• Nenhum resultado encontrado

CARTESIANISMO E OCASIONALISMO

No documento Uma História da Filosofia Ocidental (páginas 131-153)

FILOSOFIA MEDIEVAL II SÃO TOMÁS DE AQUINO

CARTESIANISMO E OCASIONALISMO

Já nos referimos brevemente ao padre Marin Mersenne, que atuou como uma espécie de moderador das discussões entre os principais filósofos do período. Uma figura muito mais importante, no entanto, Antoine Arnauld (1612-94), quando ainda jovem sacerdote, contribuiu para as objeções ao Meditações. Mais tarde, ele iniciou uma troca de correspondência com Leibniz e não há dúvida de que ocupou papel de relevo na reação a Descartes. Arnauld fazia parte do movimento criado na abadia de Port-Royal principalmente por Cornelius Jansen, bispo de Ypres (1585-1638). Em oposição aos jesuítas, Jansen expunha a doutrina agostiniana de soberania da graça e das limitações da razão, em contraste com a fé, a respeito de Deus. Outro membro importante do movimento, Blaise Pascal (1623-62), matemático ilustre, adotou a visão jansenista da relação entre teologia e filosofia. No seu postumamente publicado Pensées (Pensamentos), expôs a famosa idéia de que em relação a Deus o coração tem suas razões. Já a razão propriamente dita tem um lugar limitado. Formulou

também a idéia que se tornou conhecida como “a aposta de Pascal” – que a crença em Deus é a melhor aposta porque, se Deus existe, ele premiar á a crença e, se não existe, nenhum mal resultará dela. É talvez curioso que um teólogo adote tal idéia e as premissas do argumento não estão acima de objeção. Pascal, na realidade, não constituiu uma grande figura filosófica, a despeito de suas contribuições, em outras frentes, ao conhecimento.

Arnauld tem mais títulos à notoriedade porque foi o principal autor da denominada Port-Royal logic (La logique ou Part de penser, 1662). Lógicos formais não reconheceriam essa obra como parte substancial da história de sua disciplina. Ela retroage às teorias da significação, que ocuparam lugar importante em fins da Idade Média e tenta esclarecer as idéias de substância, atributos, modos etc., da forma como elas eram usadas no século XVII por outros filósofos, entre eles Descartes. Ela é notável por estabelecer a distinção entre a compreensão e a extensão dos termos – entre as idéias que um termo geral expressa e as coisas às quais são aplicadas -, distinção esta que assumiria maior importância na filosofia da lógica posterior. Além do mais, na descrição oferecida do que são chamados “termos complexos”, tal como “o rei de França”, o Port-Royal logic teceu considerações que são relevantes para as discussões, neste século, daquilo que Russell chamou de “a teoria das descrições”. E o faz considerando como o acréscimo de palavras como “de França” restringe a compreensão do termo “rei”, de modo que sua extensão possa ser um único indivíduo. Nos casos em que as palavras acrescentadas são meramente implícitas, como quando falamos simplesmente em “o rei”, o Port-Royal logic recorre à noção de equivocação, alegando que o intelecto tem a tendência, no erro, de substituir o que é realmente confuso por um determinado sujeito. A linguagem em que tudo isso é dito tem muito em comum com a de Descartes.

Nenhuma dessas pessoas foi, em sentido rigoroso, cartesiana, embora todos sofressem a influência do cartesianismo. O nome do principal cartesiano com status, Nicolas Malebranche (1638-1715), está ligado principalmente à doutrina conhecida como “ocasionalismo”. Já vimos que há ambigüidade na descrição feita por Descartes da relação entre corpo e mente e do papel de Deus no conhecimento de nosso próprio corpo e dos corpos que existem à nossa volta. Arnold Geulincx (1624-69), disse que é impossível que corpos que, em natureza, são tão diferentes da mente, possam afetá-la. O que acontece é simplesmente que, nas ocasiões de certos eventos físicos, Deus coloca em nossa mente idéias sobre eles. Daí o ocasionalismo atribuir maior peso ao papel desempenhado por Deus do que acontecia com Descartes e negar a possibilidade de união quasi- substancial entre mente e corpo, como insinuou Descartes. Malebranche aceitava a mesma opinião, mas lhe dava uma conotação agostiniana, alegando que, em conseqüência, ve mos todas as coisas em Deus. Na verdade, Malebranche começou a vida como teólogo agostiniano e converteu-se ao cartesianismo depois de ler o trabalho de Descartes sobre O homem. Foi, contudo, um cartesianismo

