursos vernáculos latinos de ampliação lexical: composição e derivação.

Para o referido autor (1951, p. 85), “[...] os grandes empréstimos na fonte latina são os léxicos”, embora a contribuição mais importante tenha sido a de “proporcionar-lhes recursos mais variados da derivação, embora não seja o latim, sobretudo antigo, a única fonte de seu enriquecimento.”

De acordo com sua posição,

[...] estes processos novos são às línguas românicas a grande facilidade de criação de palavras que as caracteriza hoje, embora não consigam, neste ponto, emparelhar com as línguas germânicas, sobretudo na composição, onde aquelas guardam muito da velha flexibilidade indo- européia. (MAURER JUNIOR, 1951, p. 85).

Maurer Junior, valendo-se de Meyer–Lübke (1923)10, adverte-nos de que

Se, na derivação, as línguas românicas revelam uma riqueza e uma variedade muito superior à do latim, na composição elas têm maior flexibilidade, quer por desenvolverem os tipos antigos, quer por criarem outros novos. (MEYER–LÜBKE , 1923, apud MAURER JUNIOR, 1951, p. 85).

Evidencia-se, ainda, que os prefixos e sufixos são comuns às línguas românicas do Ocidente, mas, notadamente a prefixação não pertencia ao latim vulgar, como presumem muitos autores; os ricos processos de composição e derivação desenvolveram-se no baixo latim e no latim medieval, entrando por estes canais para as línguas românicas ocidentais. As criações lexicais românicas são, por esta razão, posteriores ao latim vulgar.

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MAURER Jr. refere-se a MEYER-LÜBKE, W. Grammaire des langues romanes. Trad. francesa. New York, 1923 (reimpressão).

Para Maurer Junior, merece ser salientado também que

[...] um número enorme de derivados pertence ao Ocidente todo, indicando que as línguas do grupo não só têm os mesmos sufixos, prefixos, etc. à sua disposição, mas empregam abundantìssimamente nos mesmos casos estes recursos, isto é, formam com eles as mesmas palavras. [...] o vocabulário neo-latino é fruto de uma elaboração comum, e não trabalho isolado das diversas línguas” (MAURER JUNIOR, 1951, pp. 87 – 88)

Em relação à sufixação propriamente dita, Maurer Junior (1951) reconhece seu caráter primitivo, originado no latim vulgar e lista os principais sufixos presentes nas línguas românicas, tece comentários sobre eles e apresenta abundante exemplificação11:

Deverbais em –Us e –A: formam substantivos de verbos, principalmente em –are.

É um processo que não pertence à língua clássica; destinado a grande desenvolvimento no romance, começa no latim vulgar, embora não pareça que o

processo se tenha desenvolvido muito aí:

dolus, de dolere: rom. dor, it. duolo, fr. ant. duelo, esp. duelo, port. dó;

*tima, de timere: rom. team, it. tema, fr. ant. crieme, com a mesma alteração do verbo cf.: criembre, fr. moderno craindre;

*constus: rom. cust = vida, it. costo, fr. coût, esp. costo, port. custo;

*captia: rom. cat (espécie de casaco), it. caccia, fr. chasse, prov. casa, esp. caza, port. caça.

–ÍA: sufixo de origem grega; é de importação culta e foi introduzido em época tardia

pelos escritores cristãos dos séculos 4 e 5 provavelmente. No Oriente, aparece des- _______

11

Faremos um recorte de alguns exemplos, principalmente utilizados em português, dada a abundância dos mesmos na referida obra. Os exemplos estão em negrito na obra do autor. Sobre os principais sufixos, comentários e exemplificação sobre eles, consulte-se MAURER Jr., 1951, páginas 88 a 120.

de o século 5, tendo sido introduzido em latim em época anterior. Grandgent (1928)12 o menciona entre os sufixos do latim vulgar, tomados do grego.

Na Dácia, revela grande vitalidade (cf. domníe = de domm = senhor,

prieteníe, de priéten = amigo, etc.) e existe o sufixo composto –aríe: lemnaríe =

lenharia, brânzarie = queijaria.

Documenta-se nas línguas do Ocidente, em que o processo é vivaz na fase romance antiga. Em português, podemos citar a exemplificação que segue:

port. alegria; cortesia; companhia; senhoria; port. ant. gelosia (ciúme, zelo).

–IA: sufixo latino e átono era da língua clássica. Ficou no baixo latim e no latim

medieval, por onde entrou nas línguas românicas, entretanto, com função mais restrita: formar nomes próprios de países e regiões, derivados de nomes e povos. Com exceção do francês onde não de distingue de –ía, é um processo erudito de largo uso nas línguas românicas.

