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5.2 Análise das categorias

5.2.1 Cuidado da criança com condição crônica no domicílio

5.2.1.7 Caso da criança M11 e da cuidadora C9

M11 é um menina de seis anos, com condição crônica grave, que mora com os pais e frequenta uma escola municipal pública. M11 é totalmente dependente da cuidadora C9, sua mãe, que não trabalha fora do lar e é a principal responsável pelo cuidado da filha e da casa.

Durante a entrevista a cuidadora C9 relatou a rotina de cuidado com M11, revelando que o cuidado no domicílio concilia-se com os deslocamentos para os acompanhamentos com profissionais de saúde e para a escola:

[...] levantamos cedo, tomamos banho, toma café e vamos pros atendimentos rotineiros que ela tem. Aí chega dos atendimentos e toma banho, almoça e de vez em quando dá pra dormir um pouquinho.E vai pra escola e chega da escola umas 17:20, mais ou menos [...] (E9.3).

Ao relatar a rotina de cuidados, a mãe informou sobre as necessidades de M9, como

“[...] tem que colocar comida na boca, banho, vesti-la, calçá-la, tudo: pentear cabelo, escovar

os dentes, tudo, todos esses que ela tem” (E9.1).

Durante o almoço de M11 observou-se a interação entre cuidadora e filha. A cuidadora conversou com a criança, ofereceu-lhe o alimento e o colocou na boca de M11, como pode ser verificado no relato:

C9 senta-se no chão com o prato na mão, ao lado do sofá onde M11 está sentada, e com uma colher coloca comida na boca da criança dizendo “Abre a boca de jacaré pra comer muito e ficar forte! Cadê o músculo da M11?”. M11 sorri e deixa a boca semiaberta. A mãe diz “Assim não, M11, tem de abrir o bocão! Assim vai ficar fraquinha!”. C9 tenta colocar uma colherada na boca de M11, mas ela fecha a boca. C9 continua insistindo, brincando, tentando fazer com que ela abra a boca, mas ela sorri e não abre. A mãe então pergunta “Você quer refrigerante?”. A criança sorri e emite sons guturais. C9 vai até a cozinha, volta com um copo de refrigerante, senta- se no chão, coloca uma toalha abaixo da boca de M11, coloca o copo na boca da criança, que engasga e tosse. A mãe limpa a boca da filha e tenta colocar uma colher de comida na boca da criança. M11 deixa entrar somente metade do alimento que está na colher e fecha a boca. A mãe faz outras tentativas, mas a criança não aceita comer mais (Ob9.4).

Outra necessidade apontada pela cuidadora refere-se ao uso de medicamentos contínuos: “Ela toma Omeprazol, acabou de fazer uma cirurgia de refluxo, ela toma o Topiramato, Ácido valproico e o T4 e Levotiroxina sódica” (E9.4).

A cuidadora relatou ainda que M11 utiliza fralda continuamente, devido à incontinência fecal e urinária. Durante a observação foi possível acompanhar a troca de fralda da criança pela cuidadora e a interação entre elas nesse momento. A cuidadora conversou com a criança durante todo o tempo em que realizou a atividade e a criança correspondeu com sorrisos e sons guturais:

C9 pega um pacote de fraldas, um pote de lenços umedecidos e os leva para a cama. Depois C9 retira os sapatos, a calça, a calcinha e a fralda de M11, enrola a fralda suja e a coloca no chão; pega alguns lenços e limpa as nádegas da criança. Repete o procedimento e coloca os lenços sujos sobre a fralda no chão. Enquanto faz isso,

conversa com a criança, beija-a no rosto e na cabeça. Posteriormente, C9 coloca uma fralda em M11, veste calcinha, short e sandálias e diz: “Minha gatinha está linda e cheirosa”. A criança sorri e a saliva escorre pelo queixo; a mãe pega uma toalhinha que está sobre a cama e limpa a boca da criança. C9 pega M11 no colo e a eleva sorrindo. A criança emite sons guturais, a mãe olha para mim e diz que a filha está dizendo “Mãe!” (Ob9.2).

