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A IDÉIA DE UM SENSO MORAL

No documento Uma História da Filosofia Ocidental (páginas 189-199)

O EMPIRISMO BRITÂNICO LOCKE

A IDÉIA DE UM SENSO MORAL

A idéia de um senso moral foi postulada inicialmente por Anthony Ashley Cooper, terceiro conde de Shaftesbury (1671-1713), um seguidor de Locke. De muitas maneiras, as idéias de Shaftesbury constituíram uma reação aos chamados Platônicos de Cambridge, entre eles Ralph Cudworth (1617-88) e Henry More (1614-87), que representaram uma espécie de florescimento tardio do neoplatonismo, mas sem qualquer reivindicação real à originalidade e à grandeza. More sustentou que havia verdades morais evidentes por si mesmas, cujo conhecimento era a província da razão. Shaftesbury adotava posição contrária e dizia que o discernimento moral era função de um senso moral. Distinguimos o que é um mal do que é um bem vendo suas diferenças, da mesma maneira que vemos, e por isso distinguimos, o que é belo do que é feio. O que, contudo, estamos presenciando quando percebemos alguma coisa ou alguém como sendo virtuoso? A resposta de Shaftesbury a essa pergunta residia na idéia de harmonia: uma harmonia entre as paixões e inclinações do homem e uma harmonia entre as de um indivíduo e as de outros homens. A consciência era a expressão do sentimento de simpatia que sentimos por outros. No homem virtuoso esta é a

característica da harmonia que existe entre ele e os demais. Dada essa simpatia, os homens sentem uma inclinação natural pela benevolência.

Shaftesbury foi atacado por Bernard de Mandeville (1670-1733), particularmente no seu Fable of the Bees, onde argumentou que virtude e bem público baseia-se, na verdade, em egoísmo e amor-próprio, e não (como sustentava Shaftesbury) em benevolência e sentimento público. Na verdade, Mandeville alegava que se pode conceber a sociedade como fundada no fato de que cada indivíduo busca seu próprio interesse. Essa divergência entre Shaftesbury e Mandeville constituiu o início da discussão de um assunto que ocupou a atenção de vários moralistas britânicos, ou seja, a relação entre auto-interesse e benevolência.

Essa questão, contudo, não teve grande destaque nos trabalhos do seguidor imediato e reconhecidamente mais ilustre de Shaftesbury, Francis Hutcheson (1694-1746). O primeiro livro de Hutcheson (1725) intitulava-se Inquiry into the Original of Our Ideas of Beauty and Virtue, embora seja realmente um compêndio de duas obras, uma sobre o bem moral e o mal e a outra sobre estética. Os tratamentos dados aos dois assuntos são paralelos, de modo que Hutcheson faz um desenvolvimento bastante completo da suposta similaridade entre estética e senso moral. Na verdade, sua resposta à pergunta sobre o motivo por que aprovamos a benevolência, e não o auto-interesse, é de natureza estética. Acontece apenas que esses aspectos morais despertam em nós os sentimentos apropriados. Além do mais, os sofrimentos de outros produzem em nós sentimentos de dor que são a origem, através da simpatia, da benevolência em relação ao próximo. A bene volência é, assim, como acontecia com Shaftesbury, um impulso natural para a ação, comum aos homens. A implicação disto é que aquilo que é caracterizado como um sentido é a origem não apenas dos sentimentos de aprovação e desaprovação, mas também da ação. Não ficou absolutamente claro como isso pode acontecer. Não obstante, na opinião de Hutcheson, a benevolência é, por assim dizer, o todo da virtude e se fundamenta no senso moral. Sua filosofia, contudo, é mais vasta do que essa simples fórmula pode sugerir. Ele foi autor da frase que se tornou famosa no contexto do utilitarismo do século XIX, “a maior felicidade para o maior número” – idéia esta que considerava como a chave para o bem-estar social. Pode-se, por conseguinte, considerá-lo como o criador do próprio utilitarismo.

