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GUILHERME DE OCCAM

No documento Uma História da Filosofia Ocidental (páginas 103-112)

FILOSOFIA MEDIEVAL II SÃO TOMÁS DE AQUINO

GUILHERME DE OCCAM

Guilherme de Occam (c. 1285-1349) deu prosseguimento a muitas das tendências manifestadas em Scotus, mas se opunha também a ele em algumas questões, especialmente ao seu realismo e à idéia da distinção formal. Occam é com freqüência considerado como um dos grandes expoentes do nominalismo, e de fato foi. Mas é impossível chegar a uma avaliação dessa característica sem estudar-lhe as contribuições à lógica. Realmente, a lógica e a teoria do significado são fundamentais à filosofia de Occam, de uma maneira que não o são para os demais que vimos estudando neste capítulo. A primeira parte de uma de suas obras mais importantes, a Summa Logicae, trata da teoria dos termos,

segundo uma tradição que retroage a Abelardo, mas que fora desenvolvida no século XIII por lógicos como Guilherme de Sherwood (ou Shyreswood) e Pedro de Espanha. Na segunda parte da obra, Occam analisa o silogismo e a teoria das conseqüências – uma forma da lógica das proposições e inferências que retroagia aos estóicos e fora estudada também por Walter Burleigh, um franciscano rival de Occam. Estes últimos assuntos, porém, têm menos importância filosófica geral, por maior que seja seu valor para a história da lógica.

Occam, nascido em Surrey, ingressou na Ordem Franciscana e estudou em Oxford. Conhecia bem as idéias de Escoto mas é improvável que tenha sido seu discípulo. Suas palestras sobre o Sentences deram margem a acusações de heresia, que lhe foram assacadas pelo chanceler da universidade, tendo sido ele citado a comparecer a Avinhão a fim de defender-se, antes de lhe ser concedida licença para ensinar. Permaneceu em Avinhão durante quatro anos, depois dos quais uma comissão proclamou que alguns de seus artigos eram heréticos, embora aparentemente nenhuma ação contra ele tenha sido empreendida por essa razão. Embora filosoficamente ativo nesse período, em 1327 colocou-se ao lado de Miguel de Cesena, o Geral da Ordem Franciscana, contra o papa de Avinhão na questão da pobreza apostólica. Em 1328, Cesena e Occam, acompanhados de dois outros religiosos, fugiram de Avinhão e se colocaram sob a proteção do imperador Louis da Baviera, que instalara um antipapa em Roma e, nesse momento, se transferia para Munique. Occam acompanhou-o e foi excomungado pelo papa de Avinhão. Em Munique, escreveu certo número de panfletos sobre o poder papal e defendeu a representação política mesmo na Igreja. O imperador mudou de idéia, abandonando Cesena e Occam e parece que os dois buscaram alguma forma de reconciliação com o então papa e a Ordem. Aparentemente, faleceu vitimado pela Peste Negra em 1349.

Occam é, claro, o criador da “navalha de Occam”, ou princípio da parcimônia, e, embora não seja claro se realmente usou as palavras na qual ela é geralmente expressa (“entidades não devem ser multiplicadas além da necessidade”), ele certamente disse coisas do mesmo teor. É também claro que, para empregar as palavras mais tarde usadas por John Locke, ele pensava que tudo que existia era particular. A fim de entender como ele podia sustentar isso, e ainda conferir significado a termos gerais, é necessário dizer alguma coisa sobre sua lógica de termos e sobre a teoria de cognição que acompanha a compreensão dos mesmos. Os termos, da forma que ocorrem na linguagem, são sinais que constituem a expressão lingüística de estados da mente (intentiones), que são sinais naturais do que quer que signifiquem. A fim de fazer com que isso funcionasse no tocante a nomes no sentido ordinário, Occam teve que pressupor uma forma de cognição que implicava uma apreensão das coisas que nomes identificam. Assim, da mesma forma que Escoto, faz uma descrição envolvendo cognição intuitiva por parte dos indivíduos e uma distinção entre isto e cognição abstrativa. Esta teoria

é formulada no Commentary on Sentences e também no Quodlibeta, duas obras importantes que merecem um lugar ao lado da Summa Logicae.

