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5 ETAPA QUALITATIVA

5.1 Análise qualitativa das entrevistas em profundidade realizadas no Brasil 1 Caracterização do perfil dos entrevistados do Brasil

5.1.2 Análises por categoria

5.1.2.1 Análises por categoria – Entrevistas com consumidores do CouchSurfing (Brasil)

5.1.2.1.4 Categoria 4: Confiança

A Confiança foi uma categoria mencionada repetidas vezes pelos entrevistados e pode ser indicada como um possível antecedente da propensão para o uso do CouchSurfing. De

acordo com Ert, Fleischer e Magen (2016), a confiança é um sentimento subjetivo em que a pessoa se comportará em um determinado sentido de acordo com a promessa implícita ou explícita feita pelo serviço. Notou-se que a confiança está intimamente relacionada com a leitura dos reviews (avaliações) feitas pelos usuários da plataforma, que já tiveram experiências com os hosts. Na visão dos sujeitos da investigação, as avaliações transmitem mais segurança sobre a plataforma e o anfitrião, gerando mais confiança. Assim, notou-se nos depoimentos dos entrevistados que a confiança depositada na plataforma e no host contribuiu para a decisão de se hospedar através do CouchSurfing.

Quadro 13 - Citações ligadas à categoria Confiança (CouchSurfing, Brasil)

Entrevistado Citações

Entrevistado 1 Mas, para uma pessoa específica, teve a questão dos reviews. Eu olhei os perfis das pessoas. A partir do momento que eu tracei que a pessoa era confiável, que eu podia me hospedar, pelo que eu tinha lido dela e de outras pessoas. Eu acabei aderindo a determinadas pessoas. Eu fui fazendo uma análise dos usuários e uma análise dos reviews dos mesmos. Foi a economia de custos e a confiança que eles me transmitiram pela plataforma.

Eu acho que os reviews são essenciais para você tomar uma decisão. Os reviews complementaram a imagem que eu já tinha do rapaz. Só aumentou mais a imagem que eu já tinha.

Normalmente quando o perfil tem mais fotos, ele ainda te passa mais segurança sobre a pessoa, porque você vê a interação com os moradores, o contexto... Essa sensação que a gente passa pela visão, juntamente das referências, dá um certo grau de seguridade. Você acaba vendo como é a índole da pessoa, se ela é mais fechada, mais aberta e como proceder com ela. Então, é muito pertinente.

Entrevistada 2 Só que a plataforma no próprio site você consegue ver as avaliações e eu sempre fui muito cuidadosa. Eu ficava olhando as avaliações e um mês e meio ou dois de antecedência eu entrava em contato com as pessoas. Pedia whatsapp, pedia o facebook e ia sempre olhando, sempre conversando, já fazendo uma pré-amizade para quando eu chegar lá não chegar simplesmente, só chegar... Então, quando eu cheguei em todos os lugares, eu meio que conhecia a pessoa virtualmente. Então, eu nunca tive problema. Entrevistado 3 Eu normalmente coloco que eu tô precisando de uma hospedagem, solicito (...) E mando a solicitação de

hospedagem para quem eu acho interessante também, que tem mais ou menos um perfil compatível com o meu. Eu só respondo no mínimo para quem tem 7 referências. E se tiver uma referência negativa, eu já não vou, entendeu? Então, isso para mim conta muito. Referência é fundamental por mais que a gente saiba que a maioria delas são burladas.

Isso é legal, porque geralmente eu pesquiso até a questão da imagem antes de viajar. Por exemplo, você vê, nada contra, mas tem aquela galera mais descolada e coisa e tal, cheia de tatuagem, aí eu já tento bloquear um pouco, porque...Nada contra, mas tem pessoas que usam drogas, né? E se aparecer uma droga na sua mochila ou alguma coisa do gênero... Aí eu já pesquiso... Para ambos, né? Tanto para me hospedar quanto para hospedar a pessoa na minha casa. Outro dia tava me pedindo hospedagem um músico argentino que tava viajando o mundo... Só que usava dread. Eu sei que é um preconceito muito grande, mas eu pô... Não... Até porque os dois meninos que ficaram na minha casa eles fumaram maconha e iam fazer o negocinho lá que eu não sabia o nome... Na minha casa...Não, não rola...Então, você tem que dar uma certa filtrada. Normalmente, as minhas experiências foram boas.

Entrevistado 4 Eu lia muito os reviews, as recomendações das pessoas. Buscava também ver fotos, fotos da casa, e também o que a pessoa espera de um hóspede. Eu já cheguei a negar também... Porque o CouchSurfing te permite colocar uma viagem em público... Tipo assim: tô indo para Paris e gostaria de conhecer uma pessoa que gostaria de explorar uma cidade comigo... E aí, tem alguns perfis que chegavam, alguns requerimentos, e eu não me identificava com aquela pessoa... Ou a pessoa era fumante e eu não me identifico muito. Ela não era a pessoa que combinava com meu estilo de vida. Então, eu cheguei a negar também em relação a isso. A pessoa mesmo esclarece no perfil como que ela é. Os comentários contribuem muito para a boa imagem ou não desta pessoa. Faz toda diferença.