É considerado o sufixo geográfico por excelência na România moderna, no entanto, já existiam freqüentes confusões com –ía, provavelmente de influência francesa, mas nem sempre. A forma átona é a usual do sufixo que continua com grande produtividade nas línguas modernas:

port., esp. e it.: Normandia; Lombardia;

port.: Bolívia, Polônia, Prússia, Rússia, Colômbia, Finlândia, Iugo-eslávia,

Sérvia, Lituânia, Estônia, Ucrânia.

Em alguns nomes de países, há hesitações: port.: Oceânia ou Oceania, Húngria ou Hungria.

–BILIS: sufixo essencialmente literário, Grandgent (1928)13 o inclui entre os sufixos do latim vulgar, contudo, observa que ocorre em autores tardios e, particularmente, em palavras cultas, e Meyer–Lübke14 observa a grande predileção do baixo latim para este sufixo e a sua ausência no romeno.

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e 13 MAURER Jr. refere-se à obra Introducción al Latin Vulgar (tradução espanhola), de Grandgent. Madrid, 1928.

14

Conservado no baixo latim e no latim medieval (cf. impossibilis,

cognoscibilis, demonstrabilis, probabilis, visibilis, inrevocabilis, inviolabilis,

etc.), cedo adquiriu popularidade nas línguas românicas, muitas vezes, antes da época literária. O sufixo –bilis faz-se presente nas línguas românicas em muitos latinismos cultos e em palavras do vernáculo. No português, podem-se citar os exemplos:

port.: visível;

port. ant.: perduravil, semelhavil, stavil, razoavil, amavil, impossibilies (na Regra

de São Bento);

port.: (latinismos cultos) mutável (cf. mudar), legível, passível, indescritível;

“No vernáculo:

port.: cabível, crível, perecível, sofrível, incontável.

–ALIA: sufixo do latim vulgar, contudo, sem grande vitalidade aí, à exceção da Itália

e da Gália, onde parece ter sido bastante vivaz.

No romeno, é raríssimo e ocorre em termos herdados, por exemplo, btaie (battualia).

Suas formas nas principais línguas românicas são: –aglia (it.), –aille (fr.), –aja (esp.), vernáculo, e –alla, de importação posterior, –alha (port.):

Exemplos:

port.: antigualha, canalha, limalha, granalha, rocalha, mortalha, medalha;

–ICUS: sufixo latino (cf. dim. -ico (do lat.vulg. -icu-/-iccu-) e frequentemente grego15

[sic], de acordo com MAURER Jr. (1951, p. 96). É um sufixo genuinamente erudito; acabou por implantar-se através de numerosos vocábulos introduzidos na România pelo latim medieval e pela Renascença:

Exemplos:

port.: gálico, itálico, helênico, cívico, diabólico; nos vernáculos: brasílico,

lotérico, pilhérico, químico, rúnico, bombástico, sádico, napoleônico;

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Parece absurdo um único sufixo ter duas origens distintas, mas MAURER Jr. (cf. 1951, p. 96, sufixo “–ICUS”) assim o cita. Cremos, no entanto, que o autor, no caso, se expressou mal. Ele queria se referir à origem latino-vulgar do sufixo e sua utilização, também, em vocábulos do grego.

–ALIS: sufixo muito difundido no Ocidente, ao qual se atribui a origem vulgar.

Contribuição do latim literário às línguas românicas.

A hipótese de sua origem culta plenamente se justifica quando examinados seus derivados.

De largo emprego no baixo latim e no latim eclesiástico, junta-se a temas latinos e não romances e torna-se relativamente popular nas línguas românicas. Exemplos:

port.: temporal, divinal, oficial, mensal, vital, legal, anual, manual, clerical,

nacional, liberal;

–ANUS (–ianus): sufixo que forma, em latim, adjetivos de pertença e substantivos

que indicam habitantes de um lugar.

Em português, sua evolução normal pressupõe a queda o n intervocálico; no francês, há a evolução normal do a do sufixo em ai (=depois e). Freqüentemente, vem precedido de i (-ianos), que após as consoantes m, c, n, r, l, p e b se perderia, palatizando a consoante, ou sofreria metátese, em termos populares.

Embora pareça de origem popular, o português e o francês não são suficientes para atestar sua origem verdadeira. Sua origem, entretanto, é bastante remota. Entwistle (1938)16 data-a no século 10: resona; temos ainda: padroadigo (*patronaticu, 1092, séc. XI), partiçoens (partitiones).

Exemplos:

port.: pagão, vilão, hortelão, Romão, ancião; maçã, março, vezo, alçar; port. arc.: certão [arc. (séc. XIII) mesmo que certo – Houaiss, versão eletrônica];

–INUS: sufixo adjetivo que falta em ocorrências com temas latinos, ou, em geral, de

cunho erudito, por isso pode-se concluir que se trata de um sufixo de origem culta principalmente.

