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2.4. O IHGB como lugar de autoridade: em busca do reconhecimento na cidade letrada

2.5.2. O historiador-erudito

Em relação à presença da erudição na atividade historiadora, nas suas cartas sempre procurava reforçar a sua obsessão pela pesquisa em arquivos e busca de documentos e fatos perdidos sobre o passado da nação. O reconhecimento dos méritos do historiador, como lembrou em sua memória de 1852, passaria por um seguro conhecimento de fatos colhidos em documentos.132 Em missivas

endereçadas ao amigo Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, Varnhagen registrava seu interesse pela busca de fontes que auxiliassem na correção das informações de suas Reflexões Criticas:

Outro objecto me leva agora a incommodar a V. Sª. No incluso correio receberá V. Sª as minhas Reflexões Críticas, que a Academia das sciencias está imprimindo e vão já na 8ª folha, V. Sª diz que há nessa Biblioteca trez copias; eu desejava dar dellas circunstanciada noticia na Obs. (C), de que faço menção à pag. 9, e então só em V. Sª é que a possibilidade do desempenho. Quizera o título, author e anno que encerram differentes copias; e da mais antiga dellas precizava do resultado de uma cotejação nos nomes adulterados para publicar as variantes.133

Na carta de 05 de outubro de 1839, enviada ao cônego Januário da Cunha Barboza, oferecendo as suas Reflexões Criticas, Varnhagen, ao apresentar-se, procurou registrar o seu apreço e dedicação à pesquisa documental e seu conhecimento do acervo dos arquivos e bibliotecas na Europa. Embora jovem e iniciante nos assuntos históricos, ele mostrava para o primeiro secretário do IHGB as suas habilidades na tarefa de recuperação de documentos para a escrita da história. Com base nestes argumentos, o historiador sorocabano propunha que se empreendesse uma missão de busca desses vestígios do passado do Brasil espalhados pelos arquivos europeus:

Os archivos e bibliothecas da Europa, especialmente os de Portugal, contêm tão ricos e preciosos manuscriptos sobre o Imperio, que muito conviria ao Instituto tomar providencias, para os possuir por copia, análogas às que outr’ora praticou

132 Francisco Adolfo de Varnhagen, Como se deve entender a nacionalidade na História do Brasil (1852), Anuário do Museu Imperial, op. cit., p. 233.

133 Carta a Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, diretor da Biblioteca de Évora, 03 de julho de 1839, in: Francisco Adolfo de Varnhagen, Correspondência ativa, coligida e anotada por Clado Ribeiro de Lessa, op. cit., p. 21.

Portugal, votando sommas para conservar o monsenhor Ferreira em Madrid, o visconde de Santarém em Paris, e outros litteratos enviados à Italia e Inglaterra. Sobre este assumpto devia talvez intervir o governo, que devendo alimentar o espírito de nacionalidade, deve ter presente que são a primeira base talvez desta, a historia e o conhecimento do paiz natal.134

Quando da sua primeira viagem ao Brasil, em 1840, Varnhagen não deixou de registrar em suas missivas a Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara e Januário da Cunha Barboza sua peregrinação pelos arquivos, bibliotecas e cartórios locais atrás de preciosidades documentais. Na carta para o diretor da Biblioteca de Évora, além de comentar sobre os achados na Biblioteca do Rio de Janeiro como as 5 primeiras partes do Thesouro do P.João Daniel, ele fez referência também às suas primeiras impressões ao ver novamente a paisagem da sua terra natal, mostrando seu deslumbramento com a sua monumentalidade:

Esta é escripta do Mundo Novo, mas por em quanto de uma capital que já em muitas coisas arremeda mais o velho. Não lhe contarei uma por uma as impressões agradaveis que tenho recebido desde que levantei ferro de Tejo. Quanto às scenas de mar resumirei que são variadas no último ponto e tão ferteis que seria possivel chamar ao Oceano todas as scenas da vida e dar-lhe colorido tirado da situação grandiosa de ver um madeiro arrostando o temido e insoldavel oceano, até ver terra. Impossivel me é n’uma carta breve descrever a commoção que experimentei ao descobrir e entrar nesta bahia toda rodeada de escabrosos morros de granito, que infundem no espírito uma especie de pasmo e admiriação que chega a ser horrorosa ao mesmo tempo que agradavel.135