Foi porém o bispo Joseph Butler (1692-1752) que se destacou, à parte Hume, como o maior moralista do período. Ele compreendia com grande clareza a questão entre auto-interesse e benevolência. Realmente, poderíamos dizer que essa questão constitui seu principal interesse. Sua solução do problema foi argumentar que o auto-interesse, ou amor-próprio, e a benevolência coincidiam. Dizia ele que temos certo número de propensões especiais. Embora a satisfação dessas propensões resulte em prazer, é um erro supor que o prazer em si constitui o único fim da ação humana. Dessa maneira é rejeitado o hedonismo psicológico – a doutrina de que todos nós sempre buscamos o prazer. A benevolência é uma

de nossas propensões, mas não é por isso toda a virtude porque se trata de apenas uma entre muitas outras. O amor-próprio, por outro lado, não pode ser identificado como mera preocupação do homem consigo mesmo, ou, como egoísmo em sentido grosseiro, porque deve interessar-se por nossa felicidade total. O que Butler descreveu como “frio amor-próprio” implica reflexão, de maneira racional, sobre nossas propensões especiais e sobre a maneira como elas podem ser mais bem atendidas, sem nos entregarmos a paixões e a desejos de uma maneira que possa ocasionar nossa ruína. O objetivo do amor de si deve, por conseguinte, ser o de realizar nossa felicidade mediante apropriada, mas não desequilibrada, satisfação das propensões que temos. Mas, conforme vimos, entre elas está a de nos inclinarmos para a benevolência. Daí não podermos alcançar a verdadeira felicidade sem benevolência e, dessa maneira, benevolência e amor de si mesmo coincidem.

Butler expôs essas idéias em um número do Sermons, publicado em 1726. É claro que ele tentava assentar a ética sobre uma visão de natureza humana. Era uma tese diferente, digamos, da de Hobbes, ao rejeitar o hedonismo, a idéia de que o prazer é a única mola da ação. Apelava, todavia, para o pensamento de que temos, de fato, certo número de propensões e paixões, a satisfação das quais produzirá prazer e, destarte, felicidade. Há aí uma distinção importante, entre a sugestão de que sempre somos movidos pelo prazer e a de que somos condicionados por certo número de outras coisas, de tal modo que sua satisfação, de fato, gera prazer. Redunda em crédito de Butler que ele tenha estabelecido essa distinção, que, aliás, nem sempre é reconhecida.

Resta, contudo, o problema de como devemos decidir entre a satisfação das várias propensões que temos. Já mencionamos a reflexão racional sobre essas propensões que constitui a essência do frio amor de si mesmo. Precisamos mais do que isso, contudo, se queremos dar a esse amor algum princípio, em termos do qual decisões possam ser tomadas sobre a melhor maneira de alcançar a felicidade. Nesse particular, Butler invocou a idéia de consciência, que considerava como se revestindo de uma autoridade especial no tocante à escolha racional. Ela é, diz, “um princípio superior de reflexão”, que possui resistência contra os apelos momentâneos das paixões. Atua no interesse do frio amor de si mesmo, de tal modo que dever e interesse possam coincidir, se não neste mundo pelo menos no próximo. Talvez não deva ser motivo de surpresa que Butler, como bispo cristão, faça esse apelo à consciência. Até certo ponto, ele pode ser criticado por não explicar com mais detalhes a origem dessa autoridade, mas é digno de nota que, ao apelar para ela, apelava a algo que considerava como parte da natureza humana. É natural que seres humanos sintam pressão da consciência, da mesma maneira que sentem pressão de determinadas paixões e propensões. Hume, como vimos, rejeita em sua teoria de sentimentos morais a idéia de que há qualquer princípio superior desse tipo. Há de fato paixões calmas, mas sossego

não é ipso facto razoabilidade. Hume, na verdade, não formula princípios de raciocínio moral e toda sua teoria de moral se opõe à sugestão de que possa ser fornecida alguma coisa desse tipo. Por outro lado, ele teria dito, e de fato disse ocasionalmente, que a autoridade que Butler considerava inerente à consciência não diferia daquela que sentimos como inerente a todos os nossos sentimentos. Butler, em outras palavras, não explica por que os princípios do raciocínio moral devem ter força com agentes morais. Ele não demonstrou ainda que a razão era prática. Coube a Kant tentar mostrar como isso poderia acontecer.