Como não pertencia à tradição popular, quando reaparece por via erudita, seu emprego limita-se ao uso literário. As línguas românicas parecem apresentar seu emprego reduzido em adjetivos.

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Tem forma literária no português, onde indica procedência; a forma popular

–inho serve para a formação dos diminutivos em nossa língua e em derivados de

nomes pessoais (antropônimos): Exemplos:

port.: londrino, platino, sulino, bragantino, maiorquino, marroquino, alexandrino, nova-iorquino, argelino, manuelino, beneditino, joanino, paulino, vicentino, ferino, estudantino, bailarino, zebrino.

–NS, –NT (–ANS, –ENS, –IENS): sufixo do particípio presente ativo latino, no

entanto, perdeu, salvo raras exceções, sua função verbal nas línguas românicas, reduziu-se a formar adjetivos e substantivos verbais de agente ou de instrumento, os quais, muitas vezes, passam a designar objetos, lugares, nomes abstratos, etc. A maior parte das palavras formadas por esse sufixo é de formação culta, latina.

No próprio latim já se percebe a tendência a reduzir o particípio presente a adjetivo ou a substantivo. Suas funções conservaram-se na língua literária até a Idade Média. Tendo entrado cedo em decadência na língua vulgar, substituiu suas funções, em parte, pelo ablativo do gerúndio, em parte, como equivalente de uma oração adjetiva, além de outras funções que se perderam; acabou se cristalizando como adjetivo e como substantivo, salvo raras exceções. É o processo que se consumou nas línguas românicas.

“Adjetivos:

port.: amante, seguinte, tocante, repugnante, negligente, entrante, maldizente,

humilhante, quente, gritante, falante, corrente, exuberante, obediente;

“Substantivos verbais de agente:

port.: comandante, negociante, ajudante, gerente, pedinte, vidente, ouvinte,

lente, oponente, representante, principiante, remetente, despachante, amante;

“Outros substantivos verbais:

port.: corrente, crescente, nascente, levante, poente, batente, volante, tirante,

–ANTIA E –ENTIA: sufixo formador de nomes verbais abstratos, a princípio eram

derivados de particípios com a adição de –ia em latim.

Sua existência já se documenta no latim vulgar e seu uso parece bastante antigo, no entanto, sua maior vitalidade documenta-se na língua culta medieval do que no romance.

Através do latim medieval, é reintroduzido na România, chegando a prevalecer sobre a forma antiga nos derivados cultos, como ocorre em português e em espanhol. Também se faz presentes em vocábulos do italiano e do francês, como se pode verificar nos exemplos abaixo:

Exemplos:

port.: gerência, dependência, traficância, coerência, vigilância, falência,

residência, tolerância, vidência, dormência;

–ARIUS: sufixo do latim vulgar; faz-se presente nas diversas línguas românicas.

Foi bastante vivaz no latim literário da Idade Média, foi reintroduzido em sua forma culta nas línguas do Ocidente.

Em sua forma erudita serve de compor adjetivos e substantivos numerosos, os quais, muitas vezes, são simples cópias de seus correspondentes latinos, além de entrar em criações novas.

Exemplos:

port.: presidiário, partidário, reacionário, temporário, usurário, majoritário,

correligionário, mesário, lendário, expedicionário, fichário, retardatário, comerciário, industriário, etc.

Um dos mais respeitados filólogos românicos, profundo conhecedor de latim (em suas vertentes clássica e vulgar), de grego e das línguas neolatinas, Maurer Jr. traz em sua obra preciosas contribuições acerca dos sufixos e da sufixação, reconhecendo-a como “[...] um processo de derivação reconhecidamente primitivo, originado no latim vulgar:” (MAURER Jr., 1951, p. 88).

Ainda relativamente à sufixação, encontramos em sua obra:

[...] Se há muitas criações particulares a uma ou duas línguas [românicas], revelando a vitalidade dêste processo derivativo [sufixação], a frequencia com que as línguas ocidentais formam as mesmas palavras por

êste meio revela que não se trata apenas de uma herança comum no latim vulgar, mas também de uma unidade linguística moderna. (MAURER Jr., 1951, p. 91)

Além de trazer o étimo de cada um dos sufixos apresentados, traz uma excelente e abundante exemplificação da utilização deles nas diversas línguas românicas (português, francês, espanhol, italiano, romeno, etc.), tanto no que diz respeito à contemporaneidade quanto às épocas arcaicas dessas línguas neolatinas. A descrição que Maurer Jr. faz sobre os sufixos presentes na línguas românicas é bastante detalhada. Por essa razão, podemos dizer que sua obra é imprescindível a todos os que queiram trabalhar com questões lingüísticas ligadas à diacronia.