A cognição intuitiva é uma forma de apreender um objeto presente para nós de tal maneira que o conhecimento do mesmo possa ser evidente; a cognição abstrativa consiste em apreender um objeto à parte as condições de sua existência. É importante que as duas formas de cognição tratem dos mesmos objetos, sendo as diferenças puramente uma questão das circunstâncias, ou condições, que acompanham o ato de apreender. Os objetos podem ser de qualquer tipo. Uma intuição é perfeita quando constituída de uma experiência imediata, e imperfeita se a experiência passada tem que ser trazida também à consciência. Não há, por conseguinte, nenhuma sugestão, como acontece com Scotus, que intuições de coisas podem ser confusas devido à nossa incapacidade de apreender a haecceitas delas. Todas as cognições abstrativas derivam das intuitivas, da mesma forma que, para Hume, muito tempo depois, todas as idéias derivam de uma impressão correspondente. Dependem do estabelecimento de uma capacidade adquirida, ou habitus, de conceber o objeto.

Occam parece, à primeira vista, ter aceitado que os objetos das cognições abstrativas devem ser sempre coisas particulares, exatamente como acontece com as intuitivas. No Quodlibeta, porém, declara que como quer que uma cognição abstrativa seja formada, não podemos excluir como seus objetos coisas que teriam produzido um resultado exatamente semelhante. Desta maneira, o trânsito de uma cognição intuitiva para uma abstrativa é um movimento da apreensão direta de um objeto único (uma forma de familiarização com ele) para a posse de um conceito. Mas esse conceito é meramente o ato de compreender as coisas das quais ele é um conceito. Estas coisas podem ser semelhantes, mas não têm nada literalmente em comum. São, diz Occam, semelhantes apenas em virtude do que são em si mesmas. O objeto de um conceito, do qual este é apenas um sinal natural, é simplesmente aqueles indivíduos que se encartam nele. Estes constituem sua significação.

Quando passamos a termos lingüísticos ou vocábulos, temos que estabelecer, em primeiro lugar, uma distinção entre termos categoremáticos e sincategoremáticos. Os últimos correspondem a termos puramente lógicos, cujo papel consiste apenas em ligar vocábulos que são categoremáticos. E estes significam coisas em uma ou outra categoria e podem funcionar como sujeitos ou predicados. Os termos categoremáticos podem ser distinguidos entre os de primeira e segunda intenções. Os de primeira são sinais de itens não-lingüísticos e, os de segunda, sinais de outros sinais lingüísticos ou cujos conceitos são os sinais naturais correspondentes. Termos como “universal” são de segunda intenção, desta maneira, e, na opinião de Occam, os que aceitam teorias realistas de universais não conseguem compreender esse fato. Entre os termos de primeira intenção há ainda uma distinção entre os que são absolutos e os que são conotativos. Os

termos absolutos, ou nomes, significam aquilo que denotam primariamente em todos os casos, ao passo que os conotativos, ou nomes conotativos, significam uma coisa primariamente e outra secundariamente.

Não é muito clara a explicação que Occam nos dá a esse respeito no Summa Logicae. Um exemplo de termos conotativos é a palavra “semelhante”, porque ao denominar alguma coisa de semelhante estamos relacionando-a a alguma outra coisa e essa outra coisa é significada secundariamente pelo termo, ao passo que a coisa a qual o termo é inicialmente aplicado é significada primariamente. Pensava Occam, porém, que a categoria de termos conotativos era muito mais ampla do que simplesmente expressões de relação: qualquer termo que só pode ser interpretado por referência a alguma outra coisa é conotativo. Na verdade, de acordo com a opinião “platônica”, a qual se opunha Occam, qualquer termo predicativo (tal como “sábio”) deve ser considerado como conotativo, porque embora seja aplicado ao sujeito (por exemplo, “Sócrates”) ele também faz uma referência indireta a uma entidade abstrata, a sabedoria.

