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5.2 Análise das categorias

5.2.1 Cuidado da criança com condição crônica no domicílio

5.2.1.10 Caso da criança M10 e da cuidadora C8

M10 é um menino de oito anos, com condição crônica moderada, que mora com a mãe e os avós maternos. C8, sua mãe, trabalha fora do lar e é a principal responsável pelo cuidado do filho. M10 é independente para realizar as atividades de acordo com o esperado para a idade. C8 conta com a ajuda dos pais para cuidar de M10 no horário em que está no trabalho, portanto estes se configuram como cuidadores secundários de M10.

Quando perguntada sobre o cuidado realizado no domicílio, C8 relatou que administra a medicação anticonvulsivante e organiza as atividades diárias da criança com um cronograma. Ao relatar a rotina de cuidados, C8 revelou que M10 toma medicação de uso contínuo, que é administrada por ela: “Ele [M10] toma Ácido valproico só, que é o

anticonvulsivante” (E8.5); “[...] M10 precisa de atenção nos remédios anticonvulsivantes”

(E8.1.1).

Durante a observação foi possível acompanhar a cuidadora estimulando a criança a realizar as atividades do cronograma e controlando o tempo de cada atividade:

Às 9:10 C8 coloca sobre a mesa iogurte, pão, manteiga, bolo, leite, café, senta-se em uma cadeira ao lado de M10, pergunta o que ele gostaria de comer e ele responde que quer pão com manteiga e iogurte. C8 parte o pão ao meio, entrega para o filho e diz “Agora você passa a manteiga”. M10 pega a faca e passa manteiga no pão. C8 serve seu café e serve iogurte para M10. Ambos tomam o café da manhã e conversam entre si sobre as atividades do dia: estudar para a prova da escola, fazer fisioterapia, almoçarem em um restaurante e irem para a escola. [...] Às 9:40 M10 pede à mãe para jogar videogame, a mãe pergunta se ele já estudou para a prova e ele responde que não. Ela então diz que ele pode jogar 20 minutos. A criança diz que é pouco tempo e a mãe diz “Então vai logo, o tempo tá passando, você só terá 20 minutos!”. A criança segue para o quarto, liga a televisão, senta-se próximo ao aparelho e começa a jogar. Às 9:45 C8 chama M10 e diz que ele tem apenas cinco minutos para jogar, pois logo a fisioterapeuta chegará. A criança choraminga, diz que quer jogar mais e C8 diz “Não, eu disse que eram somente 20 minutos”. Às 10:00 a fisioterapeuta chega, C8 a convida para irem até o quarto de M10 e ambas seguem até lá. C8 diz para M10 desligar o videogame, a criança choraminga e diz “Ah não, não quero”. C8 diz em tom alto e sério “Agora você fará os exercícios, esqueceu?”. M10 desliga o aparelho e segue a fisioterapeuta. [...] Às 10:45 termina a sessão de fisioterapia e C8 diz para M10 estudar para a prova da escola. M10 segue para o escritório. [...] Após 30 minutos a cuidadora pergunta ao filho se já terminou de estudar e diz que está na hora de arrumar o material da escola. M10 sai do escritório e quando retorna traz consigo uma mochila com rodinhas. Ele coloca vários livros na mochila e a mãe, olhando para o computador, pergunta quais matérias ele terá aquele dia. Em seguida, antes que ele responda, ela diz que ele deve levar somente os livros das matérias que terá naquele dia. M10 retira da mochila alguns livros e pede à mãe a bíblia dela emprestada. Ela diz para ele pegar no quarto dela. Ele sai do escritório, retorna com uma bíblia na mão e a coloca na mochila. Às 11:30 C8 diz para M10 “Terminou? Então agora vai tomar banho pra gente sair”. M10 sai do escritório em direção ao banheiro. Sento-me na sala para seguir observando. C8 continua no computador. Às 11:45 M10 sai do banheiro enrolado em uma toalha, entra no quarto dele e fecha a porta. Após alguns minutos ele abre a porta e grita “Mãe, posso vestir aquela roupa nova?”. A mãe grita do escritório “Pode. Anda logo, M10”. M10 permanece no quarto por aproximadamente 10 minutos, enquanto isso C8 permanece em frente ao computador [...]. M10 sai do quarto arrumado, vai até o escritório e a mãe diz para ele pegar um pente. Ele sai do escritório e volta com um pente. 12:00 a mãe, em frente ao computador, penteia o cabelo do filho, diz que eles vão sair para almoçar fora e que às 13:00 estarão na escola (Ob8.5).

C8 relatou que M10 frequenta o 2° ano em uma escola privada e que o avô materno é responsável por levá-lo e buscá-lo: “Então tudo que o M10 tem é privado, até escola” (E8.6.2); “O M10 estuda à tarde. O meu pai [avô de M10] leva e busca” (E8.3.3).

