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A convivência entre homens de letras, assim como as práticas de leitura, é peça fundamental para a emergência de idéias, projetos e sensibilidades.45 As cartas permitiriam, neste

processo, compreender as dimensões privadas do circuito intelectual ao qual personagens como Varnhagen faziam parte. Elas seriam um instrumento importante para se aproximar das sociabilidades dos indivíduos. Segundo Michel Trebitsch, a correspondência seria por si só um lugar de sociabilidade, esfera do privado, certamente, em oposição aos locais públicos, tais como revistas, colóquios ou manifestos, mas também um lugar de troca, não só entre os indivíduos, mas entre os comportamentos individuais e as regras impostas do exterior, códigos sociais ou padrões de escrita.46

Para escrever sua Historia geral do Brazil entre outros textos, Varnhagen teria de estar vinculado a uma rede de sociabilidade que o situasse no mundo da cultura e lhe permitisse forjar

45 Angela de Castro Gomes, Em família: a correspondência entre Oliveira Lima e Gilberto Freyre, in: Ângela de Castro Gomes (org.), Escrita de si, escrita da história, op. cit., p. 51.

46 Michel Trebitsch, Correspondances d’intelectuels: lês cas des lettres d’Henri Lefebvre à Norbert Guterman (1935-1947), Le Cahiers de L’IHTP, Sociabilities Intellectuelles: leiux, milieux reseaux, Paris, n. 20, 1992, p. 82 (tradução livre).

interpretações sobre o universo social e político de sua época. A troca de cartas feita pelo historiador, por ser um ato de sociabilidade, apontaria para uma prática social que não se limitava ao âmbito do privado.47

Havia, com base em Michel Trebitsch, uma interpenetração do privado e do público. As cartas de Varnhagen trariam referências aos textos públicos de sua autoria ou de outros. A correspondência, por este raciocínio, seria uma zona enigmática entre a vida e o texto, autorizando um intercâmbio entre a escrita privada e a pública.48

Tendo em mente estas trocas entre o público e o privado por meio das missivas, observa- se a necessidade de se entender o quanto é imprescindível em uma análise o conhecimento das redes de sociabilidade de um intelectual como Varnhagen. Segundo Angela de Castro Gomes,

Por isso afirma-se que não é tanto a condição de intelectual que desencadeia uma estratégia de sociabilidade e, sim, ao contrário, a participação numa rede de contatos é que demarca a específica inserção de um intelectual no mundo cultural. Intelectuais são, portanto, homens cuja produção é sempre influenciada pela participação em associações, mais ou menos formais, e em uma série de outros grupos, que se salientam por práticas culturais de oralidade e/ou escrita.49

Ao mapear as redes de sociabilidade de Varnhagen, a partir de suas relações profissionais durante o Segundo Reinado, Raquel Glezer50 realizou uma leitura das missivas coligidas por Clado Ribeiro

de Lessa, identificando os seus interlocutores. Na sua análise prévia das cartas, a autora conseguiu observar alguns conjuntos:

o das relações com historiadores; as das relações profissionais, nas quais incluí os relatórios de atividades profissionais, que perfazem um total de 44, e as de relações sociais, em número de 36 cartas. A destinadas ao Imperador Pedro II, o maior conjunto com cerca de 68 cartas, possuem características diversas e

47 Segundo Rebeca Gontijo, servindo como meio de comunicação privilegiado entre intelectuais, que compartilham interesses, experiências e projetos, as cartas indicam a existência de redes de estudo a distância, através das quais se constrói um espaço singular para reflexões sobre si mesmo, sobre a história e sua escrita. Tais reflexões, longe de constituir teorias da história rigidamente elaboradas e acabadas, favorecem um tipo de conhecimento dialógico, construído de maneira coletiva e, ao mesmo tempo, fragmentada. Rebeca Gontijo, História e historiografia

nas cartas de Capistrano de Abreu, História, São Paulo, vol. 24, n. 02, 2005, p. 159.

48 Michel Trebitsch, Correspondances d’intelectuels: lês cãs des lettres d’Henri Lefebvre à Norbert Guterman (1935-1947), Le Cahiers de L’IHTP, op. cit., p. 82-83 (tradução livre).

49 Angela de Castro Gomes, Em família: a correspondência entre Oliveira Lima e Gilberto Freyre, in: Angela de Castro Gomes (org.), Escrita de si, escrita da história, op. cit., p. 51.