Já na carta para o cônego Januário da Cunha Barboza, datada de 05 de novembro de 1840, Varnhagen ateve-se na descrição das suas incursões pelo interior da província de São Paulo, fazendo menção às suas visitas nos arquivos locais e também aos seus achados. Nesta missiva, dialogando com os princípios professados pelo IHGB, ele reforçaria a idéia de que não seria possível a

134 Carta ao cônego Januário da Cunha Barboza, secretário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 05 de outubro de 1839, in: Francisco Adolfo de Varnhagen, Correspondência ativa, coligida e anotada por Clado Ribeiro de Lessa, op. cit., p. 40-41.

135 Carta a Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, diretor da Biblioteca de Évora, 20 de agosto de 1840, in: Francisco Adolfo de Varnhagen, Correspondência ativa, coligida e anotada por Clado Ribeiro de Lessa, op. cit., p. 51-52.

escrita da história sem o pleno do domínio por parte do historiador dos documentos, o que implicava também a sua presença nos locais onde estavam guardados tais preciosidades:

Por esta rogarei a V. Sª que faça presente ao Instituto que eu, apezar de ausente, e privado de assistir às suas sessões, não tenho sido omisso nas obrigações que me impõe o cargo de seu membro. Tenho folheado nesta cidade os livros e papeis dos Archivos da Câmara Municipal, e os de datas de semarias da antiga Provedoria da Fazenda, não me escapando o cartorio dos Jesuitas, que me forneceu alguns esclarecimentos, neste vim achar tambem uma copia da doação de Pero Lopes de Sousa, que confrontei com a que tinha publicado. Procurei familiarizar-se com differentes pessoas que figurarão em diversas épochas, pelo que encontrei escripto, ainda da menor insignificancia apparente, para algum dia emprehender alguma tentativa amena na litteratura Brasileira. Verifiquei e acertei pela confrontação várias investigações de Fr. Gaspar, que não tenho ocasião de fazer chegar ao conhecimento do Instituto, porque me estou dispondo para isso seguir viagem para as villas do interior, cujos archivos tambem visitarei.136

Em outras cartas enviadas ao amigo Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, já empossado como adido à legação brasileira em Lisboa e encarregado de realizar busca em arquivos de documentos referentes à história do Brasil, observa-se um Varnhagen freqüentando quase que diariamente a Torre do Tombo ou fazendo referência ao curso de Paleografia que fazia com a finalidade de auxiliá-lo na decifração dos manuscritos encontrados.137 Para ele, não bastava apenas ir aos arquivos coletar documentos

perdidos, era preciso preparação para que se pudesse fazer a verificação e cotejamentos adequados à pesquisa histórica.

136 Carta ao cônego Januário da Cunha Barboza, secretário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 05 de novembro de 1840, in: Francisco Adolfo de Varnhagen, Correspondência ativa, coligida e anotada por Clado Ribeiro de Lessa, op. cit., p. 55-57. Outras informações sobre suas pesquisas arquivisticas pelo interior de São Paulo, seriam relatadas também nas cartas de 16 de dezembro de 1840 (Curitiba) e de 06 de janeiro de 1941 (Santos), conferir: Francisco Adolfo de Varnhagen, Correspondência ativa, coligida e anotada por Clado Ribeiro de Lessa, op. cit., p. 58-62.