A teoria de sentimentos morais de Hume foi levada mais adiante por Adam Smith (1723-90) – talvez mais conhecido como economista político – que argumentou no The Wealth of Nations (1776) que a sociedade é mais bem servida tanto social quanto economicamente pelo auto-interesse. No seu Theory of the Moral Sentiments (1759), porém, ele deu uma versão mais sutil dos sentimentos morais, no qual a simpatia, mais uma vez, desempenhava um papel importante. Atribuiu também grande importância à idéia de um expectador imaginário, imparcial, de nossas ações, em termos de cujos juízos a correção das ações devia ser avaliada. Esse expectador imparcial era um substituto da consciência de que falava Butler e como que uma sombra do raciocínio moral propriamente dito. Contrário a essas concepções de moral, manifestou-se Richard Price (1723-90), ministro unitarista e autor do A Review of the Principal Questions and Difficulties of Morals (1758). Price devia muito a Cudworth e aos platônicos de Cambridge e, em tendência geral, era racionalista. Criticou Locke e Hume, argumentando que muitas de nossas idéias não podem ter a origem empírica que eles afirmavam. Daí formular a idéia de que a própria razão devia ser a origem de muitas de nossas idéias e de muitos princípios que acreditamos conhecer. A distinção entre o certo e o errado, em particular, deve ser atribuída ao entendimento e não à percepção sensorial. Os princípios da moral são conhecidos através de uma forma de intuição racional. Nisto as opiniões de Price mostram alguma semelhança com as de G. E. Moore, H. A. Prichard e W. D. Ross neste século [XX]. As idéias sobre o que é certo e o dever são simples, não admitem análise ulterior e sabe-se que são evidentes por si mesmos os princípios de moral erigidos sobre elas. Essa opinião é, a menos que mais desenvolvida, pouco mais do que uma reação às inadequações de uma posição que defende o senso moral e não toca na questão da razão prática. Conforme vimos no último capítulo, Reid sustentava igualmente que os princípios da moral são evidentes por si mesmos, embora não adotasse em geral a epistemologia racionalista de Price. Não se trata de uma tese que seja intelectualmente satisfatória. Seu apelo à intuição deixa coisas demais envolvidas em mistério e, por explicar, a relação entre verdades e prática moral.

OS “PHILOSOPHES”

Algumas das mesmas tendências podem ser percebidas em ação na França, embora tomassem uma forma algo diferente. Já falamos do teor geral do pensamento que saturou o Iluminismo francês. Em alguns aspectos, ele retroagia a Pierre Bayle, que mencionamos no último capítulo como tendo, talvez, influenciado Hume. Bayle (1647-1706) foi um céptico. O seu Dictionarie historique et critique (Dicionário Crítico e Histórico, 1695-7) é uma forma de dicionário biográfico que estuda criticamente grande número de pessoas relativamente desconhecidas. Este fato deu oportunidade a Bayle de criticar e se manifestar contrário a grande número de crenças e teorias defendidas por elas. Como obra de referência, poder-se-ia dizer que foi idiossincrático demais, mas, na verdade, exerceu grande influência no século XVIII, sobretudo devido ao espírito em que foi escrita. Embora suas próprias idéias cépticas fossem na maior parte negativas, ele forneceu munição e ímpeto ao Iluminismo em geral.

Talvez a obra fundamental do Iluminismo francês seja a Encyclopédie, organizada por Denis Diderot (1713-84) e Jean D’Alembert (1717-83). Seus colaboradores incluíram, além dos organizadores, François Voltaire (1694-1778), Charles, barão de Montesquieu (1689-1755), e Jean-Jacques Rousseau (1712-78). A obra teve uma carreira difícil, sendo combatida pelos jesuítas e proibida durante algum tempo. Dispunha-se a enfeixar a totalidade dos conhecimentos como então concebidos, embora, em espírito, fosse empirista, anti-religiosa, até certo ponto materialista e certamente humanista. Tinha a pretensão de tornar-se a síntese da “era da razão”.

