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Os méritos de Varnhagen na averiguação dos fatos e na escrita documentada da história foram repetidamente citados por seus biógrafos e estudiosos de sua obra. A sua correspondência, coligida e anotada por Clado Ribeiro de Lessa, tem sido fonte rica para se entender o seu compromisso com o arquivo e com a busca de documentos e fatos históricos perdidos no tempo. Nas suas cartas, endereçadas a alguns de seus correspondentes intelectuais, Varnhagen apresentava o seu método de trabalho, as suas viagens pelos arquivos e bibliotecas e as descobertas documentais. Foi em cima dessa correspondência, confessou seu biógrafo, dentre outros abundantes documentos, que nasceu Vida e obra de Varnhagen.

No anseio de preservar a sua memória e documentar sua existência, constituindo um arquivo, Clado Ribeiro de Lessa tomou a iniciativa de publicar suas cartas, como justificou na introdução da coletânea:

179 Michel Foucault, Microfísica do Poder, op. cit., p. 19. Para Margareth Rago, o filósofo-historiador Michel Foucault sempre se pôs em estado de alerta contra a ingenuidade de falar de fantasmas, de contar histórias de personagens imaginados, de estar escrevendo uma “genealogia de

fantasmas”, acreditando falar dos indivíduos ‘de carne e osso’. Margareth Rago, O Historiador e o Tempo, in: Vera Lucia S. de Rossi e Ernesta

O acervo formado pela correspondência ativa de Varnhagen, que logramos aqui reunir, incluindo nesta expressão alguns ofícios diplomáticos, que sem inconvenientes se podem divulgar, ultrapassa duas centenas de peças, algumas das quais bastante extensas. Oriundas da pena de uma dos maiores historiógrafos e homens de pensamento dêste país, quer versem matéria de erudição, quer assuntos políticos ou diplomáticos do dia, quer ainda, objetos de interêsse familiar ou privado, estamos certos de que sua leitura não será destituída de interêsse para o público culto do Brasil, cujo empenho em conhecer particularidades do passado nacional, e da vida de seus ilustres, cresce promissoramente de dia para dia. Eis porque tomamos a resolução de brindá-lo com a presente coletânea.180

Além das cartas, a própria obra de Varnhagen se constituiu em testemunho da sua obstinada tarefa de garimpeiro de documentos que desvendassem a história do Brasil. No que se refere à revelação dos fatos, José Honório Rodrigues observou que ele havia feito mais do que poderia imaginar qualquer leitor desavisado de sua Historia geral do Brazil. Na sua avaliação, nenhum historiador nacional contemporâneo [a Varnhagen] o iguala no conjunto da obra. Era, prosseguia, incomparável pela perseverança com que caminhou pelos caminhos da história brasileira, até então nunca palmilhados.181

As suas qualidades de homem de arquivo não ficaram de fora do discurso de Joaquim Manuel de Macedo, lembrando das suas contribuições para o acervo e a Revista do IHGB. Em nome da investigação histórica e aproveitando-se das vantagens do ofício de diplomata, Varnhagen engolfára-se nas bibliothecas, empoeirára nos archivos, compulsára centenas de livros, achára thesouros e fontes de luz em obras raras, descobrira em arcas antigas manuscriptos e documentos importantíssimos182,

dedicando anos a fio em estudos profundos e no acúmulo de conhecimentos.

Assim como o orador do IHGB, Capistrano de Abreu também não deixou escapar esta faceta do perfil do historiador sorocabano, sendo objeto de sua admiração e posterior obsessão em revisar, corrigir e anotar sua obra:

180 Francisco Adolfo de Varnhagen, Correspondência Ativa, coligida e anotada por Clado Ribeiro de Lessa, RIHGB, op. cit., p. 08. 181 José Honório Rodrigues. Varnhagen, mestre da História Geral do Brasil, RIHGB, op. cit., p. 170.

182 Joaquim Manoel de Macedo (orador), Discurso na Sessão Magna Anniversaria do Instituto Histórico e Goegraphico Brasileiro no dia 15 de dezembro de 1878, RIHGB, op. cit., p. 483.

Ele era um desses homens fortes, que as dificuldades não detêm. Um problema era uma incitação. Um manuscrito, desses que mal se podem ler, fixava-lhe, absorvia-lhe a atenção, e ele acabava desvendando o mistério.

