• Nenhum resultado encontrado

5.2 Análise das categorias

5.2.1 Cuidado da criança com condição crônica no domicílio

5.2.1.11 Caso da criança M13 e da cuidadora C11

M13 é uma menina de três anos, com condição crônica moderada, que mora com a avó materna. C11, sua avó, trabalha fora do lar e é a principal responsável pelo cuidado da neta. A criança é independente para realizar as atividades de acordo com o esperado para a idade. C11 conta com a ajuda de sua mãe (bisavó de M13) para cuidar da criança enquanto ela está no trabalho. M13 foi deixada sob os cuidados da cuidadora 30 dias antes da entrevista realizada para este estudo.

Durante a entrevista C11, ao ser perguntada pelo cuidado realizado no domicílio, relatou que dá banho, cuida para que a criança não fique descalça e tenha horário para alimentação:

[...] dá o banho, de cuidar, [...] e ela é muito geladinha, sente muito frio, os lábios dela roxeiam, então o cuidado é mesmo nesse sentido, se fica descalço tem que brigar pra calçar. Tem o horário de alimentação, tentar alimentar porque ela não é muito boa pra alimentar, come o dia inteiro um pouquinho porque não tem aquela alimentação de comer aquele pratão [...] (E11.4).

Durante a observação foi possível acompanhar a cuidadora oferecendo alimento e auxiliando a criança na alimentação:

C11 oferece a M13 frutas, diz a ela para escolher qual fruta ela quer. M13 sai do cubo de brinquedo, vai até a mesa de jantar, mexe nas frutas que estão em um cesto, pega uma banana, uma maça e, por último, diz que quer laranja. A avó pega a laranja na mão da criança e diz que vai descascar. M13 volta para o cubo e senta-se lá dentro. Após descascar a laranja C11 segue até o cubo, fica de cócoras de frente para uma janela do cubo e entrega a laranja para M13. C11 aperta a parte inferior da laranja, M13 a coloca na boca e chupa o suco. C11 fica o tempo todo próxima a M13, espremendo a laranja para a criança. Após terminar de chupar a laranja M13 pede outra. A avó descasca e repete o procedimento de espremer para que ela chupe o suco (Ob11.8).

Depois de chupar as laranjas M13 se deita dentro do cubo de brinquedo e diz que vai dormir. Cobre-se com uma mantinha e fecha os olhos. C11 relata que elas foram a um chá de bebê no dia anterior, que chegaram tarde e que provavelmente M13 está com sono porque dormiu depois do horário de costume (Ob11.9).

A cuidadora relatou a necessidade de M13 utilizar medicação contínua, para o tratamento, e intermitente, para as crises de asma:

[...] ela usa as bombinhas [Dipropionato de beclometasona e Sulfato de salbutamol] de manhã, à tarde, à noite. Depende da crise tem que tomar de seis em seis horas e limpar o nariz com soro todos os dias também, de manhã, à tarde, na hora de deitar [...] (E11.2).

C11 relatou que “M13 tá chiando nos últimos dias e tá usando bombinhas” de Dipropionato de beclometasona e Sulfato de salbutamol, além de Furoato de mometasona.A cuidadora relatou ainda que as duas “bombinhas” são de cores diferentes, sendo que uma é escura e a outra é clara. C11 enfatizou que ensina M13 a identificar qual das duas deve usar ao levantar e qual deve usar às 9:30, pois durante a semana a criança fica com a bisavó no período da manhã e “ela confunde as bombinhas, assim M13 sabe qual ela deve usar e pode

lembrar a bisavó” (Ob11.1.1). Durante a observação foi possível verificar o cuidado da avó com a neta, administrando as medicações e ensinando M13 a identificá-las:

C11 pergunta a M13 qual a bombinha que ela já usou quando acordou e ela responde que foi a “escura”. [...] C11 olha para o relógio [marca 9:00], pega a bolsinha com as bombinhas, de lá retira um frasco de Furoato de mometasona, abre e coloca um jato em cada narina de M13. Depois tampa, guarda na bolsinha, fecha o zíper e a coloca sobre a mesa de jantar (Ob11.1.2).

C11 olha no relógio [marca 9:30] e chama M13. A criança deixa a maquiagem com a que estava brincando sobre a mesa e se aproxima da avó. C11 pega a bolsinha sobre a mesa, abre, pega as duas “bombinhas” e pergunta para M13 qual ela deve usar naquele momento. M13 aponta para a clara e C11 a parabeniza. Em seguida C11 agita o spray, depois encaixa no espaçador, posiciona a máscara facial no rosto de M13, envolvendo boca e nariz, aciona o spray e conta de 1 a 30. C11 faz o mesmo procedimento por quatro vezes seguidas. Depois a avó desconecta o spray do espaçador, os guarda na bolsinha e os coloca sobre a mesa (Ob11.6).

A cuidadora demonstrou preocupação em cuidar do ambiente para evitar o desencadeamento de crises de dificuldade respiratória, portanto umidifica o ar, evita exposição à poeira e deixa o ambiente arejado:

Atualmente o cuidado dela maior é assim, não ficar com poeira, a casa ficar mais arejada pelo motivo dela ter essa bronquite [...] (E11.1.1) .