De muitas maneiras, foi profunda a influência sobre ela de Locke. Montesquieu absorveu de Locke a doutrina da separação de poderes, que julgava incorporada à constituição britânica. Atribuía grande importância à idéia aristotélica do homem como animal político, acrescentando a ela a ênfase no papel desempenhado pelas sociedades particulares em que vivem os homens. Combinou também a crença em leis morais eternas com relativismo social no que interessava a valores – duas opiniões, aliás, difíceis de reconciliar. Locke, no entanto, influenciou principalmente os enciclopedistas através da epistemologia, influência esta à qual se acrescentou a de Hume. De modo geral, a epistemologia desses pensadores era empirista e baseada nas sensações, isto é, tendiam a expor uma teoria da mente que baseava tudo em sensações separadas, fornecidas pelos sentidos. Assim, juntamente com Locke, pensavam os enciclopedistas que o conhecimento derivava inteiramente das sensações, temperadas com reflexões sobre elas.

Essa tese é encontrada no Traité des sensations (Tratado sobre as sensações), de Étienne Bonnot de Condillac. Este autor (1715-80) tentou mostrar que todas as operações da mente podiam ser analisadas em termos da ocorrência das sensações e de seus derivados. O juízo, por exemplo, era explicado em termos de duas impressões sensoriais que ocorriam juntas. É evidente que há alguma

imperfeição nessa análise, mas seu objetivo era explicar o funcionamento da mente em termos do que ocorre automática e passivamente, uma vez dada a sensação. Diderot queixou-se de que essa opinião aproximava-se demais da de Berkeley e implicava um idealismo que Condillac não aceitava. Daí Condillac tinha também que demonstrar que os processos em questão davam origem ao conhecimento do mundo externo, cuja existência não era prejulgada no aparato epistemológico.

Condillac fez um esforço para usar a idéia de uma estátua de mármore, com a complexidade interna própria do ser humano, a fim de explicar o que poderia dar origem a tal conhecimento – o que, isto é, teria que ser incorporado a tal estátua para tornar possível conhecimento que fosse mais do que sensação. Achou a resposta em termos de sentimentos de solidez, que a cinestesia tornava possível. Supunha que isto forneceria impressões de exterioridade. Condillac acreditava que as idéias de mundo, espaço e tempo podiam ser derivadas dela. Esta última idéia foi levada adiante e modificada por um pensador posterior, Maine de Biran (1766-1824), a quem já nos referimos antes. Pensava Biran que sensações passivamente recebidas, mesmo aquelas do tipo postulado por Co ndillac, não eram suficientes para provar conhecimento do mundo. Por essa razão, deu importância ao que chamou de effort voulu (movimento corporal produzido pela vontade). Só a resistência a isso, e não apenas o contato com o corpo que Condillac tivera em mente, poderia explicar a impressão de exterioridade. A objeção a tudo isso tem origem na inadequação da premissa sobre a qual dependem essas idéias – a crença em que recebemos imediatamente apenas sensações privadas, interiores. É óbvia aqui a influência de Descartes, combinada com a dos empiristas britânicos.

A mesma epistemologia baseada nas sensações é encontrada nos trabalhos de Claude-Adrien Helvétius (1715-71), combinada com um materialismo e hedonismo psicológico que foram julgados escandalosos pelas autoridades, com o resultado de que ele teve que se exonerar do serviço real. Ligou ele também um determinismo total à crença em que a natureza humana podia ser transformada por um esclarecido sistema educacional, através de processos muito conhecidos com o condicionamento (uma idéia que o tornou uma espécie de B. F. Skinner do século XVIII). Diderot acreditava também em uma forma de materialismo e apresentou suas idéias no Le Revê d’Alembert (O sonho de D’Alembert). O mais extremado desses pensadores a esse respeito, contudo, foi com toda probabilidade Julien Offroy de la Mettrie (1709-51), conforme indicado pelo título de uma de suas principais obras, L’Homme machine (O homem-máquina). Tal como Helvétius, e antes dele, acreditava em um determinismo estrito e em uma ética que se assentava sobre um hedonismo moldado por influências sociais. Não cabe dizer que algum desses pensadores tenha alcançado um ponto alto na filosofia, mas, a despeito de diferenças de detalhes, eles, na verdade, propunham um arcabouço comum de idéias. Os homens são animais, cujo comportamento

deve ser explicado em termos das novas ciências; o conhecimento baseia-se na sensação e é modificado depois, segundo princípios mecânicos; a sociedade tornará possível a educação e a reeducação, se apenas as instituições políticas permitirem. As influências dos empiristas britânicos são grandes em tudo isso, mas há um sentido em que são secundárias. Os philosophes são importantes para a história das idéias e da cultura, mas não assinalaram um estágio importante no desenvolvimento da filosofia como tal.