inortodoxo. Em primeiro lugar, à parte o ocasionalismo e o papel especial atribuído a Deus, Malebranche negava que tenhamos uma idéia clara e distinta da natureza de nossa alma, ao mesmo tempo em que admitia que, de fato, temos idéias como as de extensão, figura e movimento. Conhecemos a mente ou alma apenas por intermédio de um “sentimento interior” ou consciência, e, portanto, sabemos que é uma coisa pensante. Mas constitui coisa inteiramente diferente dizer que temos uma idéia clara, quanto mais separada, da mesma.

As duas principais obras de Malebranche, à parte a teologicamente orientada Conversations chrétiennes, foram De la recherche de la vérité e Entretiens sur la métaphysique et sur la religion (Dialogues on metaphisics). O The search for truth trata exaustivamente dos erros a que somos vulneráveis. Malebranche alega que os sentidos nos foram dados não para que possamos ver as coisas em si, mas apenas para a conservação do corpo. Embora houvesse vestígios dessa tese em Descartes, Malebranche levou-a muito mais longe. Sabemos a respeito de coisas físicas apenas aquilo do qual temos idéias claras e distintas – sua extensão, figura e movimento – e mesmo então, falando corretamente, apenas o que Deus põe em nossa mente sob a forma de idéias. Malebranche, porém, não é um idealista. Não nega que há coisas que transcendem nossas idéias. Idéias claras e distintas correspondem a essas coisas. Não obstante, uma descrição do que os sentidos nos dizem é, em sua opinião, um registro de erros. Nossos olhos, afirma, “geralmente nos enganam em tudo que nos apresentam”. Podemos estar certos de que temos sensações. O erro surge quando fazemos juízos sobre as coisas ostensivamente responsáveis por essas sensações, e esse erro tem que ser, segundo a natureza do caso, sistemático. Isto porque as coisas em questão não são de fato responsáveis pelas sensações.

Essas sensações são postas por Deus em nossa mente de acordo com as condições corporais e, como estas variam, o mesmo acontece com as primeiras. A idéia da relatividade da percepção às condições corporais desempenha papel importante na teoria de percepção sensorial de Malebranche. A fim de conservar o corpo, precisamos ser capazes de perceber a que distância as coisas estão de nós, que tamanho têm etc. A óptica demonstra, pensa ele, como os olhos são enganados. A fim de explicar como podemos corrigir esses erros temos que recorrer a uma teoria sobre como nossos juízos anulam as sensações enganadoras. Esses juízos não são o que ele chama de “juízos livres”, como são os juízos ordinários. Não sabemos que fazemos esses juízos quando conseguimos ver corretamente o tamanho das coisas que estão a alguma distância de nós – para dar um exemplo de nossa capacidade de anular o que a óptica sugere que não seríamos capazes de fazer. Assim, Malebranche invoca a idéia dos “juízos naturais” ou “juízos dos sentidos”, embora se apresse em acrescentar que esses juízos são sensações realmente complexas, nas quais um componente corrige o outro. Mais uma vez, esses juízos, ou sensações complexas, são postos por Deus em nossa mente. Realmente, ao fim do Recherche I.9.3, ele diz que Deus forma

em nós esses juízos “como conseqüências das leis de união da alma e corpo”. Deus põe em nossa mente todos os juízos que nós mesmos poderíamos fazer se conhecêssemos, à maneira divina, “a óptica, a geometria e tudo o que ocorre na ocasião em nossos olhos e em nosso cérebro”. A descrição que ele dá das várias ilusões reveste-se de considerável interesse mas não podemos dizer que tenha sido feliz em sua descrição geral da percepção. É bem racionalista, no entanto, a alegação de que o conhecimento se restringe àquilo do que temos idéias claras e distintas.