Ajunte-se que os arquivos portugueses ainda não haviam sido explorados. Cada dia apareciam-lhe novidades e amontoavam-se descobertas. Mesmo em outra pessoa que não tivesse grande pendor por investigações históricas, essa série de felizes achados bastaria para determiná-lo.

Os achados de Varnhagen foram consideráveis, sobretudo quanto ao primeiro século da nossa história. Não diremos que renovou a fisionomia da época, mas descobriu bastantes elementos para quem possa e queira fazer obra definitiva.183

Ao recordar as marcas da passagem de Varnhagen pelos documentos quando os consultava na Torre Tombo, Oliveira Lima ofereceu um testemunho ocular da sua habilidade como pesquisador, permitindo a afirmação de que era um ardente investigador, um infatigável resuscitador de chronicas esquecidas nas bibliothecas e de documentos soterrados nos archivos, um valioso corretor de falsidades e illustrado collecionador de factos.184

O jurista Pedro Lessa, na esteira de Capistrano de Abreu e Oliveira Lima, apontou os lugares percorridos por Varnhagen na Europa e na América na realização da sua tarefa de historiador, exaltando a sua abnegação ao dispor de lazeres para se embrenhar em bibliotecas, arquivos e museus, consultando livros, mappas, autographos, inscripções, medalhas, moedas, gravuras, pinturas e todas especie de documentos.185

A sua renúncia aos prazeres momentâneos para se dedicar à missão de descobrir documentos que ajudassem a construir a história do Brasil também foi ressaltada pelo forte discurso moralista cristão de Basílio de Magalhães, o que reforçava a imagem de um grande exemplo a seguir e a venerar.186 Essa observação – recorrente nas outras biografias – era o indicativo de uma pretensa imagem

183 João Capistrano de Abreu, Sobre o Visconde de Porto Seguro, in: Ensaios e Estudos (Crítica e História), op. cit., p. 133. 184 Manoel de Oliveira Lima. Francisco Adolpho Varnhagen, Visconde de Porto Seguro, in: RIHGSP, op. cit., p. 65.

185 Pedro Lessa, (sem título – elogio a Francisco Adolfo de Varnhagen, pronunciado na Sessão Solenne Especial, em 17 de fevereiro de 1916, commemorativa do centenário do nascimento do Visconde de Porto Seguro), RIHGB, op. cit., p. 614-615.

186 Basílio de Magalhães assim descreveu o seu Varnhagen santificado: sempre lhe aprouve trocar os ephemeros prazeres das frívolas mundanidades pela consagração dos seus lazeres ás predilectas e uteis indagações de historia e de literatura antiga, assim como á observação e prompta divulgação de tudo quanto julgava applicavel ao fomento do pregresso economico do Brasil. Basílio de Magalhães.

Discurso – Sessão Commemorativa do 50º Anniversario do Falecimento de Francisco Adolpho de Varnhagen (Visconde de Porto Seguro) – realizada em 29 de junho de 1918, RIHGB, op. cit., p. 897.

mística de Varnhagen como um santo intelectual, valorizando ainda mais a monumentalidade de seus feitos.187

A disciplina e a obstinação de um historiador-monasta somadas à sua erudição e conhecimentos das línguas européias foram outros atributos recordados por Clado Ribeiro de Lessa, ajudando na canonização intelectual de Varnhagen. A sua formação poliglota permitia-lhe consultar com vantagem os livros dos viajantes e cronistas estrangeiros que se ocuparam do Novo Continente em geral, e do Brasil em particular.188

De acordo com Rebeca Gontijo, a erudição tem sido uma das características mais identificadas na qualificação de um intelectual. A adjetivação erudito se manifestaria, em especial, no caso das personalidades como Varnhagen, Capistrano de Abreu e Oliveira Lima que se dedicaram ao estudo histórico. Isso acontecia porque a história da disciplina história têm identificado sua origem na dupla tradição filosófica e erudita.189

Esta tradição erudita, segundo a autora, remontava à época do Renascimento e estava associada à figura do antiquário, definido como um estudioso das coisas antigas, que domina línguas mortas, conhecimentos esotéricos, detalhes minuciosos sobre costumes, instituições, artefatos etc.190

