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METAFÍSICA E ONTOLOGIA

No documento Uma História da Filosofia Ocidental (páginas 55-63)

ARISTÓTELES

METAFÍSICA E ONTOLOGIA

Mas basta das ciências especiais, das ciências de tipos particulares de fenômenos – embora o que dissemos forneça apenas uma pequena prova do que há nessas obras. No começo de sua Metafísica (título dado a uma coletânea de obras

aristotélicas que havia na antiga biblioteca de Alexandria, e que significa “os trabalhos que vêm depois da física”), Aristóteles indaga, como um dos problemas a serem abordados, se poderá haver uma ciência geral do ser-qua-ser, bem como ciências particulares relativas a isto ou aquilo. Poderá haver simplesmente uma ciência do que é, uma ontologia geral? Uma opinião que ganhou certo curso em tempos recentes é que, inicialmente, Aristóteles pensou que a resposta a essa questão era “Não”, mas que, finalmente, veio a julgar que era possível responder à pergunta com um “Sim” qualificado. Foi um “Sim” que tornou a ciência do ser- qua-ser idêntica à teologia, a despeito do fato de que esta parece, à primeira vista, tratar de um único tipo, mesmo que seja um tipo supremamente importante de ser. (Há uma referência a este ponto ao fim da primeira seção do Livro VI da Metafísica.)

Isto tornou-se possível graças a uma idéia, na teoria do significado de Aristóteles, que tem sido chamada de doutrina do “significado focal”. Impressiona-o evidentemente o fato de que diferentes coisas são mencionadas pela mesma palavra. A doutrina das quatro causas é um exemplo bem a propósito disto. Às vezes, a definição correspondente ao uso da palavra é a mesma em cada caso e temos então a sinonímia; ocasionalmente, não, e temos apenas a homonímia. Neste último caso, há, na verdade, uma diferença de sentido. A doutrina do significado focal diz que, em alguns casos de homonímia, há uma explicação para o mesmo uso da palavra, embora com sentidos diferentes, em termos do papel focal desempenhado por uma coisa ou um uso em particular. Assim, coisas diferentes, como, por exemplo, climas, pessoas, sintomas etc., são qualificados de “sadios”, embora não no mesmo sentido, porque relacionados com saúde de maneiras diferentes. Saúde, por conseguinte, fornece o foco para o uso de “sadio”. Qualquer que seja o argumento de Aristóteles, dadas as peculiaridades locais da língua grega, não podemos dizer que saúde é “sadia”. Mas, no caso de outro exemplo aristotélico, a palavra “médico” – caso em que as coisas são chamadas de médicas por causa da relação que guardam com o médico, o profissional, o terapeuta – o ponto focal, o médico, é denominado também pelo mesmo nome que as coisas relacionadas com ele. Desta maneira, o emprego de “médico” no tocante ao terapeuta proporciona o significado focal do qual derivam os demais.

Aristóteles aplicou, em dois estágios, essa doutrina à idéia do “ser”. No primeiro, todas as coisas que se diz que são estão relacionadas com o que é chamado de substância, esta sendo o tipo primário de coisa. Daí poder Aristóteles dizer, ao fim da primeira seção do Livro VII da Metafísica, que a pergunta que era feita antigamente e que constantemente se faz ainda agora, e é sempre matéria de dúvida, “O que é aquilo que é?”, constitui, na realidade, a pergunta “O que é substância?”. Isto porque, embora haja várias coisas que existem, todas elas são subsidiárias à substância. No segundo estágio, exemplificado no restante do Metafísica VII, ele aplica o mesmo tratamento à idéia de substância. Várias

coisas são chamadas de “substância”, e por várias razões, mas todas elas têm que estar relacionadas com algo que é substância de maneira primária. Aparentemente, ele sugere que as condições para ser substância nesta maneira primária são satisfeitas apenas por Deus. Este o motivo por que o estudo de Deus (e, pensa ainda, daquilo que se aproxima do divino em nós, isto é, a razão) é o estudo par excellence da substância, e o estudo da substância é o do “que é” par excellence, de modo que a teologia torna-se, em certo sentido, equivalente ao estudo do ser-qua-ser.

