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5 ETAPA QUALITATIVA

5.2 Análise qualitativa das entrevistas em profundidade realizadas em Portugal

5.2.1 Caracterização do perfil dos entrevistados de Portugal 1 Público do CouchSurfing

5.2.2.1 Análises por categoria – Entrevistas com consumidores do CouchSurfing (Portugal)

5.2.2.1.3 Categoria 3: Grau de Identificação entre Pares/Grau de Identificação com a Filosofia da Plataforma

O Grau de Identificação entre Pares foi um aspecto apontado pelos entrevistados do CouchSurfing de Portugal na medida em que eles consideravam como importante avaliar antes da viagem se os gostos e os interesses do anfitrião seriam similares aos deles. Para a entrevistada 1, as pessoas que aderem ao CouchSurfing têm um perfil parecido com o dela, o que gerou uma identificação com a comunidade. Já o entrevistado 5 mencionou que, no processo de solicitação de estadia com o host, se sentiu como se estivesse “quase em uma entrevista de emprego”, tendo que mostrar que era interessante para ser acolhido. Isso indica que havia necessidade de criação de empatia e identificação entre o guest e o host para que a solicitação de hospedagem fosse aceita. Segundo o participante 5, ele tentou tanto que o host tivesse interesse em recebê-los quanto eles tivessem interesse em ficar.

Quadro 33 - Citações ligadas à categoria Grau de Identificação entre Pares/Grau de Identificação com a Filosofia da Plataforma (CouchSurfing, Portugal)

Entrevistado Citações

Entrevistada 1 Eu lembro-me que li muito sobre os interesses da pessoa e a língua que ela falava, porque como era na Malásia, era um país onde nem toda gente falava inglês. Procurei que a pessoa tivesse disponibilidade e interesse em comum para que pudéssemos ter alguma experiência compartilhada. Enfim, olhei para a foto, tentei perceber, vi a foto de outros hosts, que demonstravam ter interesse que não eram os meus. Por exemplo, fotos a beber muito álcool numa festa como foto de perfil me faziam pensar que esta pessoa bebia muito álcool, que a pessoa se calhar tinha interesse num estilo de vida diferente do meu e que não era o que eu estava a procura partilhar. Então, gostava mais de um host que mostrasse outro tipo de interesse.

Portanto, em princípio, identifiquei-me com as pessoas que aderem ao CouchSurfing. Depois, claro, só aceitei ficar com hosts que me transmitiam confiança através do perfil.

Me disseram que realmente é uma plataforma que muita gente como nós (como eu própria) adere e, em princípio, são pessoas com o jeito de ser parecido com o meu. Portanto, em princípio, identifiquei-me com as pessoas que aderem ao CouchSurfing.

Entrevistado 5 No caso do CouchSurfing, quando fiquei alojado, no perfil da pessoa, a gente percebia que ela gostava de fazer montanhismo, de caminhada, escalada... Nas partes dos esportes de aventura, eu relacionei porque estava a fazer uma viagem de bicicleta e achei que ia ser uma combinação interessante. Porque ali eu senti que estava quase numa entrevista de emprego. Tinha que mostrar mais que sou interessante para ser acolhido. No AirBnb, já o aluguer direto não interessa tanto. Mas ali era preciso. Então, procurei algo que pudesse relacionar de fato com minha situação, porque se fosse uma casa de família muito regrada poderia não estar à procura de dois rapazes todos sujos e suados, que andavam a acampar por aí fora. Não sei... Tentei tanto que eles tivessem interesse em nos receber quanto nós tivéssemos interesse em ficar. Haviam casas de estudantes de Erasmus que só queriam beber e nós não estávamos propriamente orientados para isso.

Quando utilizei o CouchSurfing, também gostei muito do princípio de não haver rendimentos e ser uma partilha de espaço e de haver uma rede de pessoas que gostam de viajar e só precisam de um sítio para ficar e conhecem pessoas dispostas a alojar. Gostei muito deste princípio de camaradagem com desconhecidos.