Nessa figura gêmea do historiador, especificamente a partir do século XVIII, estaria associada também uma mudança no método histórico. A partir do antiquário, segundo Temístocles Américo Cezar,

foram fixadas normas e colocados certos problemas metodológicos fundamentais, entre os quais as questões do documentos ( a distinção entre fontes primárias e secundárias, e a utilidade de testemunhos não escritos, por exemplo), dos modelos narrativos da história (neste caso da história antiga) ou ainda problemas teóricos como a distinção entre a organização dos fatos.191

187 A construção da imagem de Varnhagen como herói intelectual passa por uma espécie de discurso biográfico permeado por uma hagiografia (escritos sobre a vida de santos) muito recorrente em outras biografias de intelectuais e políticos brasileiros como, por exemplo, Joaquim Nabuco. Conferir: Celia Maria Marinho de Azevedo, Quem precisa de São Nabuco?, Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, ano 23, n. 01, 2001, p. 87-97.

188 Clado Ribeiro de Lessa, Vida e obra de Varnhagen (vol. 223), RIHGB, op. cit., p. 99.

189 Rebeca Gontijo, O “cruzado da inteligência”: Capistrano de Abreu, memória e biografia, Anos 90, op. cit., p. 60. Conferir: François Furet, O nascimento da história, in: A oficina da história, Lisboa, Gradiva, s/d., p. 109-35.

190 Ibidem, ibidem. Para um estudo da erudição em Varnhagen, conferir: Laura Nogueira Oliveira, A palavra empenhada: recursos retóricos na construção discursiva de Francisco Adolfo de Varnhagen, op. cit., capítulo I.

191 Temístocles Américo Cezar, Narrativa, cor local e ciência. Notas para um debate sobre o conhecimento histórico no século XIX, História Unisinos, São Leopoldo, vol. 08, n. 10, jul./dez. 2004, p. 16.

Adotando-se essa definição de erudito, pode-se entender a preocupação de Basílio de Magalhães, Renato Sêneca Fleury e Clado Ribeiro de Lessa em relatarem as habilidades intelectuais de Varnhagen na investigação histórica, fazendo uso de diferentes saberes adquiridos ao longo do tempo para superar dificuldades. Nessas descrições de suas capacidades eruditas, em algumas passagens, vislumbra- se uma percepção quase mística de como se deu o seu aprendizado. Era uma genialidade intelectual inconteste para esses autores nitidamente apaixonados pela esfinge de Varnhagen:

além do carinho particular que votou ás línguas indigenas sul-americanas, elaborou em espanhol, em francez, em italiano e até em allemão algumas das suas mais importantes monographias, que ia immediatamente editando nas capitaes onde estivesse. E o amor paternal, que lhe mereciam as producções do espirito, compellia-o não só a meticulosos cuidados na escolha do papel e das illustrações e na revisão, como tambem a reimprimil-as, toda vez que á sua aguda vaidade de escriptor consciencioso se antolhassem erros a corrigir e á sua infatigavel paciencia de investigador se deparassem novos documentos, que instruíssem melhor a materia tratada.192

Varnhagen, entretanto, sentia prazer em dominar as dificuldades. Era um espírito forte, pertinaz, favorecido por singular clarividência, tal como se fôra dotado de senso divinatório. Paleógrafo cuja competência e perícia estavam na razão direta, ou eram conseqüência de sua cultura geral e especializada, conjugada ao tirocínio adquirido no trato constante com códices e documentos de variadas épocas e em outras línguas, a Varnhagen como que não surgiam obstáculos, a não ser a carência do tempo, que êle procurava suprir aproveitando-o com redobros de atividade e jamais malbaratando-o.193

Graças aos conhecimentos de Paleografia e de Diplomática poderia ler e interpretar com facilidade os numerosos documentos em cursiva processual ou cortesã, quase virgens, que atulhavam os arquivos portugueses, cheios de imprevistas informações sobre os primórdios do Brasil-Colônia. As luzes ministradas pela Economia política habilitavam-no muito especialmente a

192 Basílio de Magalhães. Discurso – Sessão Commemorativa do 50º Anniversario do Falecimento de Francisco Adolpho de Varnhagen (Visconde de Porto Seguro) – realizada em 29 de junho de 1918, RIHGB, op. cit., p. 897.

compreender as condições e as necessidades materiais dos primitivos colonizadores, e a encarar suas atividades em relação ao elemento silvícola por um prisma muito diferente do adotado pelo sentimentalismo romântico e piegas dos outros escritores brasileiros seus contemporâneos.194

Para Celso Vieira, em sua conferência inaugural no Instituto Varnhagen, em 1923, a erudição do autor da Historia geral do Brazil traduzia-se na sua condição de escritor clássico, pois possuía um sólido criterio de julgamento do bem e do mal (...), mercê de valores e formulas tradicionais, para o encômio ou para o estigma, escrevendo de forma narrativa élo por élo os fatos.195 Na sua leitura, nestes

aspectos ele se assemelhava aos antigos cronistas portugueses.

