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5.2 Análise das categorias

5.2.1 Cuidado da criança com condição crônica no domicílio

5.2.1.12 Caso da criança M19 e da cuidadora C16

M19 é um menina de cinco anos, com condição crônica moderada, que mora com os pais e uma irmã de 11 anos. M19 é independente para realizar as atividades de acordo com o esperado para a idade. C16, sua mãe, trabalha fora do lar e é a principal responsável pelo cuidado das duas filhas e pelas atividades domésticas. C16 conta com a ajuda do marido para cuidar de M19 nos dias em que está no trabalho.

C16 relatou as necessidades de M19 e os cuidados que ela tem para atender às necessidades da filha. Segundo a cuidadora, M19 tem alergia a lactose, assim, ela oferece alimentos a base de soja para a criança. Outra necessidade apontada pela cuidadora diz respeito ao uso de óculos e tampão ocular:

[...] ela também é alérgica a leite, então tem que ser coisas mais a base de soja pra ela, que ela adaptou, mas só que ela num toma mamadeira mais. Leite, no dia que eu deixo ela tomar o leite com achocolatado, no dia mesmo ela não passa mal não, mas no outro dia já vem a reação. Assim, é muito de mudança, é rapidinho, é igual menino, eu falo assim é igual casca de ovo, tem que ter o maior cuidado com ela (E16.6).

[...] ela usa óculos, ela tem estigmatismo, tem estrabismo, então tem cinco anos que ela usa óculos, [...] aí ela tem que usar o tampão dia sim, dia não (E16.12).

A cuidadora relatou que M19 tem problemas respiratórios e faz uso de medicações intermitentes durante as crises de bronquite e asma:

É a saúde a maior preocupação, por causa da bronquite, que ela só tinha bronquite e agora ela já tá com a asma. Então, assim, tem época, até que esse mês, esse mês de agosto pra cá até que ela num deu muito trabalho não, mas esses outros meses anteriores ela me deu muito trabalho com a bronquite, então eu olho isso muito nela, assim, num deixo ela tomar coisa gelada (E16.5).

Agora já passou pra bombinha [Dipropionato de beclometasona e Sulfato de salbutamol], então eu, assim, eu não faço questão que ela usa bombinha não, mas quando eu vejo que tá muito atacada aí eu sou obrigada a usar bombinha nela! (E16.9.2).

O relato da cuidadora evidencia que não há adesão ao tratamento da asma com a medicação contínua, sendo administrada somente nos momentos de crise.

C16 relatou que trabalha como cuidadora de idosos e durante os dias em que está fora do lar quem fica com M19 é o pai. A cuidadora relatou ainda que é responsável por levar a criança aos acompanhamentos com profissionais de saúde: “Somente eu. O pai dá as coisas que precisa, mas é somente eu. É pra médico, é pra tudo, só eu que corro atrás das coisas da saúde assim dela” (E16.7).

Evidenciou-se que a cuidadora possui vigilância constante à criança e adota precauções no dia a dia para favorecer a segurança de M19:

Muita atenção, ela é um tipo de criança que tem que ficar atrás dela o tempo todo, ela não tem medo de nada, se for olhar bem é uma pessoa que tem que ficar 24 horas monitorando ela. Tudo ela mexe, muito curiosa com as coisas [...] (E16.1).

A cuidadora ressaltou que se preocupa em saber sobre o desempenho da criança na escola, demonstrando que exige da professora atitudes mais firmes com relação à atenção da criança nas atividades escolares. Além disso, C16 afirmou que é a responsável por levar e buscar M19 na escola nos dias em que não está no trabalho e, nos demais dias, o pai assume esse cuidado:

[...] hoje eu tava perguntando lá na escola como que ela tava na escola e a professora disse: “Não, da M19 num tem nada que reclamar dela não, que, assim, presta atenção quando quer também”. Mas só que eu já falei com ela [professora] que tem que ser mais firme (E16.4).

Verificou-se no discurso da cuidadora C16 a sua percepção em relação à filha, descrevendo as características pessoais da criança. A cuidadora ressaltou que M19 é muito agitada e que está faltando paciência para cuidar dela:

[...] ela é uma criança muito agitada, ela é curiosa demais, ela não tem medo. Esses dias mesmo ela colocou o pé ali no muro pra pular pro lado da casa da avó dela, porque a avó dela mora aqui do lado. [...] Tudo pra ela tá bom: “Eu posso fazer”. Atrevida também, demais. [...] A irmã dela já tá com 9 anos e tem medo de mexer no fogão e ela já num tem, num tá nem aí, [...] ela é difícil demais (E16.3).

O que tá me faltando é a paciência, [...] eu falo com você sinceramente eu já não tô tendo paciência mais porque eu também sou agitada, ela é agitada, então tá difícil demais. Igual tem hora que eu fico pensando... é uma menina muito inteligente, mas só que, assim, ela me desgasta demais [...] (E16.16).