Entrevistada 6 Uma pessoa que se inscreve no CouchSurfing como host é uma pessoa que está disponível para receber dentro do espírito do CouchSurfing. Normalmente, não há assim tanta dificuldade. Pode haver quando todas as pessoas que tu contacta tem um compromisso, uma coisa, mas se a pessoa tiver disponibilidade, acho que sim, que é relativamente fácil de achar no CouchSurfing onde ficar.

Se tu entrares no espírito Couchsurfing... Bom, minha casa tem estas condicionantes. É fora de Coimbra. Tens de apanhar o comboio se não tiver quem buscar. Tem gatas. Não são todos que gostam de gatos. Eu fumo e não vou deixar de fumar dentro de casa, porque tô com alguém. Então, eu tenho tudo isso na descrição da minha casa. Um dia, eu tive... Por acaso, foi o primeiro brasileiro que eu disse: “Caramba, o que é isso?”. Eu tenho recebido muitos brasileiros. E eu disse... Mandou o pedido e eu disse: “Tu leste bem o que estava na minha descrição na plataforma? Tens certeza de que é um sítio que te interessa ficar?”. E a resposta dele foi: “Ah, mas também, eu só vou para aí dormir, tomar banho e no dia seguinte sair...”. E eu... Ok. Acho que tens que procurar um outro sítio porque isso não é hóspede do CouchSurfing em definitivo e nem da minha casa. Mas foi a primeira vez que tive uma coisa tão... “Eu só vou tomar banho e dormir” também não faz diferença. Ok, então, procura um outro sítio, vá para um hostel.

Entrevistado 8 Para hospedar não tive medo nenhum, porque eu comecei a descobrir que a comunidade couchsurfing são pessoas particulares. Acho que depois de conhecer pessoas que viajam e que utilizam o couchsurfing, parte-se do princípio de que as pessoas que recebem são igualmente boas, igualmente interessantes. E eu, quando recebi, também a minha ideia foi um bocado esta. A ideia era esta. A pessoa, para viajar e para estar disposta a ficar numa casa de uma pessoa que não conhece de lado nenhum, não pode ser assim... É...Tem que ver os dois lados da moeda. A pessoa que vai para tua casa também não te conhece de lado nenhum. Portanto, também não sabe se tu age assim ou se tu age melhor ou age pior. Portanto, acho que o primeiro contato a abertura, a confiança que se dá. Acho que é suficiente para as coisas fluírem de maneira positiva.

Os entrevistados ressaltam não apenas a importância da identificação entre os pares da plataforma (guest e host), mas também a identificação com a proposta/ideia do CouchSurfing. É destacado o “espírito” e o “princípio” da plataforma de camaradagem entre desconhecidos. Para eles, quem se dispõe a partilhar um espaço de sua casa com uma rede de pessoas que gostam de viajar é um grupo de pessoas particulares que entram no espírito da comunidade. Esta identificação, segundo eles, inspira mais confiança na utilização e reduz o medo de riscos.

Figura 22 - Subcategorias ligadas à categoria Grau de Identificação entre Pares/Grau de Identificação com a Filosofia da Plataforma (CouchSurfing, Portugal)

5.2.2.1.4 Categoria 4: Confiança

A Confiança também foi um fator que colaborou para a escolha pelo CouchSurfing de acordo com os relatos dos entrevistados de Portugal. Eles afirmaram observar os comentários online no momento de decidir e solicitar a estadia com alguém para sentir mais segurança a respeito do local onde iam ficar, do anfitrião e da experiência couchsurfer em si. Tal achado reitera o que informa a literatura sobre a importância da confiança para as relações na economia compartilhada e na internet (BOTSMAN; ROGERS, 2011; BELK, 2014a; PISCICELLI; COOPER; FISHER, 2015; ERT; FLEISCHER; MAGEN, 2016). A confiança, segundo Moorman, Deshpandé e Zaltman (1993), corresponde à disposição para confiar em um parceiro de troca que demonstre segurança.