SPINOZA

O filósofo em cujas opiniões o racionalismo teve sua mais sistemática e rigorosa expressão foi sem dúvida nenhuma Benedict de (ou Baruch) Spinoza (1632-77). Nasceu ele em Amsterdam de pais judeus que haviam chegado à cidade fugindo da Inquisição em Portugal. Embora criado, ou educado, segundo a ortodoxia judaica, veio a adquirir convicções cépticas e acabou por ser excomungado pela sinagoga. Ganhava a vida como polidor de lentes, ao mesmo tempo em que participava de discussões sobre a “nova filosofia” de Descartes com um grupo de cristãos esclarecidos. Em 1660, deixou Amsterdam para viver em isolamento em várias pequenas aldeias, onde escreveu um Tratado sobre a correção do entendimento, que não publicou. Mas de fato publicou o Princípios da filosofia de Descartes, no qual a expunha em ordem geométrica, juntamente com um apêndice intitulado Pensamentos metafísicos. Uma introdução escrita por um amigo, no entanto, alertava que o livro não coincidia com as próprias idéias de seu autor. Em 1670, deu à luz anonimamente o Tratado teológico-político. Sua principal obra, a Ética, no entanto, só veio a lume após sua morte. Todas as principais obras foram escritas em latim.

Em 1673, recusou o oferecimento da cátedra de filosofia em Heidelberg porque desejava viver sem compromissos oficiais, como achava que devia viver um filósofo. Faleceu em 1677 de tuberculose, para a qual deve ter contribuído seu trabalho de polidor de lentes. Manteve alguma correspondência com Henry Oldenburg, da Real Sociedade, em Londres, e com o grande cientista Christian Huygens, através do qual tornou-se conhecido de outros cultores da ciência. O isolamento em que vivia, porém, manteve -o desconhecido do grande público. Publicados após sua morte, seus trabalhos foram recebidos inicialmente com incompreensão. Spinoza não exerceu influência direta sobre outros filósofos, embora Leibniz o conhecesse e, até certo ponto, reagisse às suas idéias. Ele constituiu um exemplo extraordinário do que muitos pensam deva ser o filósofo, um homem dedicado ao desenvolvimento de suas idéias.

Tem alguma importância o fato de sua principal obra intitular-se Ética, embora aqueles que a lêem pela primeira vez possam inclinar-se a pensar que o título é impróprio. Consiste de cinco partes, em cada uma das quais o tema é exposto em forma geométrica, com axiomas, definições e proposições, que ele diz que serão

provadas a partir desses axiomas e de acordo com as definições. A primeira ostensivamente trata de Deus, embora seja, na verdade, uma exposição altamente metafísica de uma teoria sobre a natureza da realidade. A segunda parte discute a natureza da mente; a terceira, das emoções. Temos até agora metafísica e a filosofia da mente. As partes quatro e cinco estudam, por seu turno, a “Servidão Humana”, ou a força das paixões, e “O Poder do Intelecto, ou a Liberdade Humana”. Pretendem fornecer uma receita para a obtenção de uma força de bem- aventurança que, segundo Spinoza, é idêntica à própria virtude. Este o objetivo com que estruturou seu sistema. Até mesmo o anterior Tratado sobre a correção do entendimento estabelece o objetivo da indagação de maneira semelhante. Não é, como o Regulae de Descartes, apenas um tratado metodológico sobre a maneira de chegar à verdade. O importante é a correção do entendimento e Spinoza vê, em sua descrição da realidade e do lugar do homem nela, o caminho para uma compreensão melhor, que trará também a bem-aventurança. Desta maneira, oferece um nítido contraste com Descartes, a quem pouco interessavam as questões éticas. Há talvez um elemento religioso no pensamento de Spinoza que, de certa forma, está ausente no de Descartes, a despeito do fato de que este último fosse católico devoto e o primeiro um seguidor do judaísmo, que abjurou. A forma geométrica da exposição mostra a determinação de seguir o método que Descartes sustentava teoricamente ser o método para a busca do conhecimento, embora, na prática, lhe prestasse pouco mais do que uma deferência hipócrita. Spinoza tenta elaborar, usando-o, uma teoria unificada na qual tudo tem seu lugar. Os termos dos quais fornece definições na Parte I são os da tradição da filosofia, derivada de Aristóteles – tais como “substância”, “atributos”, “modo”, “Deus” e “causa de si mesmo” (causa sui). Os axiomas parecem relativamente incontestáveis e ele sem dúvida pensava que eram evidentemente verdadeiros. “Substância” é definida como “aquilo que é em si e é concebida através de si mesma”; e, por “atributo”, entendia “aquilo que o intelecto percebe como constituindo a essência de uma substância”. É digno de nota que Spinoza aborda esses assuntos através do que pode ser concebido ou percebido pelo intelecto. Nessa medida, persiste a tradição cartesiana de invocar a mente e suas idéias. “Deus” é definido como um ser absolutamente infinito, isto é, uma substância que consiste de atributos infinitos, todos os quais expressam essência eterna e infinita. Ele sem dúvida acreditava, aliás com alguma justificação, que era assim que a tradição teológica concebia Deus. Não obstante, é verdade que tinha de Deus uma concepção sobremodo filosófica. Da forma como desenvolve a tese, a principal função de Deus é ser a primeira causa e, dessa maneira, a causa de si mesmo.