O início desse extenso tratamento da ontologia é encontrado no Categorias, trabalho que Aristóteles deve ter escrito enquanto era ainda membro da Academia e antes de ter elaborado a teoria do significado focal. Trata-se, mais uma vez, de uma obra dialética no sentido em que apela para nossas intuições em pontos cruciais. Parte ele de um ponto de vista que compartilhava com Platão, que palavras significam coisas (denominada teoria realista do significado). Palavras formam proposições através da combinação de substantivos e verbos, como observou Platão, e Aristóteles repete no De Interpretatione (que é um trabalho complementar ao Categorias). Se tomamos a idéia de um sujeito de discurso – aquilo sobre o que falamos quando dizemos coisas -, nota Aristóteles que há dois tipos de relações que as coisas predicadas daquele sujeito podem ter com o mesmo: podem ser ditas a respeito dele ou podem ser inerentes a ele. Aristóteles define esta última dizendo que para estar em um sujeito, a coisa tem que estar nele, mas não como uma parte, e deve depender dele para sua existência. (Esta condição formal causou alguns problemas aos comentaristas, mas as dificuldades podem ser superadas se atenção rigorosa é dada aos termos de referência da discussão.) Não é tornado claro por que ele insiste nessas duas relações. Temos que aceitar que elas são as que Aristóteles julga pertinentes para a idéia de predicação, como na verdade podem ser. Ele passa então a indicar que as coisas assim predicadas a respeito de um sujeito podem ser ditas sobre ele, mas não dele, nele mas não ditas dele, simultaneamente a respeito dele e nele, ou nenhuma das duas coisas, dependendo do caso e do sujeito em questão. É claro que as coisas que nem são ditas a respeito nem estão no sujeito são as principais candidatas a serem os próprios sujeitos, embora Aristóteles não tire explicitamente essa condição. São coisas particulares, substâncias particulares, como passa a chamá-las, como um homem ou um cavalo particulares.

Dadas estas, Aristóteles passa a considerar que perguntas podem ser feitas sobre elas (ou assim parece à vista dos termos de referência que usa): “O que é isso?”, “Que tamanho tem?”, “Que tipo de coisa é?”, “Onde está?”, e assim por diante. As respostas a essas perguntas, tais como “Um homem”, “1,80m de altura”, “branco” etc., especificam substância, quantidade, qualidade, lugar etc. A elas denomina de categorias. A palavra “categoria” significa literalmente “predicado” e este fato incomodou alguns comentadores, especialmente no caso de substâncias, uma vez que uma substância tem predicados afirmados sobre ela,

mas não é em si um predicado. O tratamento dado ao sujeito no Tópicos I.9, porém, deixa claro por que ele usa o termo “categoria”. Nesse trecho, Aristóteles supõe que podemos tomar uma coisa particular e perguntar o que ela essencialmente é. A resposta mais ampla, o predicado mais geral que se aplica essencialmente à coisa, dessa maneira fornece-lhe a categoria: substância, quantidade, qualidade, e assim por diante. Assim, se tomamos um homem e aplicamos este método, obtemos a resposta “substância”; se tomamos a magnitude de um cúbito, conseguimos eventualmente a resposta “quantidade”; se tomamos a cor branca, temos a resposta “qualidade”. Como método para chegar à lista de categorias, ele é muito defeituoso, porque é claro que temos que saber que tipos de coisas há, que categorias de coisas, a fim de sabermos de que coisa podemos começar. Mas se tomada em conjunto com o tratamento mencionado no Categorias, achamos algum sentido da doutrina.