50 Desde 2004, Raquel Glezer coordena o projeto de pesquisa Objeto de Estudo: Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), aprovado pelo edital Memória do Saber, lançado pelo CNPq em conjunto com a Fundação Miguel de Cervantes da Biblioteca Nacional.

devem ser trabalhadas isoladamente, pois tanto há cartas de ofertas de publicações, pedidos de promoção e de titulação, como cartas com análise de conjuntura política e informações diplomáticas.51

Entre os interlocutores historiadores de profissão ou diletantes, indivíduos com quem Varnhagen estabeleceu diálogos historiográficos, contatos para busca de documentos ou trocas de leituras, pode-se perceber com especial destaque a figura de Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara (1809- 1859), intelectual, político português e diretor da Biblioteca de Évora. De 1839 a 1849 foram enviadas aproximadamente 50 missivas, tidas como fonte rica para a compreensão da construção de uma relação de amizade, do amadurecimento intelectual de Varnhagen no processo de busca de documentos sobre o passado brasileiro e dos encaminhamentos de seu projeto historiográfico.

Nestas cartas, nos anos iniciais o tom é cerimonioso – pois Varnhagen era um iniciante no campo da pesquisa histórica; mas, nos anos finais são cartas de amizade, com noticiais pessoais. De qualquer modo, sempre os assuntos centrais são fontes históricas – objeto de pesquisa dos interlocutores, com informações sobre manuscritos, arquivos locais, estado de documentação e o envio de publicações, com os agradecimentos pelas recebidas e pelas notícias de publicação.52

Para além das questões acadêmicas, a correspondência com o diretor da Biblioteca de Évora era marcada por confidências e solidariedades, perceptível quando do falecimento do pai de Varnhagen em 1842:

Ilmo Amº e Snr. Ao chegar de Leiria, onde negocios urgentes de familia me tinham

chamado, encontro a amigavel e obsequiosa carta de V. Sª de 23 p.p. – As expressões foram mais um lenitivo para a mudança e sentimento que toda esta familia sente pela perda de tão bom chefe. Acceite V. Sª de todos os mais cordeaes agradecimentos, e não se esqueça do antigo promettido com fim menos triste: venha V. Sª suavizar nossa pena com a sua boa e sincera

51 Raquel Glezer, Relações profissionais no Império brasileiro: Francisco Adolfo de Varnhagen e seus amigos, Anais do XVIII Encontro Regional de História – O historiador e seu tempo, Assis, ANPUH – Seção São Paulo/UNESP, 24 a 28 de julho de 2006, p. 02.

companhia nas proximas férias. – Encontrar-nos-há naturalmente já n’outras cazas, na Rua do Loreto n.º 39; mas que será de V. Sª como esta o é ainda. Os numerosos amigos que V. Sª aqui deixou esperam como eu, menos feliz do que elles, essa occasião de admirar de perto o mérito que já tanto conhecem e veneram como eu que do coração sou.53

A lista de contatos com historiadores apresenta figuras ilustres como o historiador francês Ferdinand Denis (1798-1890), administrador da Biblioteca Santa Genoveva em Paris, o frei Francisco de São Luis (1766-1845), conhecido por Cardeal Saraiva, o oitavo patriarca de Lisboa, e o próprio cônego Januário da Cunha Barboza (1780-1846), primeiro secretário do IHGB.

Com o renomado historiador francês e conhecedor dos assuntos da história do Brasil, além das trocas de informações sobre arquivos e documentos e de oferecimento de obras editadas, Varnhagen encontraria um importante incentivador. Segundo Raquel Glezer, o apoio de Ferdinand Denis foi importante em sua carreira profissional, com cartas de recomendação, e nas indicações de contato com outros autores.54

Em suas missivas ao Cardeal Saraiva, Varnhagen deixava transparecer uma relação de proximidade, procurando destacar pontos de afinidades como a dedicação aos estudos históricos e o desejo pela busca documental. Ele teria do patriarca de Lisboa ajuda para conseguir sua transferência para o Brasil e entrada na carreira diplomática e militar.55 Na carta de 22 de fevereiro de 1843, ele expressaria

seu afeto e reconhecimento à figura de D. Francisco de São Luis:

Eminentíssimo Senhor. V. Emª tem tanta bondade, e acompanha-me de tanta honra os favores que se digna conceder-me que não tendo eu expressões bastantes de reconhecimento, desejava resumir a prova deste indo mais uma vez beijar cordialmente a mão de V. Emª.