[...] só por causa de tempo que muda fica nas bombinhas, aí eu ponho umidificador quando necessário. Fazendo frio eu ponho o vaporizador no ambiente onde ela tá à noite, pra evitar muita tosse, porque às vezes tosse e vomita muito por tossir demais. Enquanto não vomita não melhora e fica nervosa, então tentar evitar com um ambiente mais úmido ou com umidificador ou com o vaporizador porque infelizmente este tipo de coisa dá à noite [...] (E11.3).

Durante a observação foi possível também visualizar a avó auxiliando M13 na utilização do vaso sanitário. Após utilizar o vaso sanitário a criança chamou pela avó que imediatamente seguiu para o banheiro e perguntou a M13: “Você fez cocô?”. M13 responde

“Fiz! Você me limpa?”. C11 responde sorrindo “Claro que a vovó limpa a M13!”; pega no

armário lenços umedecidos e limpa a criança (Ob11.7.1):

Destaca-se a relação estabelecida entre avó e neta em um momento de brincadeira. Durante a observação verificou-se a busca da cuidadora por interagir e cuidar da criança. Além disso, C11 relatou a carência de M13 devido à ausência da mãe:

M13 se levanta da cadeira e pede colo para a avó. C11 pega M13 no colo, olha para mim e diz que a criança está carente, devido à ausência da mãe (Ob11.3).

M13 desce do colo da avó, pula pela casa, olha para mim e diz que gosta de maquiagem. Ela pega um estojo de maquiagem, com um pincel passa batom na avó

e, em seguida, chama a avó para irem até o quarto para se olharem no espelho. Ambas saem da sala e vão até o quarto. Escuto C11 dizer que ficou lindo e que adorou a maquiagem que M13 fez. As duas voltam para a sala, M13 passa batom em sua boca e me pergunta como está. Digo que está linda! (Ob11.5).

Ressalta-se que C11 é viuva e mora somente com a neta desde que sua filha deixou a criança, constando, no momento da entrevista, 30 dias que M13 estava sob os cuidados da avó. C11 pediu para que não fossem relatados na pesquisa os dados relativos à filha. C11 relatou que os profissionais que acompanham M13 estavam de férias e que antes disso a mãe da criança era responsável por levá-la ao acompanhamento ambulatorial com fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta; e ao Centro de Saúde, no programa “Criança que Chia”. Além disso, M13 faz aulas de música semanalmente em uma universidade pública. A mãe da criança a deixou com a avó logo após os profissionais de saúde entrarem de férias. Sendo assim, a cuidadora expressou que estava esperando que a filha continuasse a levar M13 aos acompanhamentos, mas temia que isso não ocorresse e, então, seria necessário “faltar no trabalho” (Ob11.4):

[...] Ela faz aula de música, semanalmente, que ela continuou que era no Hospital Público de Ensino e foi pra universidade [pública], que tá até de férias e volta em agosto [...] (E11.5.1).

Ficou evidente durante a observação no domicílio a preocupação da cuidadora em relação aos sentimentos da neta e a continuidade do cuidado na rede assistencial de saúde, pois quem levava a criança para os acompanhamentos era a mãe. A cuidadora demonstrou temer que a neta tenha os acompanhamentos interrompidos quando os profissionais retomassem os atendimentos, devido à incerteza de que a filha a apoie no cuidado, responsabilizando-se por levar a criança.

A cuidadora conta com a ajuda de sua mãe para cuidar de M13 no período em que ela está trabalhando e que a criança não está na escola. A bisavó materna de M13 configura-se como uma cuidadora secundária e é responsável pelo cuidado da criança no período da manhã, nos dias úteis da semana: “A minha mãe que fica com ela pra nós trabalharmos. Aí minha mãe fica com ela na parte da manhã e leva ela a tarde pra escola. Eu busco e aí vem aqui pra casa” (E11.6).

Mais uma vez fica evidente a importância do apoio familiar para que seja possível a continuidade do cuidado no domicílio, além de permitir que a cuidadora trabalhe fora do lar.

A cuidadora relatou que faz parte da doutrina espírita e tem procurado se voltar para o evangelho e para a religião “para diminuir os estragos sentimentais” que o desentendimento entre ela e filha estão causando para seu espírito, uma vez que, segundo ela, a retenção de mágoas causa doenças no corpo físico. C11 relatou ainda que está planejando levar M13 para iniciar a evangelização, já que ela professa essa religião (Ob11.10).

Nesse relato verificou-se a busca da avó/cuidadora pelo apoio espiritual para enfrentar a situação conflituosa com a mãe de M13. Ressalta-se que, diante dessa relação conflituosa, a avó assumiu o cuidado de M13 e a religiosidade apresenta-se como importante fonte de apoio para a cuidadora. A fé desempenha papel significativo na vida cotidiana e a “fé religiosa costuma ser mais intensa e incondicional” (HELLER, 2011, p.51). Outros estudos (NEVES; CABRAL; SILVEIRA, 2013; NÓBREGA et al., 2010; BARBOSA et al., 2009; POLITA; TACLA, 2014; SANDOR et al., 2014) também identificaram que os cuidadores se amparam na religiosidade para o enfrentamento das situações vivenciadas em decorrência da condição da criança.