Embora não explique detalhadamente “causa”, a definição de “causa de si mesmo”, como aquela cuja essência envolve a existência, ou cuja natureza não pode ser concebida exceto como existente, indica que por “causa” ele entende alguma coisa como “fundamentos lógicos”, e não a nossa concepção rotineira de

“causa”. Por essa razão, pode oferecer, como um dos axiomas, a proposição de que, de uma dada causa, o efeito se segue por necessidade. Portanto, se, como acontece, considera-se que tudo tem seus fundamentos lógicos em uma primeira causa, eles se seguirão necessariamente dela. Todo sistema que postula que tudo tem seus fundamentos racionais, neste sentido, em uma ou outra coisa, tem que ser um em que é regra a determinação por essa coisa e, portanto, determinista. Alega ele que se segue de seus axiomas que só há uma substância, Deus. Descartes dissera no Princípios (I.51) que “na verdade, só se pode conceber uma substância que seja absolutamente independente, e esta é Deus”. E prosseguira dizendo que o termo “substância” aplicava-se equivocadamente a Deus e a suas criaturas. Spinoza, na realidade, aceita a primeira parte disso com absoluta seriedade e conclui que não há outra substância que não Deus. A Proposição XIV da Parte I do Ética assevera que “exceto Deus, nenhuma substância pode ser dada ou concebida” e diz que ela se segue da infinidade de Deus e de outra proposição que julga haver provado – que duas ou mais substâncias, tendo a mesma natureza e atributo, devem ser supostas. Isto porque a natureza ou atributo de uma substância determinam-lhe a essência. Se duas substâncias tivessem a mesma essência nada distinguiria uma da outra e Spinoza conclui dizendo que não faria sentido supor que eram duas.

O que normalmente consideramos como substâncias, por conseguinte, não pode ser tal coisa. Na opinião de Spinoza, devem ser consideradas como modos, ou modificações de uma única substância, isto é, estão nela e devem ser concebidas apenas através dela. Todas as coisas estão assim, em certo sentido, em Deus, e Deus é a causa imanente de todas as coisas. Daí, conforme já observamos e a Proposição XXIX da Parte I torna explícito, “Na natureza das coisas nada contingente é dado, mas tudo é determinado a partir da necessidade da natureza divina para existir e obrar de uma certa maneira”. Deus necessariamente existe; é o único; existe e atua inteiramente por necessidade de sua natureza; é a causa de todas as coisas e elas existem nele, e por ele são predeterminadas, não por seu livre-arbítrio ou benevolência, mas como resultado de natureza absoluta ou poder infinito – parafraseando ligeiramente o sumario dado nas palavras iniciais do Apêndice à Parte I do Ética. Spinoza é um completo monista no sentido em que admite a existência de apenas uma substância, uma única causa de si mesma que é a causa de tudo mais, na qual tudo mais é meramente uma modificação ou atributo dessa substância. A substância única é também infinita, com atributos e modificações infinitos. Não é de surpreender que a ela seja dado o nome de Deus. A Parte II alega começar novamente com novas definições e axiomas, como aliás as partes restantes da obra. De agora em diante, ignoraremos esse fato mas trataremos o argumento como se fosse contínuo, o que de certa maneira acontece. A Parte II trata supostamente da natureza da mente, mas se inicia, na verdade, com a distinção cartesiana entre pensamento e extensão. São ambos atributos que pensamos pertencer às coisas, mas, na realidade, devem pertencer a Deus.

