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5.2 Análise das categorias

5.2.1 Cuidado da criança com condição crônica no domicílio

5.2.1.6 Caso da criança M7 e da cuidadora C5

M7 é um menino de quatro anos, com condição crônica grave, que mora com os pais e um irmão de 14 anos. M7 é parcialmente dependente da cuidadora C5, sua mãe, que trabalha fora do lar, é a principal responsável pelo cuidado do filho e pelas atividades domésticas. C5 conta com a ajuda do filho mais velho para cuidar de M7 no período em que está no trabalho.

Durante a entrevista a cuidadora descreveu a rotina de cuidado com M7 revelando que o cuidado no domicílio concilia-se com os deslocamentos semanais para os acompanhamentos com profissionais de saúde (E5.5). A cuidadora relatou que a criança necessita que ela realize atividades voltadas para o atendimento das necessidades básicas como levá-lo ao banheiro, dar banho e oferecer alimentação. Além disso, a cuidadora relatou que realiza a higienização (banho e escovação dos dentes), promove os deslocamentos de M7 de um pavimento para o outro dentro do domicílio, revelando o grau de dependência da criança e as suas necessidades de cuidado:

De manhã leva pra fazer xixi, tomar café, que geralmente ele toma aqui [2° andar da casa]. Pra não precisar fica descendo com ele toda hora a gente coloca a mesa aqui e coloca as coisas pra ele aqui. Depois disso ele vai brincar, normalmente os brinquedos são computador e videogame, que é o que ele mais gosta. Aí na hora do almoço ele almoça, depois toma banho [cuidadora dá o banho na criança] e vai pra escola [...] (E5.2.1).

[...] ele é totalmente dependente. Pra banho eu tenho que dar, igual aqui você viu meu banheiro é lá embaixo, tem que carregar pra fazer tudo, como ele não anda, tudo é a gente que tem que fazer [...] (E5.1.1).

Durante a observação verificou-se que a cuidadora oferece alimentação e estimula a criança a se alimentar:

C5 sobe as escadas com um prato de comida nas mãos e um copo com água. Ela dispõe o prato e o copo na frente de M7, em sua mesinha, e diz “É pra comer tudo hein, M7”. Depois parte a batata em pedaços e a criança começa a comer. [...] M7 choraminga dizendo que não quer mais almoçar, a mãe insiste para que ele almoce um pouco mais, mas ele não aceita (Ob5.7.1).

Outra necessidade de M7, apontada pela cuidadora, refere-se à utilização de dispositivos assistivos como cadeira de rodas e tutores para as pernas (E7.8). Durante a observação foi possível acompanhar a cuidadora colocando os tutores em M7. C5 relatou que a criança utiliza os tutores durante os dias úteis da semana e que nos fins de semana ela o deixa descansar, não colocando os dispositivos assistivos:

M7 está sentado ao meu lado no sofá, de frente para a televisão, assistindo um desenho animado. C5 aproxima-se do filho e coloca os tutores nas pernas dele. C5 relata que ele utiliza os tutores todos os dias, o dia inteiro, exceto nos fins de semana, que ela o deixa descansar (Ob5.6.1).

Observou-se ainda a preocupação da cuidadora em limpar o quarto do filho mais velho, onde fica o videogame, antes de M7 entrar para brincar. A cuidadora relatou que M7 dorme com ela devido às condições do quarto do irmão, que não são adequadas para M5 e poderiam gerar crises de bronquite, como pode ser verificado no relato abaixo:

M7 diz que vai para o quarto do irmão, onde há videogame. C5 escuta e diz “Espera um pouco, M7! Vou limpar lá primeiro”. Depois ela olha para mim e diz que M7 está dormindo no quarto dela, mas que deveria dormir no quarto do irmão, porém a cama deles é uma bicama e no quarto não há espaço para abrir totalmente a cama de baixo. Assim, somente M7 poderia dormir nela, pois o irmão mais velho não caberia na cama de baixo. Além disso, a cama fica próxima do chão, então M7, que tem bronquite, “passa mal” quando dorme lá, já que ela não tem tempo de limpar o chão todos os dias. Segundo C5 a fisioterapeuta que acompanha M7 recomendou que ela colocasse o filho para dormir com o irmão e desse um “jeitinho de passar pano úmido todos os dias no chão”. Em seguida C5 desce as escadas, volta com balde e rodo e começa a limpar o quarto do filho mais velho. Depois de limpar o chão ela pega um pano úmido e limpa a cômoda, a televisão, o videogame, a frente do guarda roupa e a cabeceira da cama (Ob5.6.2).