ROUSSEAU

Rousseau foi, de certa maneira, ligado aos philosophes, tendo colaborado na Encyclopédie. De modo geral, contudo, exibiu um espírito diferente e certamente a descrição que fez dos seres humanos divergiu de muitas maneiras da dos seus colegas. Indivíduo aparentemente insuportável, desconfiado, hipocondríaco e, às vezes, inteiramente inescrupuloso, nasceu em Genebra em 1712 e teve um começo de vida dos mais complicados, incluindo um período como factotum geral e amante de uma certa Madame de Warens. Chegou a Paris em 1732 e ganhou a vida de várias maneiras. Morou com uma empregada doméstica analfabeta, com quem teve cinco filhos, todos os quais foram entregues a uma casa de enjeitados. Conhecendo Diderot, passou a colaborar na Encyclopédie. Em trabalhos posteriores, criticou o papel desempenhado pela sociedade nos assuntos humanos. Suas principais obras foram The Social Contract (O contrato social, 1762) e um ensaio sobre educação, Émile (1762). As duas lhe trouxeram fama mas também perseguição imediata e teve que fugir de Paris e esconder-se na Suíça. Vagueou de um lado para o outro e durante algum tempo refugiou-se com Hume, que o julgou intolerável devido à sua hipocondria e paranóia. Voltou finalmente à França, onde faleceu em 1778.

A concepção de natureza humana de Rousseau é romântica, como comprova sua famosa observação de que o homem nasce livre mas está em toda parte em grilhões. Não acha, porém, que o homem natural ou o estado de natureza sejam o que Hobbes supunha. O homem não é governado pelas mesmas pressões e atrações nem um egoísta psicológico. Ele de fato tem sentimentos de simpatia em relação aos demais e há, assim, um sentido em que mesmo no estado de natureza (que não concebe como um estado de coisas histórico) os homens são seres sociais. E são também naturalmente bons. A vida social propriamente dita, no entanto, na qual se desenvolvem as instituições da propriedade e formas de qualificações e ofícios, levam, sem as instituições do governo, a várias formas de opressão e escravidão. Por isso mesmo, há necessidade do Estado, que emerge de um contrato social. Nas sociedades reais, tende a haver opressão e a versão de Rousseau de contrato social, como alicerce da vida política, é apresentada com a intenção de ser não uma descrição do que efetivamente acontece na sociedade contemporânea, mas do que deve acontecer. É uma visão do que deve ocorrer se o bem comum for alcançado. Diz ele que a função do contrato social é,

paradoxalmente, fazer com que o homem renuncie à sua liberdade absoluta para tornar-se mais livre do que antes. Como pode isso acontecer? O segredo reside no conceito pelo qual Rousseau tornou-se famoso: o da Vontade Geral.

Através do contrato social, as pessoas renunciam a seus direitos e liberdade em favor do soberano, que, claro, pode ser o próprio povo. Ao fazê-lo, elas, por essa maneira, distinguem entre suas vontades individuais e a vontade geral, que é a do povo soberano. A vontade geral é a vontade pelo bem comum, em contraste com o bem individual que indivíduos podem querer. Essa vontade geral deve ser distinguida, insiste Rousseau, da “vontade de todos”. A soma das vontades individuais talvez não seja, de fato, para o bem comum, embora Rousseau sustente que, numa democracia, as diferenças entre as vontades individuais podem, de alguma maneira, se anular, deixando um resultado que constitui expressão da vontade geral. Como isso pode ser assim é um dos grandes problemas da filosofia de Rousseau.

A imputação de uma vontade geral a um povo soberano implica a personificação do soberano e do Estado, idéia esta que seria levada mais adiante por Hegel. Há certos paralelos a este respeito entre os pensamentos de Rousseau e Platão. Este último colocou a unidade do Estado acima de tudo mais, adotando a idéia de que apenas nos casos em que a cidade é uma unidade formada por diferentes classes,

No documento Uma História da Filosofia Ocidental (páginas 189-199)