Pensamentos individuais são modos que expressam a natureza de Deus, que por isso mesmo deve incluir o pensamento como um atributo. O mesmo se aplica aos corpos e ao atributo da extensão. Nesse ponto é que as idéias de Spinoza foram consideradas chocantes, porquanto o Deus no qual todas as coisas existem é – inteiramente ao contrário das idéias de Malebranche que ostensivamente aceitava a mesma doutrina – material, bem como capaz de pensamento. Mais adiante, na Parte IV, Spinoza usa a frase pela qual se tornou famoso (ou mal-afamado) – “Deus ou Natureza”, nomes alternativos para a mesma coisa -, uma opinião que parece implicar uma espécie de panteísmo. Mas se Deus possui atributos infinitos, e se pensamento e extensão são atributos distintos, Deus tem que possuí-los – e o resto se segue, se alguma coisa o faz.

Na verdade, Spinoza é ainda mais radical do que isso. Diz que substância pensante e substância estendida são, ao contrário do que pensava Descartes, realmente a mesma coisa, compreendida através de atributos alternativos. Analogamente, um modo de extensão e a idéia desse modo são realmente a mesma coisa. Conclui Spinoza que a ordem e a conexão de idéias são as mesmas que as das coisas. A mente humana é simplesmente parte do intelecto infinito de Deus e consiste, em primeiro lugar e acima de tudo, da idéia de uma coisa existente, isto é, do corpo humano. Outras coisas são percebidas na medida em que afetam o corpo. Daí, a solução de Spinoza para o problema corpo/mente é que ambos estão essencialmente ligados, uma vez que o último é simplesmente o objeto das idéias que constituem o primeiro. Se colocamos a coisa dessa maneira, estamos, naturalmente, limitando nossa atenção ao que são, de fato, modos de uma mesma substância e, nessa conformidade, estamos focalizando suas relações. Sub specie aeternitatis, como às vezes Spinoza as coloca, elas são simplesmente aspectos paralelos da mesma coisa.

Uma vez que outras coisas são percebidas na medida em que afetam o corpo, nenhuma idéia de uma modificação deste implica conhecimento adequado de um corpo externo – definindo-se a idéia adequada como aquela que, na medida em que é considerada em si mesma, sem relação com um objeto, possui todas as propriedades e sinais intrínsecos de uma verdadeira idéia. (É importante a ressalva “sem relação com um objeto”. Spinoza não acredita que, para verificar sua verdade, seja possível comparar idéias com seus objetos.) Reciprocamente, uma vez que nossas idéias de corpo surgem do fato de ele ser afetado por outros, tampouco temos idéias adequadas a respeito de nosso próprio corpo. Realmente, Spinoza afirma que, em todas as ocasiões em que a mente percebe uma coisa de acordo com a ordem comum da natureza, ela não tem idéias adequadas, mas apenas confusas, de si mesma, seu corpo e corpos externos. Isto não quer dizer que ela não possa ter uma idéia clara e distinta de si mesma, mas apenas que não pode fazê-lo dessa maneira, e é esta é a única maneira pela qual podemos ter idéias a respeito do corpo. Dessa maneira, é preservado o princípio cartesiano de que podemos ter idéias claras e distintas da mente, de uma maneira que não

podemos tê-las a respeito do corpo, embora isto dificilmente seja feito de maneira cartesiana.

Com base em tudo isso, Spinoza distingue entre três tipos de conhecimento (há quatro deles no Tratado sobre a correção do entendimento). Temos, em primeiro lugar, conhecimento derivado de experiências vagas, o que acontece quando generalizamos a partir de experiência casual e confusa, e conhecimento derivado de sinais, o que ocorre quando confiamos na recordação do que lemos ou ouvimos. Estes constituem um conhecimento de primeira ordem, que Spinoza julga idênticos à opinião e imaginação. (O Tratado separa os dois tipos que aqui Spinoza junta sob o mesmo título.) O segundo tipo de conhecimento é

No documento Uma História da Filosofia Ocidental (páginas 131-153)