Aristóteles arrola dez categorias, embora em alguns trechos mencione apenas oito. A obra intitulada Categorias propõe-se a fornecer uma extensa discussão de cada uma delas de cada vez, procurando distinguir umas das outras, apontando- lhes as peculiaridades, começando com a substância. Uma vez que são categorias de seres e, como diz claramente Aristóteles em outro contexto, o ser não constitui um gênero com espécies distintas umas das outras, mediante definição de características ou diferenças, não é possível criar diferenças para cada uma das categorias, corretamente falando. O texto, de qualquer maneira, é defectivo e só temos um tratamento completo de quatro das categorias. Mas segue-se da natureza do caso que não é possível qualquer demonstração da doutrina. Aristóteles simplesmente apela para nossas intuições via considerações que apresenta, e somos convidados a concordar que há esses dez tipos de perguntas a fazer sobre uma substância particular, com essas respostas, e assim por diante. Se nos deixamos convencer, aceitamos também que a natureza de nosso pensamento sobre o mundo implica que os sujeitos primários de nosso pensamento são substâncias particulares e que, embora haja também outras coisas – cores, formas, lugares etc. – elas dependem de substâncias particulares. Afirma claramente Aristóteles que se não houvesse substâncias particulares, tampouco existiriam os outros tipos de coisas.

Parte da motivação da doutrina talvez tenha sido o desejo de combater Platão, cuja teoria de Formas, ou Idéias, Aristóteles julgava ontologicamente extravagante. Realmente, um dos argumentos que usa contra Platão no Metafísica I.9 (onde, incidentalmente, fala como membro da Academia) é no sentido de que devia haver Formas apenas de substâncias (e não Formas de, digamos, o belo e o bem), porque as Formas são substâncias e deve haver uma relação essencial entre as Formas e as coisas que delas participam. A acusação de Aristóteles contra Platão, por conseguinte, é que ele superpovoou o mundo com substâncias, e que algumas coisas que ele julgou serem substâncias são realmente qualidades ou coisas em uma das outras categorias secundárias. Para se sentir

afetado por esse argumento, Platão teria que aceitar os termos de referência de Aristóteles, isto é, a doutrina em si das categorias, mas isto não impede que se pense que o argumento de Aristóteles tem certo valor.

Não há referência a “significado focal” no Categorias. A menção dessa doutrina em obras posteriores, como, por exemplo, no Metafísica VII.1, dá crédito adicional à teoria das categorias. Segundo essa doutrina de significado, qualidades etc., são (existem), porque dependem da substância. A substância (e a palavra grega ousia possui uma ligação etimológica com o verbo “ser” que a tradução “substância” não tem) é denominada “o que é” no sentido primário e as coisas nas demais categorias são assim chamadas apenas porque são de substância. Isto completa o primeiro estágio do argumento geral.

O segundo estágio começa com o reconhecimento de que, embora de acordo com o argumento prévio, a pergunta “O que existe?” receba sua resposta primária mediante referência a substâncias particulares, há também diferentes usos da “substância”. Na verdade, no Metafísica VII.2, Aristóteles tipicamente examina as várias coisas que pessoas provavelmente chamarão de “substância” e, deste levantamento, extrai quatro principais candidatos ao título – essências, universais, gêneros e sujeitos. É impossível esmiuçar as complexidades da discussão subseqüente, que de qualquer modo derrotou grande número de eruditos que tentaram mapear-lhe o curso. Que as substâncias podem ser identificadas com os sujeitos finais de nosso discurso – elas são as coisas que existem e das quais se fala – é evidente no tratamento dado no Categorias. O Metafísica VII.3 menciona certas dificuldades sobre a idéia de um sujeito, perguntando como ele deve ser explicado em termos de matéria e forma. Está longe de ser claro por que essas idéias têm que ser introduzidas nesse contexto. Em vez de abrir caminho entre essas dificuldades, contudo, Aristóteles passa à candidata seguinte ao título de substância – essência -, postulando várias questões sobre a relação entre uma substância e sua essência.

O resultado disto é a alegação de que só alguma coisa que é idêntica à sua essência – algo cuja natureza é esgotada pelo que ela é essencialmente, e assim é, como Spinoza diria muito depois, causa sui, seu fundamento lógico – merece o título de substância no sentido pleno. Nenhum composto de matéria e forma satisfaz essa condição. Logicamente, diz Aristóteles, é como um nariz achatado, caso em que o achatamento é uma propriedade que pertence apenas a narizes e depende, para sua existência e natureza, de narizes. Analogamente, em um composto de matéria e forma, a forma depende da matéria e o composto não é simplesmente aquilo a que a forma equivale essencialmente. Desta maneira, o argumento aponta para uma identificação de substância com forma. Conforme vimos antes, há razão para dizer que, segundo Aristóteles, a realidade é basicamente exemplificada por espécies, ou formas, sendo as espécies, e não os indivíduos, as coisas realmente persistentes.