Mas, embargado disso pelo tempo e pelo receio ainda maior de o tomar a V. Emª não posso dispensar-me de ir desde já por este modo aos pés de V. Emª, em quanto, cortando por todos os escrúpulos, lhe não vou roubar alguma hora.56

53 Carta a Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, diretor da Biblioteca de Évora, 10 de dezembro de 1842, in: Francisco Adolfo de Varnhagen, Correspondência ativa, coligida e anotada por Clado Ribeiro de Lessa, op. cit., p. 90-91.

54 Raquel Glezer, Relações profissionais no Império brasileiro: Francisco Adolfo de Varnhagen e seus amigos, Anais do XVIII Encontro Regional de História – O historiador e seu tempo, op. cit., p. 03-04.

55 Ibidem, p. 04.

56 Carta a D. Francisco de São Luis, Cardeal Saraiva, 22 de fevereiro de 1843, in: Francisco Adolfo de Varnhagen, Correspondência ativa, coligida e anotada por Clado Ribeiro de Lessa, op. cit., p. 102.

A sua aceitação na Academia Real de Ciências de Lisboa como sócio correspondente, em 1839, deveu-se ao juízo do Cardeal Saraiva acerca das suas Reflexões Criticas sobre o escripto do século XVI. Segundo o futuro Cardeal Patriarca, Varnhagen havia apresentado uma monografia com bom juízo e discernimento, com estilo claro e conciso, e com erudição curiosa, oportuna e não ensaiada.57

No caso do primeiro secretário do IHGB, sua relação seria marcada sempre por um tom cerimonioso. As suas cartas se caracterizavam pelo envio de publicações, relatos das viagens pelo Brasil em arquivos e cartórios, informações sobre a documentação encontrada e coligida e propostas de temas de pesquisa. Em correspondência de 08 de julho de 1841, Varnhagen relataria ao consócio as suas pesquisas nas cidades de Coimbra e Évora para a produção de biografias de varões ilustres:

Ilmo. Snr. Posto que nesta mesma data escrevo particularmente a V. Sª, julguei dever meu dar ainda que de longe noticia de mim à corporação litteraria que tão obsequiosamente me recebeu no seu seio. Sinto não me ser possível acompanhar já esta de algum trabalho para a publicação do Instituto. Por ora só me occupo de colligir, e todo o tempo acho isso pouco, ainda que bem deligencio aproveital-o. Tenho também precizão de ir a Coimbra e a Évora; mas não sei se me será isso possível. Naquella cidade desejava eu ver dos livros da Universidade se se encontram esclarecimentos acerca das biographias de certos brasileiros illustres, taes com Fr. Gaspar, Claudio Manuel da Costa, Manuel Ignácio da Silva Alvarenga, Arruda da Câmara, Mello Franco, Dr. Hyppolito, Dr. Couto, Ferreira Cardozo e Luiz Joaquim Henriques de Paiva, conforme tratei com V. Sª, e prometti ao nosso Instituto.

Isto requeria que eu podesse dispor de mim por mais de um mez além de outros auxílios que por hora não tenho. – Entretanto, esta só serve para V. Sª fazer presente nos meus deveres e desejoso de os cumprir.58

A maioria das cartas de Varnhagen enviados aos secretários do IHGB era publicada integral ou parcialmente nas páginas da sua Revista. Eles eram tratados em sua correspondência com

57 Citado por Rodolfo Garcia, Appenso Ensaio Bio-bibliográfico sobre Francisco Adolpho de Varnhagen, Visconde de Porto-Seguro, in: Francisco Adolpho de Varnhagen, Visconde de Porto Seguro, História Geral do Brasil antes de sua separação e independência de Portugal, 3 ed. integral, tomo II, Editora Melhoramentos, 1928, p. 438.