Durante a observação, enquanto a cuidadora C5 realizava as atividades domésticas, o irmão mais velho de M7 brincou com ele e foi possível ver a relação entre os irmãos, permitindo observar:

M7 pede ajuda para o irmão para subir no sofá, o irmão segura a mão de M7, que se apoia no sofá e no braço do irmão e sobe no sofá. Depois se vira, o irmão o acomoda no sofá com as costas apoiadas no encosto e estica as pernas no assento. M7 lê a frase que está escrita na chamada de reportagem na televisão, pede ajuda ao irmão para ler uma palavra e ele vai soletrando até que a criança consiga ler a palavra. [...] M7 pede para o irmão pegar sua cadeira e mesa, pois ele quer brincar no laptop. O irmão pega a cadeira, coloca entre o sofá e a televisão, depois pega M7 que está no sofá e coloca na cadeira; pega a mesa de plástico e coloca em frente a M7. A mesa e a cadeira são em tamanho menor, permitindo a acomodação de M7: seus pés ficam no chão e a mesa tem a altura para ele. Em seguida pega o laptop infantil e coloca na mesa [...]. M7 liga o brinquedo e o irmão brinca junto com ele: os dois decidem juntos em quais jogos vão entrar e quais as músicas querem ouvir no brinquedo. Depois M7 diz que quer fazer bolhas de sabão. O irmão imediatamente abre o raque,

pega o brinquedo e entrega para M7, que sopra para fazer bolas que não se formam e ele choraminga. O irmão pede a M7 que espere um pouco porque ele vai resolver e desce as escadas. Depois volta com o brinquedo, fazendo bolhas, e M7 as estoura. Depois ele entrega o brinquedo para M7, fica olhando e sempre que a vasilhinha que fica com sabão tomba para o lado ele a apara. M7 faz bolhas de sabão e o irmão estoura e sorri. M7 e o irmão brincam com as bolhas de sabão dando gargalhadas. Depois M7 olha para o irmão, diz que quer desenhar na lousa mágica e ele imediatamente pega a lousa e coloca sobre a mesa. M7 faz desenhos e mostra para o irmão [...] (Ob5.1).

Verificou-se ainda que M7 não anda, mas possui mobilidade em casa:

M7 desce do sofá escorregando até encostar as nádegas no chão, depois se coloca de quatro, se apoia nas duas mãos que estão no chão e impulsiona as pernas para frente, como se estivesse engatinhando, e as pernas vão para frente com o impulso que ele faz. [...] Depois M7 pede ajuda para subir na cama e seu irmão o pega no colo e o coloca sentado na cama com as costas apoiadas nas almofadas que estão encostadas na parede [...] (Ob5.6.3).

Ao acompanhar o banho de M7 verificou-se a preocupação da cuidadora em estimular o autocuidado com a higiene pessoal, estimulando-o a escovar os dentes sem seu auxílio, mas com sua supervisão, seguindo a recomendação da terapeuta ocupacional:

A mãe pega a criança, coloca sobre a cama, retira os tutores das pernas, a roupa e o envolve em uma toalha. Depois o pega no colo, desce as escadas, atravessa a cozinha e entra no banheiro. No banheiro há uma cadeirinha de plástico na qual C5 coloca M7 sentado, liga o chuveiro, coloca as mãos várias vezes abaixo do fluxo d'água e diz “Agora tá morninha, M7” e arrasta a cadeira para debaixo do chuveiro. A criança gargalha, apara a água com as mãos em formato de concha e joga água no rosto. Depois apara mais água e joga para cima - brinca com a água que escoa do chuveiro. C5 vai até a pia, pega uma escova de dentes, coloca creme dental e entrega para M7. C5 estimula M7 a escovar os dentes superiores e inferiores, depois os molares e, por último, a língua. M7 escova os dentes brincando com a escova e com a água do chuveiro, sorrindo e conversando, depois enxágua a escova e entrega para a mãe, que a deposita em um porta-escovas na pia. C5 pega um sabonete, ensaboa a parte anterior do corpo de M7, faz a limpeza do pênis, expondo a glande, e depois levanta M7. Ele segura com os braços no corpo da mãe e fica de pé, assim, C5 ensaboa a parte posterior e, em seguida, coloca-o novamente na cadeirinha. Depois arrasta a cadeira para que a criança fique abaixo do chuveiro, M7 sorri quando a água atinge seu corpo. Após o enxágue C5 coloca xampu nas mãos de M7 e ele passa na cabeça. Depois abaixa a cabeça para que a água o enxágue. Em seguida M7 diz “Agora tô lindo né mãe?” e a mãe responde “Tá lindo e cheiroso!”. A mãe desliga o chuveiro, pega a toalha, envolve a criança, segue para o quarto, coloca o filho sentado na cama, o enxuga, o veste e coloca um tutor em cada perna. M7 desce da cama escorregando até o chão e sai de quatro até chegar à sala, onde o irmão o pega e o coloca sentado ao seu lado no sofá (Ob5.2).

Durante a entrevista a cuidadora C5 relatou que trabalha fora do domicílio no turno da tarde e no início da noite. A tarde é o horário que M7 está na escola. Depois desse horário quem cuida dele é o irmão de 14 anos. A cuidadora relatou que possui o turno da manhã para cuidar de M7, levá-lo aos acompanhamentos nos serviços de saúde e realizar as atividades

domésticas. C5 revelou a percepção de que, no momento, o tempo de dedicação ao filho ainda é insuficiente:

Acho que no momento está faltando é tempo mesmo, com essa carga de ter que trabalhar, cuidar de casa e sair muito, acaba tendo pouco tempo pra poder realmente fazer com ele tudo que precisa (E5.10).