A cuidadora relatou ainda as estratégias utilizadas em relação aos estudos, para que M10 não fique atrasado em relação às outras crianças devido ao déficit de atenção e aprendizagem:

Eu coloco muito limite de horários porque ele é muito desorganizado, às vezes até da própria patologia [déficit de aprendizagem e atenção] a organização dele fica anormal, mas ele tem até no quarto dele o cronograma, até do horário de acordar todo dia, tomar café, aí ele pede pra brincar um pouquinho, aí eu coloco limite porque se deixar ele fica o dia inteiro jogando. Aí tem hora de fazer o para casa, tem hora pra almoçar, tem hora pra tudo e eu sempre lembrando. Ele sozinho ele não lembra das coisas: vai arrumar a sua mochila, coloco responsabilidades pra ele; vai trocar de roupa, não troco de roupa pra ele. Às vezes ele tem dificuldade, coloca as coisas do avesso porque ele é um pouco desorganizado, mas eu deixo, eu mando ele arrumar quando ele coloca errado (E8.2).

É necessário muita dedicação com relação aos estudos, acompanhamento do para casa, aplicações práticas do que ele vê na escola pra ele conseguir acompanhar bem, porque ele não é aluno de inclusão, ele é aluno normal na escola. Então pra que ele seja um aluno normal na escola a gente dá o sangue pra que ele consiga acompanhar, mas até então a gente tem acompanhado muito bem, nunca tomou bomba (E8.1.3).

Entretanto, durante a observação, M10 fez as lições da escola sem o auxílio da mãe, que estava sentada de costas para ele, voltada para o computador. Verificou-se que a criança tem dificuldades de ler frases e compreender o sentido:

M10 vai até seu quarto, pega um livro e leva para o escritório. C8 senta-se na frente do computador, de costas para M10, e acessa redes sociais. Ela me diz para sentar ao lado de M10. Sento-me e observo. M10 tenta ler algumas palavras no livro e diz que não está conseguindo entender. A mãe responde que é para ele estudar, com tom de voz alto e sério. Ela continua com o olhar fixo no computador. M10 folheia o livro de frente para trás e depois de trás para frente, olha algumas páginas, fecha o livro e diz “Mãe, já terminei”. A mãe responde “Então arrume a mochila” (Ob8.2).

A cuidadora relatou e foi observado que M10 faz sessões particulares de fisioterapia no domicílio. Por não conseguir apoiar o calcanhar do pé direito no chão, deixa o joelho flexionado, inclina o corpo para o lado oposto e claudica. Além da fisioterapia, a cuidadora relatou que a criança tem aulas de natação, para a melhoria de seu quadro de saúde.

Durante a observação foi possível verificar que há preocupação da mãe em acompanhar de perto como o filho estava realizando os exercícios fisioterápicos, bem como a sua evolução, além de cobrar da criança atenção aos exercícios:

A fisioterapeuta faz vários exercícios de estimulação da perna e pé direitos. A fisioterapeuta olha para mim e diz cochichando que “Ele tem déficit de atenção”. Ela olha para M10 e diz para ele prestar atenção aos exercícios. A mãe entra no quarto e diz que vai lavar roupa, entretanto, durante toda a sessão fica caminhando pelo corredor e entra no quarto várias vezes para saber como o filho está. Questiona a fisioterapeuta sobre como o filho está e a profissional responde que ele não está prestando atenção nos exercícios. A mãe fala em tom alto e sério “M10, preste atenção nos exercícios se não não vamos almoçar fora”. C8 pergunta para a fisioterapeuta se M10 está evoluindo e se tem algo que ela deva dizer na próxima consulta ao ortopedista. A fisioterpeuta diz que M10 está evoluindo bem e que aguardará recomendações do ortopedista (Ob8.1).

Durante a entrevista e a observação os avós de M10 não estavam em casa e C8 estava de férias com M10. Segundo C8, no horário em que está no trabalho conta com seus pais para o cuidado do filho:

[...] Também eles [avós maternos] têm esse mesmo ritmo, eu converso muito com eles... E toda vez que eles têm dificuldades eles me ligam, aí eu pego o telefone e falo ‘M10 vai fazer assim’, então eu tô sempre intervindo (E8.3.2).

C8 relatou ainda que é divorciada, que ela e o filho moram na casa dos seus pais e que prefere que ela mesma cuide da criança, ao invés do pai de M10:

[...] Mas quando o pai dele pega ele eu não me importo porque é pai dele, mas quando ele some também eu não ligo, eu até prefiro que ele fique aqui em casa, porque aqui em casa eu coloco limite, lá não tem (E8.11).

Destaca-se neste caso que a cuidadora optou por realizar os acompanhamentos do filho via convênio de saúde. Segundo ela, a sua renda permite fazer essa escolha, além de destacar que “Ele [M10] tem plano de saúde. Eu prefiro da rede privada por causa que no SUS tudo é mais difícil, demorado” (E8.6.1).

Verifica-se que o apoio familiar é fundamental para que a cuidadora tenha condições de trabalhar fora do domicílio e arcar com os custos advindos do convênio de saúde, sessões particulares de fisioterapia, natação, além do suprimento das necessidades básicas da família e do lar.

A escola que a criança frequenta é regular e privada e os custos com as mensalidades são providos pelo pai de M10 (E8.9). Ressalta-se que o fato da criança não ter um grau de gravidade que exija acompanhante individual na escola facilita a opção por uma instituição privada, pois não implica oneração com esse profissional.