Essa, contudo, é exatamente a opinião que Occam deseja rejeitar. Achava que um termo predicativo tal como “sábio” significa simplesmente as coisas a que se aplica e que quando dizemos “Sócrates é sábio”, os termos do sujeito e do predicado significam a mesma coisa. Ao considerar frases, contudo, passamos, rigorosamente falando, para outro domínio distinto da mera significação, isto é, para o interesse pelo que Occam chama “suposição”. Isto, diz ele, é “como tomar o lugar de outra coisa”. O termo em uma proposição toma o lugar daquilo que “supõe”. Mas a suposição é propriedade de um termo apenas quando está na proposição. Normalmente, o termo supõe aquilo que significa, mas um termo pode ser usado não-significativamente, como nos casos em que é usado para falar de si mesmo, quando estamos interessados mais na palavra do que naquilo que ela significa ou quando é usado para indicar o conceito expressado pela palavra. Estes dois últimos casos são chamados de suposição material e simples. O primeiro tipo é denominado de suposição pessoal. A respeito desta última, diz Occam que um termo nunca supõe uma coisa em qualquer proposição, a menos que possa ser realmente predicado daquela coisa. Portanto, quando realmente predicamos “sábio” a respeito de Sócrates, o termo “sábio” supõe, coloca-se no lugar de Sócrates. Segue-se que há um sentido em que a doutrina da suposição (a respeito da qual há outras complicações que não estudaremos aqui) pressupõe a noção de predicação e uma opinião sobre a função das proposições. Daí quando nos dizem que o termo predicado supôs o que quer que exista para funcionar como sujeito, dizem-nos algo não só a respeito da significação do termo predicado – sua relação com o que identifica – mas também sobre seu papel lógico no contexto de uma proposição. Esse papel lógico impede que o termo predicado seja tomado como nome de uma entidade abstrata.

O que dizer, contudo, de nomes abstratos como “coragem” ou “brancura”? Occam oferece uma explicação complicada, que o espaço não nos permite detalhar aqui. Nomes abstratos parecem-se com termos absolutos e Occam reconhece isso no caso de termos como “brancura”, que significam qualidades sensíveis de coisas ou substâncias. No caso de termos de outras categorias, ele dá uma explicação do que é dito no uso de um nome abstrato que demonstra que seu emprego é dispensável e que prefere formas de discurso que não contêm referência aparente a entidades abstratas. Essa explicação é redutiva no sentido em que reduz o que se diz aparentemente sobre uma coisa ao que se diz sobre outra. Julga ele essencial que essa explicação seja dada porque, de outra maneira, enquanto referências a qualidades sensíveis poderiam ser entendidas como referências as substâncias que as possuem, em que os termos em questão as supõem, a referência a coisas em outras categorias envolve referência a entidades ou universais, abstratos mas reais. Na verdade, Occam acredita que existem apenas substâncias e qualidades sensíveis nelas e que nada nos fatos da linguagem ou do pensamento, que dependem de sinais naturais, realmente sugerem outra coisa.

É bem fácil entender por que uma opinião extremada, “empirista”, como esta podia ser considerada ofensiva a certas crenças religiosas e, talvez, como herética. Occam adotava uma postura extremamente crítica no tocante às provas tradicionais da existência de Deus. Os requisitos da demonstração – que ela pressuponha premissas necessariamente verdadeiras – impõe severas limitações ao seu alcance. Achava ele que tais premissas tinham a ver com o que se segue condicionalmente do quê, ou em conformidade com Escoto, com o que é possível. Essas proposições, sejam elas evidentes por si mesmas (em virtude da significação dos termos que contêm) ou com base na experiência, são insuficientes para o fim de demonstrar a existência de Deus. A distinção entre o que é evidente em si e o que o é com base na experiência lembra a distinção positivista entre o que é analiticamente necessário e o que é simplesmente a posteriori.

A ciência pode desenvolver-se por causa das possibilidades de generalização implicadas no trânsito da indução intuitiva para a abstrativa. Mas a validade desse trânsito depende da aceitabilidade da suposição de que há um curso comum à natureza. Por outro lado, o conhecimento do que é a causa do quê baseia-se simplesmente na observação de seqüências de eventos concomitantes ou regulares. A suposição de um curso comum à natureza, permanece para ele apenas uma suposição, embora, como Hume, não lhe dispute a verdade. Quanto à causação final, por outro lado, ele a julgava como pouco mais do que uma metáfora. São mais do que evidentes as restrições que tudo isso impõe à possibilidade até mesmo de argumentos a posteriori sobre a existência de Deus, mesmo os de Scotus, que se baseiam na causalidade. Isto porque a possibilidade de se usarem considerações sobre causalidade, além daquilo que o indivíduo

pode observar, é mera suposição. Nada disto quer dizer que ele achava que não havia boa razão para acreditar em Deus, mas as considerações em favor da crença assentam, no fim, na fé.