Eu acho que pelos comentários, quando você lê sobre a pessoa, sobre qual é a trajetória de vida dela...Acho que isso fortaleceu para que eu pudesse ter esta confiança, ler os comentários que fossem feitos por aquela pessoa, meio que uma reputação sobre ela no site. Mesma coisa de um produto que a gente vai consumir... Onde que eu vou recorrer para saber sobre aquele produto? Eu vou procurar saber

com quem já utilizou... Então, nesse caso, os comentários ajudaram muito nisso. Tinha pessoas que não tinham comentários. Então, eu começava um diálogo com ela mesmo para ver se realmente daria certo. Entrevistado 5 Eu confiei a partir das experiências das outras pessoas. Se os outros tiveram boas experiências com estas

pessoas, eu entendi que eu também poderia ter uma boa experiência, já que esta pessoa já é bem avaliada pelas outras pessoas, eu pensei que seria assim, como também foi...

Entrevistada 7 Acho que um ponto que é medo para muita gente, mas que, para mim, funcionou como o contrário era a segurança mesmo. Porque a pessoa tem um perfil e as outras pessoas que foram recebidas comentam, dão uma nota e aí você pode escolher pessoas que só tenham coisas positivas. Aí você já fica segura. Se 70 pessoas disseram que ficar na casa do fulano é legal, então é certeza que vai ser legal, né? Não vai ter problema. Eu acho que a segurança foi o que eu enxerguei como positivo.

Entrevistado 8 Quando você hospeda alguém ou é hospedado, ambas as partes depois disso dá um feedback. E aí, é só você ir no perfil da pessoa que você vai ver o que falaram sobre eles. Eu fiz isso. O cara já tinha recebido mais pessoas do que eu. Sei lá, tinha mais de cem referências e todas positivas. Pronto! Não tinha nem o que falar! Pesquisei ele. Na verdade, eu pedi a várias pessoas e várias pessoas disseram que sim. Não sei nem porque escolhi ele. Mas sim, foi muito tranquilo. E quando eu cheguei lá, foi tudo aquilo que disseram sem tirar nem pôr. Muito bom!

Entrevistada 9 É a maneira com que ela pronuncia o que ela pode oferecer. A sinceridade, eu acho importante. Agilidade na resposta. Ela entender a situação e falar dentro das possibilidades dela como ela poderia ajudar. Eu sempre fui muito clara em dizer quando aconteceu minha primeira viagem, eu falei “Eu não tenho referência, você vai ser meu primeiro couch, eu não quero sofrer nada ruim para não transparecer uma imagem negativa do programa e tal”. E a pessoa falou assim “Olha, eu já viajei para o seu país, eu conheci os lugares tais, se você quiser, você pode pegar referências com as pessoas que me hospedaram”. Passa uma segurança. E ter terceiros avaliando quem iria me receber, principalmente do seu país, porque você pode conversar na mesma linguagem.

Entrevistada 10 Acho que o básico da segurança é você conversar com a pessoa, olhar o facebook... Eu sou bem stalker assim na internet. Eu consigo achar muita informação. Você vai botando o nome da pessoa, a imagem, e aí você vê se a pessoa tem interesses parecidos com o seu, né? Não adianta eu ficar numa casa de uma pessoa muito diferente de mim. Não vai bater a conversa, né? Acho que tem que ter afinidades. É importante pesquisar antes, conversar várias vezes antes, fazer um chat. Conversei com algumas pessoas por Skype, sabe, para ver se tem uma empatia assim.

Fonte: Dados do estudo (2018)

Intrinsecamente ligada à categoria Confiança está a impressão geral acerca dos atributos do host, que também contribui para a formação da confiança. Pode-se perceber, a partir da análise das entrevistas, que a impressão que o guest constrói do anfitrião é determinante para que ele confie ou não em ficar em uma determinada hospedagem domiciliar na viagem. Os entrevistados fizeram questão de destacar que realizaram uma busca sobre o possível anfitrião, em maior ou menor grau. Alguns explicaram que apenas buscaram informações através dos reviews da plataforma, enquanto outros foram além e pesquisaram nas mídias sociais dos anfitriões, isto é, nas palavras dos entrevistados, eles “stalkearam” nas redes sociais.

Eu me baseei em cima dos reviews. Por exemplo, o CouchSurfing libera o nome da pessoa, o nome da universidade, enfim, libera o que a pessoa faz. Eu não fiquei só nos reviews do CouchSurfing. Eu fiz minha pesquisa por fora. Sempre faço nas redes sociais (Entrevistado 1).