137 Para Manoel Luiz Salgado Guimarães, a pergunta que vai se desenhando da parte dos modernos diria respeito exatamente à possibilidade de transformar textos sacralizados pela prática antiquária em fontes para uma escrita desse passado. E nesse esforço de releitura do passado através de seus textos o papel da Filologia seria central como metodologia de trabalho para assegurar uma maior veracidade dos conhecimentos pretendidos. Ao lado dela a cronologia fornecia os procedimentos necessários para uma correta apreciação dos restos do passado. Mesmo os conhecimentos antiquários a respeito dos monumentos, moedas e inscrições, marcas visíveis da existência do passado, eram considerados pelos modernos como importantes elementos na tentativa de explicação desse passado. Estavam sendo postos em marcha dispositivos intelectuais que transformarão progressivamente esse conjunto material em “fontes” para a escrita da História. Manoel Luiz

Salgado Guimarães, Reinventando a tradição: sobre o antiquariado e a escrita da história, Humanas: Revista de Filosofia e Ciências Humanas, Porto Alegre, vol. 23, n. 01-02, 2000, p. 118.

Nesse período de peregrinação nos arquivos portugueses e, posteriormente, espanhóis não serão poucas as cartas ou informes nas páginas na Revista do IHGB sobre as atividades e descobertas do historiador-diplomata. O grêmio constantemente era presenteado com o envio das cópias de documentos encontrados por Varnhagen. Em 1842, à guisa de ilustração, as atas das sessões do grêmio trariam informes sobre o recebimento de documentos encontrados por Varnhagen em Portugal:

O mesmo Sr. Presidente offereceu para a Bibliotheca do Instituto o MS. – Observações relativas á agricultura; comercio e navegação do Continente do Rio Grande de S. Pedro do Sul no Brasil – que diz lhe fôra remettido de Lisboa pelo Sr. Varnhagen para esse fim, quando por ventura o julgasse digno de ser apresentado; e que lhe parecendo que o citado codice não é destituido de merecimento, por isso cumpria a vontade do nosso consocio.138

foi offertado, e recebido com especial agrado o seguinte: pelo Sr. Francisco Adolpho de Varnhagen – Collecção de varios escriptos ineditos politicos e litterarios de Alexandre de Gusmão, Secretario privado d’El-Rei D. João V, ultimamente publicada no Porto: pelo Exm. Senador o Sr. Jozé Bento Leite o MS.139

Nas missivas encaminhadas ao primeiro secretário, em boa parte publicada também na Revista, Varnhagen trazia listagens e apontamentos de documentos referentes ao passado brasileiro localizados ou que pretendia perseguir os rastros pelos arquivos. Nelas fazia questão de lembrar aos pares do IHGB que a pesquisa e a posterior organização documental era etapa imprescindível para que se pudesse escrever a história geral do Brasil:

Ilmo. E caríssimo Amigo Firme, Pelo amor de Deus não me leve a mal o não ser mais assíduo e mais extenso nas minhas correspondências particulares. O tempo de manhã até as horas está todo dividido entre a Legação (onde agora sirvo como secretário) e a Torre do Tombo, onde me vai aparecendo tanta coisa, que não devo fazer mais do que copiar e andar para diante. Lá virá tempo em que eu não tenha archivos e então o organizar dos documentos, a redação

138 Extractos da ata da 79ª sessão em 12 de janeiro de 1842, RIHGB, Rio de Janeiro, tomo 04, 1842, p. 100. 139 Extractos da ata da 85ª sessão em 10 de maio de 1842, RIHGB, op. cit., p. 217.

histórica será o meu cuidado. – Estes documentos soltos não os quero enviar por que é necessário para terem curiosidade mesmo na Revista unil-os e combinal- os em doutrinas que façam tal ou tal corpo.140

Ao longo da vida, em sua correspondência ativa, o visconde de Porto Seguro sempre fez referência às obstinadas atividades de pesquisa. Ele fazia uso da sua rede de sociabilidade com outros letrados e associações literárias e cientificas para pedir e oferecer informações sobre documentos encontrados, solicitar cópias de manuscritos, comunicar suas visitas a arquivos e bibliotecas e, principalmente, divulgar o resultado de suas pesquisas.

