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4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

4.2 Fase qualitativa

A etapa qualitativa foi conduzida por meio de entrevistas em profundidade com roteiro semiestruturado. Os objetivos da utilização da estratégia foram: a) aprofundar o entendimento sobre os conceitos de compartilhamento e de consumo colaborativo, identificando os principais elementos a eles relacionados, bem como os possíveis fatores de motivação ao uso das plataformas CouchSurfing e AirBnb; e b) buscar elementos para a elaboração das escalas dos constructos propostos para o modelo.

A entrevista em profundidade, de acordo com Belk, Fischer e Kozinets (2013), corresponde a uma das principais formas de coleta de dados de abordagem qualitativa, juntamente com a observação participante. Tal estratégia de investigação busca um entendimento mais profundo de um tópico sobre o qual o informante pesquisado está apto a falar e é geralmente sobre algo que é importante na vida do informante, que ele/ela tem muitas informações e opiniões sobre o que é encorajado a falar (BELK, FISCHER, KOZINETS, 2013). Em relação ao roteiro semiestruturado de entrevista, o presente trabalho buscou seguir a recomendação de Belk, Fischer e Kozinets (2013) sobre elaborar as questões em sequência do geral para o específico, isto é, iniciar com questões mais amplas e depois fazer perguntas

mais específicas. O roteiro com as perguntas das entrevistas foi construído com base na literatura apresentada no referencial teórico e encontra-se no Apêndice A, no final da tese.

No que diz respeito aos sujeitos da investigação, buscaram-se entrevistados que já tivessem utilizado o CouchSurfing e o AirBnb no papel de hóspedes pelo menos uma vez na vida. Não foi estudada a perspectiva dos anfitriões. Depois desse primeiro contato, obtendo-se a anuência desses primeiros sujeitos, solicitou-se que indicassem outras pessoas de seu conhecimento, que também já tivessem se engajado em práticas de consumo colaborativo e de compartilhamento, induzindo a um efeito "bola de neve" (MALHOTRA, 2004).

As entrevistas foram encerradas no momento em que atingiu-se o “ponto de saturação”, isto é, quando cessou-se o acréscimo de informações novas nas observações, nas entrevistas realizadas (THIRY-CHERQUES, 2009). A saturação é, conforme Thiry-Cherques (2009), o instrumento epistemológico que determina quando as observações deixam de ser necessárias, pois nenhum novo elemento permite ampliar o número de propriedades do objeto investigado. Para o autor, a saturação designa, portanto, o momento no qual o acréscimo de dados e informações em uma pesquisa não altera a compreensão do fenômeno estudado. É um critério que permite estabelecer a validade de um conjunto de observações. O esquema de saturação é objetivamente válido à medida que ele satisfaz as exigências lógicas de julgamento em um universo determinado (THIRY-CHERQUES, 2009). Neste sentido, o número de entrevistas foi definido quando atingiu-se a saturação das respostas.

No Brasil, vinte pessoas foram entrevistadas, sendo que dez corresponderam a consumidores do CouchSurfing e dez corresponderam a consumidores do AirBnb. No caso do AirBnb, o trabalho deu enfoque às pessoas que pagaram pelo espaço apenas do quarto e não da casa/apartamento toda/todo, tendo alguma convivência com o anfitrião. As entrevistas foram realizadas presencialmente no Brasil no período entre novembro de 2016 a fevereiro de 2017. As entrevistas foram realizadas presencialmente nas cidades de Belo Horizonte e Salvador. De modo geral, as entrevistas duraram entre 40 minutos até mais de uma hora. Durante a realização das entrevistas, buscou-se seguir o que Belk, Fischer e Kozinets (2013) recomendaram a respeito de as entrevistas em profundidade serem flexíveis e terem a possibilidade de desviar, caso fosse necessário, do protocolo para estar aberta a explorar tópicos emergentes de interesse e relevantes.

Em Portugal, foram realizadas dezoito entrevistas presenciais. Oito foram com os consumidores do CouchSurfing, e dez foram com os consumidores do AirBnb. As entrevistas foram realizadas entre abril e agosto de 2017 e duraram cerca de 30 minutos a 50 minutos. As

entrevistas foram realizadas presencialmente nas cidades de Faro, Olhão, Lisboa, Coimbra e Porto.