A cuidadora revelou ainda que trabalha sem carteira assinada para não perder o BPC recebido por M7, uma vez que apenas o seu salário ou apenas o BPC não seriam suficientes para a subsistência da família e para as necessidades específicas do filho, como aparelhos assistivos, principalmente no período em que o esposo esteve desempregado e ela era a mantenedora da família:

[...] eu acho que é um erro é essa questão do benefício. Ajuda, mas na verdade ele não cobre tudo e acaba que a gente, pra poder receber, acaba tendo que submeter a trabalhar sem carteira assinada pra não perder, porque se você assinar a carteira você perde, e com um salário mínimo não faz nada: não dá pra você manter casa, tudo que criança precisa é caro, igual os aparelhos dele mesmo, [...] pra dar uma vida melhor, dar um pouco mais de qualidade de vida (E5.9).

[...] o pai dele ficou mais de dois meses sem trabalhar, aí teve que fazer o tutor, quase 500 reais. [...] Com o meu marido sem trabalhar, sem ter dinheiro nenhum, sobra tudo pra mim (E5.8.1).

Destaca-se que a mãe foi condicionada a entrar na informalidade do mercado de trabalho para atender as demandas de insumos para o cuidado do filho. Santos (2011), em estudo sobre o impacto provocado na vida das pessoas deficientes após o acesso ao Benefício de Prestação Continuada, demonstrou que as mães das crianças deficientes, em muitos casos, saem do mercado de trabalho para exercer o papel de cuidadoras diárias dos filhos e não recebem nenhum tipo de proteção social por parte do Estado. O autor demonstrou ainda que alguns beneficiários relataram que a situação de pobreza persistiu após a obtenção do BPC, dificultando a sequência de tratamentos de saúde contínuos e a aquisição dos remédios necessários, o que levou ao agravo das condições da deficiência.

C5 relatou que M7 frequenta a pré-escola municipal desde os três anos e que conta com acompanhante individual durante o período em que está na instituição. O pai de M7 o leva para a escola e o filho mais velho busca. O irmão mais velho de M7 tem 14 anos e também dá banho, leva ao banheiro, oferece alimentação e fica com M7 enquanto os pais estão no trabalho. A cuidadora relatou que o filho mais velho a ajuda com o cuidado de M7, possibilitando que ela trabalhe fora do domicílio:

[...] meu menino busca ele da escola e fica com ele até na hora que eu chego. Eu chego 20:00. De noite meu menino que dá banho nele, normalmente antes de eu chegar ele dá banho nele pra mim (E5.2.2).

Meu menino que me ajuda muito, que já tá maiorzinho aí busca ele na escola, igual agora ele vai dar banho nele, às vezes traz a comida pra ele, leva no banheiro. Meu marido ajuda, mas ajuda pouco, porque geralmente sai de manhã, chega quase junto comigo em casa e na hora do almoço leva ele pra escola (E5.3).

Durante a entrevista com C5 o irmão de M7 cuidou da criança para que a mãe pudesse responder às questões da coleta de dados:

C5 abre o portão, me convida para entrar, caminhamos em um corredor e passamos em frente a duas casas até chegar à casa dela. [...] A porta de entrada da casa de C5 dá acesso ao térreo onde há a cozinha, um banheiro e uma escada que dá acesso ao segundo andar. [...] Ouço barulho de chuveiro e C5 me diz que o filho mais velho [14 anos] está dando banho em M7 [cinco anos]. C5 me convida para subir as escadas, para conversarmos na sala. Durante a entrevista o filho mais velho de C5 sobe as escadas e chega até a sala com M7 nos braços, envolto por uma toalha. Ambos sorriem para mim e se encaminham para o quarto. Ainda durante a entrevista o filho mais velho traz M7 até a sala e o coloca no colo da mãe. [...] M7 se arrasta pelo chão apoiando-se nas mãos, arrastando as pernas e brinca sorridente (Ob5.5).

A análise dos dados permite afirmar que, diante da realidade da família, da necessidade da cuidadora trabalhar fora do lar, há uma adaptação para atender às necessidades de M7. Chama a atenção que o apoio mencionado pela cuidadora advém do filho mais velho, com 14 anos, que a auxilia no cuidado de M7. Soares e colaboradores (2009), em estudo sobre crianças que cuidam de irmãos com necessidades especiais, demonstraram que os irmãos cuidadores participam do cuidado do irmão com paralisia cerebral de forma natural, apesar de reconhecerem que há dificuldades. Além disso, demonstraram que dentre 10 crianças entrevistadas, nove responderam que gostam de cuidar do irmão, mesmo sendo trabalhoso ou preferindo brincar a cuidar. Os mesmos autores identificaram que não havia indícios de que as atividades individuais das crianças cuidadoras estavam sendo prejudicadas (SOARES; FRANCO; CARVALHO, 2009).