Durante a observação foi possível acompanhar a interação entre C16 e M19, as dificuldades de M19 em relação às atividades enviadas da escola e a preocupação da mãe em auxiliar e incentivar a criança a realizá-las:

[...] C16 coloca a atividade escolar sobre a mesa, senta-se no sofá ao lado e diz para M19 ler junto com ela o que está escrito. M19 abaixa a cabeça até ficar com o rosto bem aproximo à folha. Parece estar com dificuldade de enxergar o que está escrito, apesar de estar utilizando óculos. C16 inicia a leitura da atividade, M19 levanta-se da cadeira e liga o som, diz que não quer fazer o dever de casa. [...] C16 levanta-se do sofá, vai até M19, fala em tom sério e com o cenho fechado “M19, desligue o som! Agora vamos fazer o para casa! Se não deixo pra seu pai te ensinar!”. M19 diz que não vai desligar o som, pois está tocando sua música preferida, e começa a dançar e a cantar. [...] Depois de dançar M19 se senta e aproxima o rosto da folha enquanto a mãe lê a primeira atividade, que diz para colorir 11 maçãs e deixar as demais em branco. C16 tenta fazer com que M19 conte as 11 maçãs que vai colorir. M19 começa a contar “1, 2, 3, 4, 5, 7, 10, 14”. Nesse momento C16 interrompe a filha e diz “Assim tá errado! Vamos começar de novo!”. [...] M19 diz que vai colorir todas as maçãs, C16 olha para ela com o cenho fechado e diz “Assim vai ficar errado! É pra colorir somente 11 e não todas!”. [...] C16 lê a atividade dois, que diz para passar o lápis sobre o pontilhado e formar letras. M19 pega o lápis, rabisca rapidamente sobre as letras pontilhadas, mas não seguindo o contorno, e sua mãe, com o cenho fechado, pega a borracha, apaga tudo e diz “Assim tá errado, M19! Você deve passar sobre os pontinhos pra formar a letra!”. M19 então passa o lápis sobre o pontilhado, formando as letras. C16 pede para que ela diga quais são aquelas letras. Ela diz a primeira e na segunda diz uma outra letra não correspondente à que está no papel. C16 então, diz “Essa letra é a do seu segundo nome, você não lembra?”. M19 responde que não. [...] M19 começa a pular e diz “Ainda bem, já acabei essa chatura!” (Ob16.2).

A cuidadora relatou que a terapeuta ocupacional indicou natação para M19, para diminuir o nível de agitação da criança. Entretanto, segundo C16, ela não tem condições financeiras para arcar com esse cuidado:

[...] igual lá na terapia mesmo já me falaram pra eu por ela, assim, numa outra atividade, mas igual eu falo, assim fica muito puxado porque é gasto, querendo ou não é gasto. Eu sei que vai ser uma coisa boa pra ela, mas no momento a gente não tá tendo condições. Colocar ela assim numa natação, que seria até bom pra bronquite dela mesmo. Igual a irmã dela tem que pagar escolar, tem que pagar a escolinha dela que não é pública, ano que vem ela vai pra escola, mas vai ter o escolar pra pagar, então vai ter dois escolar, sem falar nas coisas do dia a dia que precisa. Igual ela gasta muito, eu falo assim na alimentação, as coisas que ela pode, que ela se dá bem, aqui em casa ela não toma mamadeira, mas eu tenho sempre que tá comprando pra ela é o suco de soja, e ela não toma qualquer um. Então, assim, querendo ou não é um gasto, então às vezes uma coisa a gente vai empurrando e vai deixando aquela. Igual eu não vou colocar ela na aula de natação, pagar 80 reais numa aula de natação, agora no momento, sendo que eu gasto mais de 80 reais com duas, três caixas de suco, que vem o que, 24 suco só! (E16.17).

Tavares (2012), em estudo sobre criança com condição crônica, também identificou dificuldade de acesso à prática esportiva devido à inviabilidade de arcar com os custos provenientes dessa atividade.

Esse achado evidencia a necessidade de investimento nos setores de esporte e lazer de forma a garantir o acesso das crianças com condições crônicas às atividades que esses setores oferecem, favorecendo a integralidade do cuidado.

É importante ressaltar neste caso a má adesão ao tratamento de asma. Segundo a cuidadora ela administra as medicações, incluindo a de uso contínuo, somente nos momentos em que a criança apresenta piora do quadro clínico. Fernandes et al. (2013) destacam que a asma, quando não controlada adequadamente, pode resultar em hospitalização ou até mesmo no óbito. Assim, os autores enfatizam a importância de se prevenir esses desfechos por meio de estratégias terapêuticas que incluam a utilização adequada dos medicamentos e a educação para o autocuidado supervisionado no tratamento das exacerbações.