Para analisar os dados coletados, adotou-se a técnica de análise de conteúdo, que, segundo Bardin (1977), enquanto método, representa um conjunto de técnicas de análise das comunicações destinada a obter indicadores através de procedimentos sistemáticos e objetivos para descrever o conteúdo das mensagens. Sobre a técnica de análise de conteúdo, a autora explica:

Pertencem ao domínio da análise de conteúdo todas as iniciativas que, a partir de um conjunto de técnicas parciais mas complementares, consistam na explicitação e sistematização do conteúdo das mensagens e da expressão deste conteúdo, com o contributo de índices passíveis ou não de quantificação. Esta abordagem tem por finalidade efetuar deduções lógicas e justificadas, referentes à origem das mensagens tomadas em consideração (o emissor e o seu contexto, ou, eventualmente, os efeitos dessas mensagens). O analista possui à sua disposição (ou cria) todo um jogo de operações analíticas, mais ou menos adaptadas à natureza do material e à questão que procura resolver. Pode utilizar uma ou várias operações, em complementaridade, de modo a enriquecer os resultados, [...] aspirando assim a uma interpretação final fundamentada (BARDIN, 1977, p. 42-43).

As fases da análise de conteúdo, de acordo com a autora, organizam-se em torno de três momentos cronológicos: 1) a pré-análise; 2) a exploração do material; 3) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.

A pré-análise corresponde à fase de organização propriamente dita, que tem por objetivo sistematizar e operacionalizar as ideias iniciais, de maneira a conduzir a um esquema preciso do desenvolvimento das operações sucessivas, num plano de análise. Bardin (1977) afirma que, geralmente, esta primeira fase possui três missões: a escolha dos documentos a serem submetidos à análise, a formulação das hipóteses e dos objetivos e a elaboração de indicadores que fundamentem a interpretação final. Nota-se que estes três fatores não se sucedem, obrigatoriamente, segundo uma ordem cronológica, ainda que se mantenham estreitamente ligados uns aos outros.

A exploração do material consiste na fase de análise propriamente dita, que não é mais do que a administração sistemática das decisões tomadas. Corresponde essencialmente a operações de codificação, desconto ou enumeração, em função de regras previamente formuladas (BARDIN, 1977).

Por fim, o tratamento dos resultados obtidos e a interpretação dizem respeito à fase em que os resultados brutos são tratados de maneira a serem significativos e válidos. Conforme Bardin (1977), operações estatísticas simples (percentagens), ou mais complexas (análise fatorial), permitem estabelecer quadros de resultados, diagramas, figuras e modelos, os quais

condensam e põem em relevo as informações fornecidas pela análise. O analista, tendo à sua disposição resultados significativos e fiéis, pode assim propor inferências e adiantar interpretações a propósito dos objetivos previstos, ou que digam respeito a outras descobertas inesperadas (BARDIN, 1977). A autora chama atenção para o fato de que, por outro lado, os resultados obtidos, a confrontação sistemática com o material e o tipo de inferências alcançadas podem servir de base a uma outra análise disposta em torno de novas dimensões teóricas, ou praticada graças a técnicas diferentes.

A fase de tratamento dos dados envolve a codificação, o que implica uma transformação - efetuada segundo regras precisas - dos dados brutos do texto. Tal transformação, por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo, ou da sua expressão, susceptível de esclarecer o analista acerca das características do texto, que podem servir de índices. A organização da codificação compreende três escolhas (no caso de uma análise quantitativa e categorial): 1) o recorte: escolha das unidades; 2) a enumeração: escolha das regras de contagem; 3) a classificação e a agregação: escolha das categorias. Assim, a partir do momento em que a análise de conteúdo decide codificar o seu material, deve produzir um sistema de categorias (BARDIN, 1977).

A categorização tem como primeiro objetivo fornecer, por condensação, uma representação simplificada dos dados brutos. Na análise quantitativa, as inferências finais são, no entanto, efetuadas a partir do material reconstruído. Supõe-se, portanto, que a decomposição-reconstrução desempenha uma determinada função na indicação de correspondências entre as mensagens e a realidade subjacente (BARDIN, 1977). Neste estudo, as categorias foram definidas a priori com base na literatura, porém, durante a análise das entrevistas, notou-se a existência de questões importantes a serem categorizadas e, assim, outras categorias foram definidas a posteriori. As categorias definidas a priori foram: a Economia de Custos, a Expectativa de Experiências Culturais Compartilhadas, a Expectativa de Construção de Vínculos Sociais, a Confiança, a Perspectiva Anti-Indústria, a Influência Social e a Expectativa de Esforço. Tais categorias já foram devidamente discutidas tanto no referencial teórico quanto na apresentação do modelo teórico inicial proposto. A análise de conteúdo foi feita com o suporte do software de análise de dados qualitativos Atlas TI.