Quadro 34 - Citações ligadas à categoria Confiança (CouchSurfing, Portugal)

Entrevistado Citações

Entrevistada 1 Mesmo assim, eu perguntei a outros amigos se eles achavam que era seguro. E eles disseram que sim, que nunca tinha acontecido nada de mal, que havia alguma forma de verificar quem era a pessoa que nos ia receber, porque havia todo um controle de comentários sobre a pessoa e podíamos avaliar se a pessoa era de confiança ou não.

Depois, claro, só aceitei ficar com hosts que me transmitiam confiança através do perfil.

Entrevistado 3 Sim, eu pesquisei isso. Li as críticas que ele tinha, todas as impressões. Tudo. Mandei-lhe uma mensagem perguntando se poderia me receber ou não.

Eu confiei no que os outros escreveram sobre ele. Agora, se calhar, poderia ser ao primeiro indivíduo que ficou na casa dele. Eu confiei naquilo que li. Gostei e fui. Já ia com uma certa confiança de que ia ser uma boa pessoa, no caso, ia ser uma pessoa de confiança. Não fiz nenhuma análise. Será que confio nele? A partir do que toda gente disse, eu cheguei a confiar.

Entrevistado 4 Fico um bocado a analisar o perfil, se tem gostos semelhantes, qual é mais ou menos a onda da pessoa, se poderá ser uma experiência positiva. Mas principalmente eu acho que tem a ver com a partilha de interesses, de estarem mais ou menos nas mesmas frequências, digamos assim. Ou pelo menos, ver se o perfil se enquadra ou não, né? Às vezes, pode acontecer de nos surpreendermos com a experiência positiva ou negativa. Eu tive a sorte de me surpreender pela positiva.

Entrevistada 6 Vês os perfis, lês as referências e vês as mensagens. Porque muitas vezes os perfis e as referências chocam com o que as pessoas dizem na mensagem. É importante ler isso, porque, às vezes, o perfil diz uma coisa e as recomendações dizem coisas completamente diferentes. Não necessariamente pior. Se calhar, é melhor. [...] Tens que fazer um bocadinho um balanço de todas estas informações, muita ou pouca, e é um bocadinho da sua intuição.

Entrevistado 7 Inclusive as referências das outras pessoas. Eu escolho tanto as pessoas que eu recebo quanto as pessoas que eu contacto. E se não for uma pessoa que eu ache que eu posso me relacionar bem, eu não contacto. Entrevistado 8 Dava uma vista d´olhos do perfil, o básico, ver se tinham avaliações positivas, o sítio onde eu ia ficar, se

era perto dos sítios que eu queria visitar, mas a pessoa em si nunca foi a questão.

Fonte: Dados do estudo (2018)

O participante 4, por exemplo, afirmou que analisou o perfil e que verificou se ambos tinham gostos semelhantes e se havia partilha de interesses no intuito de prever se teria uma boa experiência. O entrevistado 7 demonstrou visão parecida ao participante 4 quando expôs que observa as referências que as outras pessoas deixam no perfil do possível anfitrião e que,

se não for uma pessoa que pense que possa se relacionar bem, ele não contacta. Neste sentido, a leitura das avaliações de outros consumidores pode ser uma busca para verificar se há uma identificação entre o guest e o possível host, o que colabora para que o hóspede sinta mais confiança. Isso pode indicar uma relação positiva entre a categoria Confiança e a categoria Grau de Identificação entre Pares.

Para Kunz e Seshadri (2015), a confiança e a simpatia entre os membros de uma comunidade virtual, como é o caso do CouchSurfing, são mediadores centrais para o desenvolvimento do relacionamento entre os pares. Notou-se que a confiança é muito inspirada por aquilo que outras pessoas escrevem sobre o anfitrião e sobre as experiências anteriores de outras pessoas (se foram positivas ou negativas).

Figura 23 - Subcategorias ligadas à categoria Confiança (CouchSurfing, Portugal)

Fonte: Dados do estudo (2018)