Na discussão seguinte, Aristóteles elimina gêneros e universais como tendo direito autêntico ao título de substância em si, simplesmente porque eles são gerais e, finalmente, volta à idéia de forma via estudo da pergunta “O que faz de uma coisa o que ela é?”. É a substância que faz a coisa o que ela é e isto é sua forma. Já se disse algumas vezes que, neste exemplo, Aristóteles explora a ambigüidade na idéia de substância – a substância de uma coisa vis-à-vis ela ser uma substância. Seja ou não assim, a orientação de seu argumento leva à conclusão de que substância, corretamente falando, deve ser particular e idêntica à sua essência. Na opinião de Aristóteles, só Deus satisfaz esse critério. Ele é forma pura, sem matéria ou potencialidade e, assim, sua natureza é inteiramente esgotada pelo que é essencial nele. Mas ele é também particular. Aristóteles não diz isso explicitamente no Metafísica VII, embora Deus seja descrito dessa maneira no Metafísica XII e, conforme já observamos, o Metafísica VI.1 indica a equivalência entre teologia e a ciência do ser-qua-ser, da qual tudo isto tem sido parte. De qualquer modo, temos agora a idéia final de Aristóteles sobre a realidade. Temos uma ontologia de muitos diferentes tipos de coisas, hierarquicamente organizadas em relações de dependência, figurando Deus como o ser do qual todas as demais coisas são, em última instância, dependentes e no qual devemos ver o que “ser” realmente e finalmente implica.

Mencionamos antes a crença de Aristóteles em que há algo de divino em nós, no sentido em que possuímos razão. Ele nunca diz, porém, que nossa natureza é esgotada pela razão. Embora em sua ética fale na razão e na contemplação filosófica como um ideal que devemos tentar cultivar, ele é suficientemente realista para reconhecer que objetivos práticos exigem referência a outros aspectos de nós mesmos – nossos desejos, por exemplo. Encontramos o mesmo realismo em sua ontologia. Aristóteles jamais diz que há realmente uma única coisa. Nem tampouco que há apenas um único tipo de coisa. Nem mesmo Platão disse que havia realmente apenas Formas. Havia um mundo sensível, mesmo que ele fosse uma mera cópia, e defeituosa, por falar nisto, do mundo ideal. No fim, a concepção de Aristóteles sobre a relação entre o mundo e Deus não difere da de Platão sobre a que existe entre mundo e Formas. Tampouco isto deve surpreender, considerando-se o longo período que Aristóteles passou na Academia. Ele simplesmente diz, como de fato outros parece que disseram: “Sim, mas não há Formas”.

A ALMA

A concepção de alma de Aristóteles, por outro lado, diferia muito da formulada por Platão. Este, sem dúvida, sofreu em sua concepção influência dos pitagóricos. Em uma de suas críticas aos pitagóricos, dizia Aristóteles que eles não davam explicação do modo como a alma se relacionava com o corpo ou como podia manifestar-se em corpos diferentes. No De Anima, trata de modo típico o assunto, começando de um estudo das várias crenças concernentes à alma. A orientação geral da obra, no entanto, é sumamente biológica. Parte ele da

crença comum aos gregos, que julga fundamental, de que a alma é o princípio da vida. Daí, a indagação sobre a alma constitui ipso facto um estudo sobre as diferentes formas de vida. Reconhece a inclinação para se considerar a alma como uma substância, mas alega que ela o é apenas no sentido de forma. Na verdade, define-a como a forma de um corpo vivo equipado de órgãos. É uma forma qua capacidade de manifestar as várias atividades em que consiste a vida. A forma básica de vida seria encontrada nas plantas, que simplesmente se alimentam, crescem, decaem e se reproduzem. Por isso mesmo, a forma básica da alma consistiria na capacidade de realizar tais coisas, e todas as formas de vida a manifestam. No caso dos animais, há ainda a capacidade de percepção sensorial, e no caso da maioria, mas não de todos (não nas lapas, pensa), a capacidade de movimentar-se. Nos seres humanos, manifesta-se tudo isso, além de pensamento e razão. Por tudo isso, as coisas vivas formam uma hierarquia encabeçada pelo homem e é este arranjo escalonado que torna tão difícil achar uma única e esclarecedora definição de alma.