A busca documental praticada à exaustão por Varnhagen, defendia Celso Vieira, era decorrente de uma concepção judiciária da história. Era uma marca de sua obra a presença do historiador- juiz, que coletava as provas, verificava sua autenticidade e emitia sua sentença sobre os fatos do passado:

a história antiga e moderna (...) não é em substância outra coisa senão uma variante daquelle julgamento dos mortos, a que precediam, out’ora, os sacerdotes (...). Juiz elle tem a idea fixa da prova: incumbe ao historiador, antes do mais recolher depoimentos, pesquisar factos, colligir indícios. Argamassada a prova, o juiz dará em seguida, com os seus fundamentos claros e breves, uma sentença inappelavel.196

A referência como historiador-juiz na descrição Varnhagen seria repetida por Renato Sêneca Fleury, ao descrever seus procedimentos de trabalho com as fontes documentais. Somente por intermédio desses velhos papéis, fontes diretas e insuspeitas, poderia se emitir o juízo certo acerca da verdade do passado brasileiro, desfazendo-se lendas, situando-se cronologicamente os acontecimentos, corrigindo-se datas, destruindo-se afirmações injustas, reivindicando-se glórias a seus legítimos merecedores.197

194 Clado Ribeiro de Lessa, Vida e obra de Varnhagen (vol. 223), RIHGB, op. cit., p. 99. 195 Celso Vieira, Varnhagen: o homem e a obra, op. cit., p. 35-39.

196 Ibidem, p. 43-44.

O nível apurado do seu senso de justiça, combinado com a investigação em arquivos, foi observado por Basílio de Magalhães quando abordou a polêmica de Varnhagen com os indianistas do IHGB:

Quanto aos nossos selvicolas, Varnhagen, em cuja mentalidade preponderava o forte cunho germanico e que não pode nunca conformar-se com o que elle denominou “tendencias indiscretas e falsas de patriotismo caboclo”, as quaes foram como que uma projecção do movimento romantico, que teve os mais inspirados corypheos em Gonçalves Dias e Gonçalves de Magalhães (note-se que o depois visconde de Araguaya tambem se collocou ao lado de João Francisco Lisbôa contra Porto-Seguro, como consta de monographia “Os indigenas perante a historia”, inserta em nossa “Rev.”, t. XXIII, 1860, p. 1ª, págs. 3-66), - externou as suas primeiras, idéas em 1850, no quinto capitulo,intitulado “Da civilização dos indios por tutela”, do “Memorial organico”.198

Essa avaliação do comportamento de Varnhagen como um juiz da história, registrada pela maioria dos biógrafos e estudiosos de sua obra, teve seu nascedouro no seu necrológio, escrito por Capistrano de Abreu. Para o autor de Capítulos de História Colonial, o historiador Varnhagen agia como um juiz em uma audiência, aplicando punições e absolvições aos homens e suas ações no passado. Suas sentenças eram o resultado da ausência de espirito plástico e simpático:

Os pródomos da nossa emancipação política, os ensaios de afirmação nacional que por vezes percorriam as fibras populares, encontram-no severo e até prevenido. Para ele, - A Conjuração mineira é uma cabeçada e um conluio; a Conjuração baiana de João de Deus, um cataclisma de que rende graças à Providência por nos ter livrado; a Revolução pernambucana de 1817, uma grande calamidade, um crime em que só tomaram parte homens de inteligência estreita, ou de caráter pouco elevado. Sem D. Pedro a independência seria ilegal, ilegítima, subversiva, digna da forca ou do fuzil. Juiz de Tiradentes e

198 Basílio de Magalhães. Discurso – Sessão Commemorativa do 50º Anniversario do Falecimento de Francisco Adolpho de Varnhagen (Visconde de Porto Seguro) – realizada em 29 de junho de 1918, RIGHB, op. cit., p. 926. Para compreender os meandros da polêmica de Varnhagen sobre os indígenas, conferir: Laura Nogueira Oliveira, Os índios bravos e Sr. Visconde: Os indígenas brasileiros na obra de Francisco Adolfo de Varnhagen, dissertação de mestrado, Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal de Minas Gerias, Belo Horizonte, 2000; Lúcio Menezes Ferreira, Vestígios de Civilização: A Arqueologia no Brasil Imperial (1838-1877), dissertação de mestrado, Programa de Pós-graduação em História, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002.