Esses trabalhos em arquivos não atendiam somente aos interesses do IHGB, mas também da diplomacia do Império brasileiro. Eles serviam aos interesses do Ministério dos Negócios Estrangeiros quando da discussão e negociação de acordos e tratados acerca dos desenhos das fronteiras da nação.141

Na da carta de 03 de junho de 1843, Varnhagen lembrava ao amigo Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara a importância da legação em Lisboa para facilitar seu acesso à Torre do Tombo, mostrando mais uma vez as articulações entre a diplomacia do Estado imperial e a pesquisa histórica:

Cá estou de voltas com trabalhos para isso na Torre, onde hoje tenho entrada amplíssima para mexer à minha vontade, por uma ordem do Governo, requerida officialmente a favor do Secretário Interino da Legação, que hoje é este seu creado, como sabe: o que ainda hontem me fez estar oito horas a escrever para um navio que hoje se foi para o Rio --142

Ao longo da sua atuação de garimpeiro de arquivos, Varnhagen procurou seguir os ensinamentos de Januário da Cunha Barboza, que professava a organização criteriosa das fontes e a batalha contra o esquecimento dos fatos memoráveis do passado, tarefa somente possível por meio de

140 Carta ao cônego Januário da Cunha Barboza, secretário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 14 de março de 1843, in: Francisco Adolfo de Varnhagen, Correspondência ativa, coligida e anotada por Clado Ribeiro de Lessa, op. cit., p. 103.

141 Carta a Antonio de Meneses Vasconcelos de Drummond, ministro plenipotencionário do Brasil em Portugal (Ofício-relatório), in: Francisco Adolfo de Varnhagen, Correspondência ativa, coligida e anotada por Clado Ribeiro de Lessa, op. cit., p. 142-151. Conferir: A missão

Varnhagen nas Repúblicas do Pacífico: 1863 a 1867, 2 vols., Rio de Janeiro, Centro de História e Documentação Diplomática; Rio de Janeiro,

FUNAG, 2005; Virgilio Corrêa Filho, Missões brasileiras nos arquivos europeus, RIHGB, op. cit.

142 Carta a Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, diretor da Biblioteca de Évora, 03 de junho de 1843, in: Francisco Adolfo de Varnhagen, Correspondência ativa, coligida e anotada por Clado Ribeiro de Lessa, op. cit., p. 112.

uma atuação imparcial e cuidadosa do historiador. A legitimidade e a autoridade de uma história do Brasil dependeriam da pesquisa documental.143

Ao ter como princípio que o documento atestaria a veracidade dos fatos narrados e acontecidos no passado, Rodrigo de Souza da Silva Pontes faria coro às solicitação do primeiro secretário por intermédio da solicitação que se fizesse um levantamento dos arquivos espalhados pelo território do Império para que se empreendesse uma coleta de fontes sobre a história do Brasil:

O primeiro passo portanto que deve dar o Instituto é sollicitar o consentimento dos que nos podem fazer patentes os cofres preciosos, onde se encerram tantos documentos da maior importância para a Historia e para a Geographia da nossa terra natal. Segue-se depois (á medida que taes exames nos sejam permittidos) a nomeação da commissões que examinem esses depositos de documentos, comissões compostas de dois membros, quando muito, pois que a experiencia diariamente ensina quando é difficil e embaraçado o trabalho de commissões numerosas.144

O próprio Varnhagen, em carta a Rodrigo de Souza da Silva Pontes, de 1º de fevereiro de 1845, informa-lo-ia a respeito de suas diligências quanto à localização de obras e documentos pedidos ao arquivo da Mesa de Consciência e Ordens. Diante da dificuldade de acesso e a pouca atenção dada pelos responsáveis pelo arquivo, ele solicitava a intervenção do conselheiro:

Quanto à tal justificação do Dr. João Thomaz Bram não me poderia V. Exª dahí ajudar com um fio d’Ariadna, para entrar, ao menos quanto ao anno, no labiryntho do archivo da Mesa da Consciência e Ordens.