58 Carta ao cônego Januário da Cunha Barboza, secretário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 08 de julho de 1841, in: Francisco Adolfo de Varnhagen, Correspondência ativa, coligida e anotada por Clado Ribeiro de Lessa, op. cit., p. 62-63.

formalidade, restringindo-se a fazer referência a manuscritos localizados; obras editadas; cópias remetidas.59

Além dos interlocutores historiadores, Varnhagen tinha na sua rede o contato profissional com quem mantinha correspondência sobre assuntos diplomáticos. Entre os destinatários de suas cartas estavam ministros, conselheiros, oficiais, políticos e colegas de oficio. Segundo Raquel Glezer, as missivas de cunho profissional tinham como marcas o respeito e a cerimônia com que as informações consideradas necessárias para a imagem, defesa do território, melhor aproveitamento da produção agrícola são passadas aos superiores, além das atividades e funções executadas, sempre exaltando as suas atividades e o seu patriotismo.60

As atividades como diplomata – servindo ao Império do Brasil no exterior, foram vitais para o desenvolvimento de suas pesquisas documentais em arquivos e bibliotecas por atender às demandas do IHGB, aos assuntos de governo e à redação da sua Historia geral do Brazil. Os tempos de legação em Lisboa e Madrid, por exemplo, foram profícuos na busca, coleta e cópia de fontes sobre o passado colonial brasileiro.61

As cartas endereçadas ao monarca constituem um capítulo à parte na prática epistolar de Varnhagen tanto pela quantidade, quanto pela intensidade de informações nelas contidas. Neste sentido, para José Honório Rodrigues, a coletânea organizada por Clado Ribeiro de Lessa,

mostra as relações de Varnhagen com D. Pedro (em 241 cartas, 67, afora a Dedicatória, são dedicadas a D. Pedro, ou seja, mais de um quarto da Correspondência), os apelos e pedidos que Sua Majestade fazia, as injustiças e queixas que lamenta, inclusive do Instituto Histórico, as paixões que nutre, a constante preocupação por ser brasileiro de primeira geração. Nelas transparecem seus sentimentos, suas filiações partidárias, seu patriotismo, seu pessimismo em certa fase de sua vida.62

Nas cartas de Varnhagen aos seus interlocutores historiadores, profissionais e amigos questões como a escrita da história do Brasil, os destinos políticos do Império e o circuito intelectual

59 Raquel Glezer, Relações profissionais no Império brasileiro: Francisco Adolfo de Varnhagen e seus amigos, Anais do XVIII Encontro Regional de História – O historiador e seu tempo, op. cit., p. 04.

60 Ibidem, p. 05.

61 Conferir: Virgilio Corrêa Filho, Missões brasileira nos arquivos europeus, RIHGB, Rio de Janeiro, vol. 213, out./dez. 1953, p. 01-43.

62 José Honório Rodrigues, História e Historiografia, Rio de Janeiro, Ed. Vozes, 1970, p. 127. O autor registrou erroneamente 241 cartas ao invés das 242 coligidas pelo biógrafo.

estavam imbricadas umas nas outras. Nestes temas da escrita epistolar do visconde de Porto Seguro estava no centro a imagem da nação que se desejava construir a partir do seu passado.

A história, a política e a cidade letrada eram peças estratégicas no jogo da fabricação da identidade nacional. As apropriações dos vestígios do passado serviriam ao estabelecimento de uma memória nacional, marcada pelo discurso da continuidade e da unidade, de uma política de Estado, que procurava se consolidar a monarquia como regime político e desejava estabelecer a legitimidade do território ocupado pela nação, e de uma concepção de historiador como o portador da narrativa autêntica e documentada da pátria.63

Em meio a estas tramas historiográficas e políticas estava a própria história de vida de Varnhagen com seus dilemas, anseios, medos e realizações. O público e o privado, no caso específico de determinados interlocutores – Cardeal Saraiva, Fernand Denis, Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara e o próprio monarca – encontravam-se e se confrontavam. Para Rebeca Gontijo, o exercício de pensar por carta incentivaria os missivistas

a testar formas de pesquisa e expressão bastante distintas daquelas encontradas em livros e artigos, por exemplo. Às vezes, em meio a recordações do passado, referências à saúde e comentários sobre os problemas do dia-a-dia, a vida alheia, a política e os trabalhos em andamento, é possível localizar indícios de um saber em contínua transformação. De modo lacunar e muitas vezes inconcluso, a correspondência permite uma rápida construção, confrontação e difusão de idéias. Entre convenções e improvisos, a reflexão toma um rumo provisório, efêmero, aberto a futuras modificações, o que permite explorar certas liberdades de dizer e de pensar.64

Não se trabalha aqui com a lógica da história do sujeito permeada pela idéia da confissão e de julgamento, tão criticada por Michel Foucault.65 Ler as cartas de Varnhagen, procurando compreender

como se constituiu suas redes de sociabilidades, não significa definir seu gosto ou a sua atitude de viver