Eu pesquiso muito, muito, muito antes... A primeira coisa que eu olho é no próprio CouchSurfing no número de avaliações. Só que às vezes o número de avaliações não influencia tanto, porque, se for uma pessoa nova, ela não vai ter o número de avaliações suficiente e ela pode ser muito legal. Mas aí, supondo, eu pesquisando com um mês e meio de antecedência, aí se a pessoa fala que sim, eu já adiciono nas redes sociais e já começo a pesquisar, porque você já consegue descobrir muita coisa. Você consegue conhecer a pessoa pelas redes sociais, pelo que a pessoa posta

e tudo mais. E eu sou muito chata em relação a isso. Eu pesquiso muito, como se tivesse pesquisando uma pessoa que você gosta. Eu pesquiso mesmo e sou muito chata em relação a isso. Apesar de que a cultura aqui é diferente de outros lugares. O que pra mim, seria “estranho” aqui, talvez para outra pessoa, em outro lugar, não. Então, eu também tento pesar tudo, isso. Não ser muito chata, que só a minha opinião é a certa e que só o Brasil é legal, porque varia muito. A primeira coisa é no site e depois eu stalkeio a pessoa nas redes sociais (Entrevistada 2).

Alguns entrevistados revelaram fazer a pesquisa “por fora da plataforma” por acharem que não é suficiente pesquisar apenas no perfil do CouchSurfing e que é preciso ir além para adquirir mais confiança. Isso corrobora o que a literatura diz a respeito de a confiança ser um ingrediente fundamental para transações online peer-to-peer, uma vez que dois estranhos não são susceptíveis de se envolver em uma transação sem confiar uns aos outros (BONSÓN PONTE, CARVAJAL-TRUJILLO, ESCOBAR-RODRÍGUEZ, 2015; KIM, CHUNG, LEE, 2011).

É importante pontuar que o entrevistado 6 confessou que, antes de ir para a casa dos anfitriões pela primeira vez efetivamente, não depositava muita confiança na plataforma e apenas quando vivenciou a experiência de fato que passou a confiar.

Quando eu fui essa primeira vez, eu não tinha muita confiança... Então, eu não tava muito confortável. Então, o que eu fiz foi levar uma mala, um cadeado... Mas aí quando eu cheguei lá, não, me passaram tanta confiança que eu deixava a mala aberta. Eu saía, deixava o passaporte na casa. Assim... Eles podiam estar montando um teatro lá para me roubar. Aí, depois eu pensei também... Eu não tenho nada para ser roubado, mas assim, eles me deixaram muito à vontade na casa assim... Eles me deram a chave da casa assim... É... A confiança era mútua, né? Eu também deixei eles confortáveis a ponto de eles me deixarem a chave. Eu acho que é isso. É você se sentir confortável. Se sentir à vontade com o lugar, porque não é só pessoas também. O lugar também importa. Às vezes, as pessoas parecem ser super legais, mas o quarto é avacalhado, todo sujo, então... O ambiente também é importante (Entrevistado 6).

No caso do entrevistado 6, a confiança foi um consequente da relação vivenciada entre ele e os anfitriões, algo construído após o início da experiência. Um aspecto interessante no relato do entrevistado 6 é que ele associa o CouchSurfing a uma espécie de seita, comunidade, que inspira confiança entre os membros.

Eu acho que é isso que eu falei no começo, que você entra numa coisa de comunidade, de pequena seita... Bom, na primeira vez, eu só tive confiança mesmo a partir do momento que eu cheguei lá. Antes de eu chegar na casa, eu não tava 100% seguro de que eu ia ficar. Levei um cartão de crédito do meu pai, que eu nunca usava. Só para extremas urgências, que, se eu precisasse de alguma coisa, eu poderia ir para um hotel, sabe? Mas, até chegar lá, até esse momento, eu não tinha confiança, não... Eu só passei a ter confiança, depois que eu encontrei as pessoas e que eles foram muito gentis, muito solícitos e me passaram confiança. Mas antes de

chegar, não. (...) É um rito de iniciação, né? Passa esse primeiro estágio e você acaba entrando mesmo na comunidade, do grupo, e aí você passa a confiar no grupo. As pessoas já não são pessoas mais, já são parte do grupo, né. Não são indivíduos (Entrevistado 6).

O relato do entrevistado 6 associando o CouchSurfing a uma “comunidade” e a uma “pequena seita” tem relação com o conceito de compartilhamento trazido por Belk (2010), principalmente o conceito de “compartilhamento fora” que envolve dividir algo entre pessoas relativamente estranhas, com um grau de intimidade envolvido podendo variar consideravelmente. Neste caso, do relato do entrevistado, o grau de intimidade entre as pessoas parece alto e até no nível de uma pseudofamília.

Figura 11 - Subcategorias ligadas à categoria Confiança (CouchSurfing, Brasil)

Fonte: Dados do estudo (2018)

Ao longo das entrevistas, uma nova categoria emergiu e se mostrou relacionada positivamente com a categoria Confiança. Trata-se da categoria Grau de Identificação entre Pares, que será abordada a seguir.