Considerações semelhantes aplicam-se às suas opiniões sobre a natureza da alma e sobre a imortalidade. Pensava ele que não havia razões filosóficas para acreditar em uma alma racional, que poderia ser distinta do corpo, dizendo que pouco lhe importava o que Aristóteles pensara sobre o assunto e que ele, de qualquer maneira, falara na alma em termos indefinidos. A imortalidade seria, mais uma vez, uma questão de fé. No tocante à natureza da alma, inclinava-se para a doutrina franciscana de pluralidade de formas, correspondentes às diferentes faculdades, e rejeitava a doutrina de Scotus de distinção formal, tanto por causa de sua base realista como porque pensava que a idéia de uma coisa idêntica, contendo formalmente uma diferença objetiva em si, chocava-se com a idéia de identidade rigorosa, estrita. Este argumento corresponde em alguns aspectos ao de Leibniz, que argumentava que se duas coisas são idênticas não pode haver coisas que sejam verdadeiras a respeito de uma mas não da outra. Mais uma vez, porém, Occam aceitou alguma forma de unidade do ser como questão de fé, ao mesmo tempo argumentando que tudo que podemos saber dela com base na experiência é que pensamos e exercitamos a vontade. Reafirma a doutrina do primado da vontade, dando grande ênfase à completa liberdade da vontade tanto em nós quanto em Deus.

Deus poderia nos ordenar que o odiássemos, e teríamos obrigação de obedecer, mas, ao fazê-lo, estaríamos de fato demonstrando nosso amor por ele. Se isto é um paradoxo, não é daqueles que Occam pensasse que levava a uma contradição lógica. Mas nosso próprio bem moral reside no exercício inteiramente livre de nossa própria vontade, de uma forma benigna. O bem reside inteiramente numa vontade boa, como na verdade Kant diria mais tarde. A ética de Occam, no entanto, desempenha papel bem secundário em sua filosofia. Seus principais interesses eram lógicos, embora sua ênfase epistemológica sobre a cognição intuitiva de particulares seja de importância fundamental em sua oposição à principal tendência do tomismo.

Houve outros occamistas e filósofos de orientação diferente no século XIV. As atitudes empiristas gerais exibidas por Occam e, até certo ponto, por Scotus, refletiram-se também em algum interesse antigo por questões que eram, em sentido autêntico, científicas – em Robert Grosseteste (c. 1175-1253) e em Roger Bacon (c. 1212 até o fim do século XIII) por exemplo. O período que se seguiu a Occam presenciou muitos e posteriores progressos na ciência, e também – o que alguns consideraram como vinculado a esses fatos – um reflorescimento do platonismo. A filosofia como tal, porém, não atingiu as mesmas alturas. O que quer que a Renascença tenha feito por outras atividades do homem, ela não se distinguiu em filosofia. Por isso mesmo, Occam constituiu na verdade o último

pico da filosofia medieval. Quando ela reemergisse com redobrado vigor, fa-lo-ia em forma mais secularizada.