63 Angel Rama cunhou este conceito para explicar a participação dos intelectuais na sociedade latino-americana desde a conquista até o a primeira metade do século XIX relacionando-os à esfera do poder. Esse grupo de letrados teria papel preponderante até no processo de organização das cidades, instituindo discursos de ordem. Segundo o autor, para levar adiante o sistema ordenado da monarquia absoluta, para

facilitar a hierarquização e a concentração do poder, para cumprir sua missão civilizadora, acabou sendo indispensável que as cidades, que eram a sede da delegação dos poderes, dispusessem de um grupo social especializado ao qual encomendar esses encargos. Foi também indispensável que esse grupo estivesse imbuído da consciência de exercer um alto ministério que o equipava a uma classe sacerdotal. Angel

Rama, A cidade das letras, São Paulo, Brasiliense, 1985, p. 41.

64 Rebeca Gontijo, História e historiografia nas cartas de Capistrano de Abreu, História, op. cit., p. 159-160.

em sociedade, e sim estudar a sua participação na dinâmica da vida associativa do Brasil do Segundo Reinado, tendo como locus privilegiado o IHGB.66

Por esta perspectiva de análise, a escrita epistolar de Varnhagen assumiria uma dupla dimensão: a do discurso ou simbólica e a da organização. Sua correspondência ativa ajudaria a desenhar, por um outro ângulo, o espaço social produzido pelo IHGB e a sua atuação no processo de produção e circulação das idéias durante o período imperial. Varnhagen e IHGB não estavam isolados no espaço e no tempo. Neste sentido, segundo Jacques-François Sirinelli, a palavra sociabilidade revestir-se-ia de uma dupla acepção, ao mesmo tempo “redes” que estruturam e “microclimas” que caracterizam um microcosmo intelectual particular.67

O espaço de sociabilidade de Varnhagen seria, portanto, geográfico e afetivo, uma vez que ao constituir relações de adesão ou de rejeição forjava uma certa sensibilidade ideológica:

Todo grupo de intelectuais organiza-se também em torno de uma sensibilidade ideológica ou cultural comum e de afinidades mais difusas, mas igualmente determinantes, que fundam uma vontade e um gosto de conviver. São estruturas de sociabilidade difíceis de apreender, mas que o historiador não pode ignorar ou subestimar.68

Neste caso, os seus interlocutores dentro do IHGB fariam parte de um espaço de sociabilidade formal. Segundo Marco Morel, as sociabilidades formais eram aquelas que ocorriam em associações, ou seja, estabeleciam-se institucionalmente de alguma maneira. Além disso, o seu caráter era multifuncional, cumprindo simultaneamente várias funções sociais como a pedagógica, a política e a cultural. 69

Em nome do e para o grêmio Varnhagen estabelecia seus contatos intelectuais. A associação era a vitrine da elite letrada do Império brasileiro e, a partir dela, discursos sobre e para a nação foram constituídos. Sua correspondência ativa permite a compreensão do significado do ser membro do IHGB e do fazer histórico no período. Tal significado que não necessariamente corrobora as imagens

66 Para Marco Morel, Maurice Agulhon propunha que os estudos sobre sociabilidades não fossem um mero tratamento intuitivo ou impressionista, mas sim o conhecimento das sociabilidades pela densidade da existência de associações constituídas e suas mutações num quadro geográfico e cronológico delimitado. Marco Morel, As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades

na Cidade Imperial, 1820-1840, São Paulo, Hucitec, 2005, p. 221.

67 Jacques-François Sirinelli, Intelectuais, in: René Rémond (org.), Por uma história política, Rio de Janeiro, Ed. da FGV, 2003, p. 252-253. 68 Ibidem, p. 248.

69 Marco Morel, As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na Cidade Imperial, 1820-1840, op. cit., p. 221.

esboçadas pelo discurso hegemônico e unificador da agremiação presente nas páginas de sua Revista, após sua morte.

Por assumir papel aglutinador no contexto de consolidação da monarquia e da nação no século XIX, o IHGB emergiu como uma associação de formação de consenso, de afirmação de hegemonia. Em outras palavras, era um espaço de interseção e de homogeneização, diante de conflitos.70 Logo, há

que se buscar a partir de Varnhagen, assim como de outras vozes ali dentro, falas que apresentassem