Gonzaga, ele não teria hesitado em assinar a mesma sentença que o desembargador Diniz e seus colegas.199

Na análise dos biógrafos, o problema estava na avaliação se Varnhagen era ou não um bom historiador-juiz e não na crítica da própria idéia de história como um tribunal. As adjetivações apresentadas para as sentenças varnhagenianas eram o termômetro para a sua absolvição ou condenação. Biógrafos e biografado não abriam mão de uma visão judiciária e moralista da história. A compreensão da história e de Varnhagen passavam necessariamente por um julgamento, uma sentença.200

À parte a crítica a sua visão moralista, judiciária e utilitarista da história que lhe foi recorrente desde o final do século XIX,201 elogios ao seu trabalho de homem de arquivo não foram raros. O

próprio Capistrano de Abreu, como já foi mencionado, não deixou de registrar gratidão e respeito pelos feitos de Varnhagen como historiador: seja no mérito da pesquisa documental, seja nos progressos na escrita da história da pátria.202 O escritor Thiers Martins Moreira lembrou que ele não foi um simples

arrumador de documentos entre caixilhos necessários à narrativa e à boa ordem lógica da exposição. Varnhagen soube interpretar, unir, anotar e dar vida e inteligência crítica aos papéis dos arquivos e aos textos dos livros.203

A sua peregrinação evangélica pelos arquivos e bibliotecas, segundo o seu conterrâneo Renato Sêneca Fleury, era uma marca indelével da biografia de Varnhagen, digna de repetição e elogios:

Os que estudaram a vida de Varnhagen são unânimes em se referir, com viva admiração, à sua pasmosa atividade, reveladora de uma invejável capacidade de trabalho, bem rara em historiador como êle, que despendia largo tempo em demoradas pesquisas, não se cingindo jamais a meras consultas a livros, ao modo de simples compilador, mas efetuando investigações e estudos dos velhos

199 João Capistrano de Abreu, Necrológio de Francisco Adolfo de Varnhagen, Visconde de Porto Seguro, in: Ensaios e Estudos (Crítica e História), op. cit., p. 89.

200 Para Marc Bloch, compreender não seria julgar. A análise histórica não comportaria a presença de um historiador-juiz: Uma palavra, para resumir, domina e ilumina nossos estudos: “compreender”. Não digamos que o historiador é alheio às paixões, ao menos, ele tem esta. Palavra, não dissimulemos, carregada de dificuldades, mas também de esperanças. Palavra, sobretudo, carregada de benevolência. Até na ação, julgamos um pouco demais. É cômodo gritar “à forca”. Jamais compreendemos o bastante. Quem difere de nós – estrangeiro, adversário político – passa, quase necessariamente, por mau. (...) A história, com a condição de ela própria renunciar a seus falsos ares de arcanjo, deve nos ajudar a curar esse defeito. Marc Bloch, Apologia da história, ou, O ofício de historiador, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2001, p. 128. 201 Na próxima seção essas apreciações acerca da concepção de história de Varnhagen serão retomadas na análise dos juízos emitidos sobre a sua Historia geral do Brazil.

202 Ibidem, ibidem.

documentos, e realizando obra pessoal, com material de primeira mão, descoberto, decifrado, coordenado e relacionado – quando não corrigido, em confronto com outros documentos – por êle próprio. Motivo pelo qual lhe eram grandemente reduzidas as horas dedicadas a redigir, com fundamento na documentação de que premunia, seus trabalhos, orientados pelo respeito à verdade histórica.204

Em relação à formação de Varnhagen, os biógrafos apresentaram alguns indícios sem muita profundidade. Havia uma espécie de hiato entre a sua viagem para Portugal e o começo de sua atuação como estudioso dos conhecimentos históricos sobre o Brasil. Para Capistrano de Abreu, ainda jovem, ele tivera de seguir o pai a Portugal e no exílio, ao habito perfumoso da saudade, infriltara-se-lhe um patriotismo profundo e casto.205 Já Oliveira Lima limitou-se a comentar sobre o ambiente cultural em