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A RENASCENÇA

Talvez pareça um paradoxo que um período que presenciou o florescimento de tanta coisa mais – da ciência, da arte, e da literatura – tenha sido também aquele em que a filosofia esteve em baixa-mar. Não obstante, isso é um fato. Ao mesmo tempo, não se pode negar que a ascensão da ciência, em particular – especialmente na pessoa de Galileu – exerceu uma influência profunda. Quando a filosofia galgou novamente as alturas no século XVII, sobretudo na pessoa de Descartes, a ciência natural tornou-se a influência dominante. Descartes representa também um rompimento com muito do que houve antes. Parte de sua linguagem e maneira de pensar lembravam a escolástica, como o estilo e o contexto institucional da filosofia característicos da Idade Média vieram a ser chamados. Suas principais idéias, porém, constituíram uma espécie de revolução na filosofia, cujas origens, como tantas outras revoluções, não são inteiramente claras. No período intermédio que se seguiu a Occam, a escolástica continuou a existir, embora não mais com a força anterior. A principal figura nesse momento foi Francisco Suárez (1548-1617), que exerceu alguma influência sobre a história subseqüente da escolástica, bem, como, com toda probabilidade, sobre Descartes. O principal interesse no período da Renascença, porém, reside em outra esfera. Ao fim do último capítulo, mencionamos a redescoberta de Platão. Isto foi resultado de um interesse geral da Renascença pela Grécia e Roma e do florescimento dos estudos gregos em geral. Marsilio Ficino (1433-99) traduziu todos os diálogos de Platão, juntamente com outras obras gregas, incluindo trabalhos neoplatônicos. Sua interpretação dos mesmos, porém, envolvia uma mistura de pensamento cristão com idéias herméticas (associadas a Hermes Trismegisto, o “três vezes grande” Hermes, a quem foram atribuídas várias idéias teosóficas e esotéricas nos primeiros séculos da era cristã). Daí, embora as obras de Platão se tornassem novamente disponíveis em sua totalidade, seu pensamento era ainda interpretado de uma maneira que o misturava com outras coisas, especialmente com o neoplatonismo. É duvidoso que se fizesse uma distinção correta entre Platão e o neoplatonismo até o desenvolvimento da erudição clássica alemã em fins dos séculos XVIII e XIX. Ficino pregava a ascensão até Deus via contemplação, a imortalidade da alma e a doutrina do “amor platônico”, baseado no O Banquete e no Fedro, com acréscimos tirados de idéias antigas sobre amizade, e a noção de amor cortesão, respigada em Dante e outros autores. Nada disso é filosoficamente importante em si, mas exerceu influência considerável sobre um conjunto inteiro de outros pensadores e criou um modelo de interpretação do platonismo que duraria por muito tempo.

A figura mais importante de princípios da Renascença, porém, foi Nicolau de Cusa (1401-64). Ele, também, tirou numerosas idéias do platonismo e via no neoplatonismo uma doutrina que implicava uma maneira de conhecer, ou intuição, que podia transcender a razão, esta sendo limitada pelo princípio da não-contradição. Embora sejamos finitos, temos por meio da intuição um meio de chegar à infinitude de Deus, o que a razão não pode alcançar. Na opinião de Nicolau, não acontecia apenas que Deus fosse infinito, mesmo absoluta e positivamente infinito. Deus, de alguma maneira, transcendia o princípio de não- contradição, de modo a formar uma unidade que combinava todos os opostos. Esta idéia de coincidência de opostos é a principal de Nicolau. Precedentes para ela podem ser sem dúvida encontrados no neoplatonismo, especialmente no comentário de Proclo ao Parmênides, de Platão. Para Nicolau, se dizemos que Deus é maximus, o maior, temos que dizer também que ele é minimus, o menor, porque nele os opostos de alguma maneira se reconciliam. Nós, claro, não podemos compreender como isto é possível. Temos que nos aproximar de Deus pela via negativa (o caminho da negação), salientando as diferenças, gradualmente e pouco a pouco, entre ele e aquilo de que estamos conscientes no mundo.

Deus é transcendente no sentido em que o mundo de alguma maneira depende dele, mas também é, em certo sentido, imanente no mundo, embora de uma maneira, como insistiria Nicolau, que não tornava autêntico o panteísmo. O mundo, em conseqüência, também é infinito, embora não na maneira positiva como Deus é. Não é uma esfera limitada e, em conseqüência, não tem centro nem circunferência. Pode-se compreender bem que rompimento essa idéia acarretou com a visão cosmológica da Idade Média, embora coubesse a Copérnico (1473- 1543) e especialmente a Galileu (1564-1642) darem substância à idéia como parte da cosmologia científica. Para Nicolau, contudo, o mundo tinha Deus como seu centro e porque Deus é imanente nele, o mundo também é unidade na pluralidade, originado da coincidência de opostos que envolve Deus. Isto é evidentemente uma forma de misticismo, mas um misticismo que, aplicado à natureza, influenciou filosofias da natureza posteriores, particularmente o

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