Esta concepção torna impossível todo e qualquer pensamento de sobrevivência pessoal após a morte e, no todo, Aristóteles mostra-se coerente a este respeito. O enfoque geral dos princípios que determinam a vida é no sentido de que, devido à organização dos corpos vivos, eles possuem capacidades associadas a certos órgãos. Elas se realizarão se houver alguma coisa que possa agir como causa dessa realização, ou concretização. Nas formas básicas de vida, presentes nas plantas, é claro como isso funciona. O alimento, por exemplo, é a causa da concretização da capacidade de alimentar-se e, assim, de crescer. No caso de animais e homens, precisa haver objetos que concretizem a capacidade dos órgãos dos sentidos para formas de percepção sensorial. Na percepção, diz Aristóteles, o objeto é inicialmente diferente dos órgãos dos sentidos, mas se tornam iguais a eles no processo em causa; ou, em termos de uma fórmula alternativa, que ele também usa na percepção sensorial, os órgãos dos sentidos recebem a forma do objeto, sem sua matéria. Aristóteles alonga-se em detalhes numerosos sobre como isso funciona no caso dos diferentes sentidos, postulando mesmo a existência de um senso comum, diferente dos cinco sentidos especiais, a fim de levar em conta as propriedades das coisas, tais como forma e tamanho, que são perceptíveis através de mais de um órgão dos sentidos.

Certos objetos de percepção são essenciais a um dado sentido, como cor para a vista, porque são definíveis em seus termos, ou vice-versa, ou ainda possivelmente de ambas as maneiras. Mas nós, claro, percebemos outras coisas, como pessoas e objetos físicos, que não guardam este tipo de relação com qualquer sentido especial, e ainda menos com o senso comum que acabamos de mencionar. Estes, então, constituem os objetos incidentais da percepção, exatamente como esses objetos de um sentido que, pensa corretamente Aristóteles, podemos perceber via outro sentido. Assim, podemos ver o amargor da bile e o fato de fazermos isto como resultado de experiência, e associarmos a

cor e o gosto, não o torna em nada menos verdadeiro. Todos esses objetos são incidentais apenas no sentido em que não há relação necessária entre o sentido e os objetos. Aristóteles não diz que nossa percepção deles é indireta, embora, de fato, pense que a percepção de diferentes tipos de objetos está sujeita a variadas possibilidades de erro.

Entre a percepção e a razão situa-se a imaginação, que Aristóteles considera como dependente da percepção, mas implicando também pensamento. Realmente, a seção de De Anima dedicada à imaginação diz respeito às aparências em geral, incluindo a ilusão, e não apenas ao processo de imaginar, no sentido mais restrito. O tratamento dado à razão, ou intelecto, é em muitas maneiras paralelo ao conferido à percepção pelos sentidos. Implica isto dizer que Aristóteles procura expor a relação entre esta capacidade e os objetos relevantes. Nesta altura, porém, surgem complicações, porquanto ele acha que não pode haver restrições ao que pode ser objeto de pensamento. Se literalmente tudo pode ser objeto do intelecto, então se as fórmulas aplicáveis à percepção sensorial devem ser aplicadas também neste particular, a capacidade não pode realizar-se absolutamente em coisa alguma. De outra maneira, seria impossível pensar em alguma coisa desse tipo, uma vez que o portador da capacidade deve ser diferente do objeto diante do pensamento. Segue-se daí que não pode haver órgão para o intelecto e que, literalmente, o intelecto “nada é de concreto antes que pense”. Trata-se de opinião sumamente desajeitada, mas é importante ser claro sobre sua base. Uma vez que o intelecto existe apenas em seres que são capazes também de percepção sensorial, o intelecto, neste sentido, depende da percepção sensorial. Alguns intérpretes de Aristóteles querem torná-lo ainda mais dependente, mas a

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