Segundo a cuidadora, ela permite que a criança fique no chão, mas se preocupa em cuidar para “não se machucar. Ela fica mais solta no chão mesmo, aí engatinha, tem que ter essa perspectiva de que ela não vai fazer nada que machuque” (E9.2).

Durante a observação foi possível acompanhar M11 brincando no domicílio com dois primos. Observou-se que M11 não possui coordenação motora fina, mas apresenta a capacidade de realizar movimentos associados à coordenação motora grossa, como segurar ursos de pelúcia e boneca. Além disso, verificou-se que M11 não deambula, sustenta o tronco por curto período quando colocada assentada, apoia os braços no chão e impulsiona as pernas para frente, em um movimento parecido com engatinhar. Foi possível também verificar a interação entre M11 e os primos, um menino de nove anos e uma menina de 12:

Após a troca de fralda C9 leva M11 para a sala e a coloca sentada no sofá. Nesse momento chegam dois primos da criança, que vão até o sofá e abraçam M12, que sorri intensamente. [...] A prima de M11 a pega no colo e senta-se no sofá, coloca-a nos braços e brinca com um bichinho de pelúcia. M11 sorri todo o tempo, pega o bichinho e joga no chão, a prima pega e devolve a ela. As duas ficam brincando por uns 30 minutos com esse bichinho de pelúcia. Sempre que M11 pende o tronco para frente e não retorna à posição, sua prima posiciona o tronco no encosto do sofá. A prima, durante todo o tempo de conversa com M11, pergunta o que ela quer e a criança aponta para alguns brinquedos que estão no sofá. A prima lhe entrega uma bolsinha, M11 retira de dentro uma boneca e depois a guarda vagarosamente dentro da bolsa (Ob9.3.1).

Observou-se no cotidiano de cuidado C9 se organizando para cuidar da filha e realizar as atividades domésticas, como preparar o almoço, limpar a casa e lavar roupa. Destaca-se que, durante a observação, a cuidadora só permitiu que a criança fosse brincar no chão após a limpeza:

Às 11:00 C9 entra na sala com balde, rodo, pano e começa a limpar o chão. Diz que é para M11 poder brincar. Após a limpeza C9 pergunta “Você quer brincar no chão, M11?”. M11 sorri e a mãe a coloca no chão. A criança faz movimentos de apoiar os braços no chão e impulsionar o corpo para frente, como se engatinhasse, de um lado para outro na sala. Pega brinquedos no chão, olha, sorri e coloca no chão novamente (Ob9.3.3).

C9 relatou que M11 faz uso de dispositivos assistivos como “[...] cadeira de rodas e tutor [...]” (E9.8), mas durante a observação a criança não permaneceu na cadeira e também não fez uso de tutor.

C9 relatou ainda que M11 frequenta a escola regular municipal desde os dois anos de idade e que conta com um acompanhante individual:

Ela tá no 1º ano, é no 1º ciclo, agora é ciclo, não é mais igual na nossa época, 1ª série, 2ª série, não, agora é ciclo. Ela tá no 1º ano, no 1º ciclo, aí acho que continua, 2º ciclo do 1º ano, até o 3º ciclo. 3º ciclo já é 3ª série [...] (E9.12.2).

Infere-se que neste caso a escola é um dispositivo importante, não somente para a socialização da criança, mas também como apoio para a mãe/cuidadora. No período em que a criança frequenta a escola a mãe/cuidadora tem a possibilidade de dedicar-se a atividades do lar e do seu próprio cuidado.

É importante que haja investimento em instituições de educação, esporte e lazer visando a garantir o atendimento das necessidades das crianças com condição crônica e, também, a possibilitar aos seus cuidadores tempo para se dedicarem às questões pessoais.