Há muito que chegou de Anvers a resposta ao pedido que por via da Legação Belga eu para lá tinha feito a respeito de Paulo Brans; della conheci que a influencia dos individuos da Legação para aquelles a qual pediam era pouca, ou que estes não davam ao negocio muita importancia, e respondiam sem maiores dilligencias.145

143 Januário da Cunha Barboza. Discurso do Primeiro Secretario Perpetuo do Instituto, RIHGB, op. cit., p. 10.

144 Rodrigo de Souza da Silva Pontes, Quais os meios de que se deve lançar mão para obter o maior numero possivel de documentos relativos á Historia e Geographia do Brasil?, RIHGB, op. cit., p. 149-150.

145 Carta ao conselheiro Rodrigo de Sousa da Silva Pontes, 1º de fevereiro de 1845, in: Francisco Adolfo de Varnhagen, Correspondência ativa, coligida e anotada por Clado Ribeiro de Lessa, op. cit., p. 130-133.

O visconde de Porto Seguro também encontraria nos escritos do marechal Raimundo José da Cunha Mattos lições sobre o que deveria ser coletado nos arquivos sobre o passado brasileiro. Nesta memória prescrevia que o grosso dos melhores materiais para se escrever a história do Brasil e de outros lugares seriam os oficiais:

os monumentos e as inscripções abertas em laminas de pedra e metallicas; os diplomas legislativos, as cartas imperiaes ou regias, os regulamentos ou regimentos, resoluções, avisos, provisões e patentes. Termos de posse dos governadores, bispos, magistrados, officiaes municipaes, e das outras classes de empregados publicos, e as cartas de sesmarias das terras concedidas aos mais antigos povoadores.146

Para os fundadores do IHGB e Varnhagen, a pesquisa de fontes documentais inscrevia-se como uma das principais preocupações daqueles que se dedicassem à tarefa de escrever a história do Brasil. Sem os documentos coligidos e organizados não haveria as condições para o aparecimento de uma autêntica narrativa condizente com a verdade. Em síntese, eles desfrutavam daquilo que Anthony Grafton denominou de prazeres do arquivo:

A biblioteca e o arquivo se transformaram, pela mágica da metáfora, em uma galeria de antigüidades tridimensionais; as fontes a serem interrogadas, em objetos preciosos. O historiador, por sua vez, transforma-se no homem de bom gosto, cuja percepção mágica do que é genuíno e do que é falso se torna pedra de toque. Ao aplicá-la habilidosamente, o historiador astuto e critico realiza uma mágica: reúne a poeirenta miscelânea em conjuntos coerentes de material de períodos históricos distintos, organizado em diferentes salas, datado, etiquetado e comprovado.147

Assim como Leopold von Ranke (1795-1886), o visconde de Porto Seguro seria um historiador viajante que visitava, não cidade após cidade na Europa e na América do Sul, mas arquivos após arquivos. A descrição feita do historiador alemão por Peter Gay cairia feito uma luva no colega de

146 Raimundo José da Cunha Mattos, Dissertação acerca do systema de escrever a historia antiga e moderna do Imperio do Brasil, RIHGB, op. cit., p. 137-138.

oficio brasileiro: quantos documentos era o primeiro a ler, quantos fatos era o primeiro a interpretar ou, pelo menos, a interpretar nalguma base fatual sólida.148

A estes prazeres do arquivo, desfrutados por historiadores como Ranke e Varnhagen, Jacques Derrida denominaria de mal de arquivo, de uma pulsão de conservação, como se fosse possível por meio deste lugar armazenar a verdade dos tempos passados. Este inconfesso misto de prazer e mal, dependendo do ponto de vista, presente no oficio do historiador oitocentista e mesmo de tempos depois, não existiria sem a certeza de um limite radical, sem a possibilidade de um esquecimento que não se limita ao recalcamento. Sobretudo, e eis a mais grave, além ou aquém deste simples que chamam finitude, não haveria mal de arquivo sem a ameaça desta pulsão de morte, de agressão ou de destruição.149