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Categoria: variáveis que antecederam o ingresso aos estudos no meio

No documento 'O apego às origens' (páginas 52-57)

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

4.1 QUEM É RAMSÉS?

4.1.2 Análise dos dados de Ramsés

4.1.2.1 Categoria: variáveis que antecederam o ingresso aos estudos no meio

Esta categoria tem como finalidade explanar o modo de vida do jovem Ramsés, antes de transferir os estudos do meio rural para o meio urbano, além de demonstrar sob a ótica de seus pais como foi este período.

a) Sujeito - Ramsés

A seguir demonstrar-se-á a tabela 1, que explana a transcrição das falas literais dos sujeitos entrevistados que ocorreram durante a entrevista com Ramsés, sobre os aspectos anteriores a sua mudança do ambiente de estudos do meio rural para o meio urbano

Tabela 1 - Variáveis que antecederam o ingresso aos estudos no meio urbano – sujeito Ramés.

Subcategoria Unidade de Contexto Elementar

Iniciação ao trabalho no meio rural

“Desde os 11 e 12 anos.” “Não, ia com eles [com os pais].”

“Era complicado né [risos], até pela idade o sol quente né, e a gente aprendendo, mais, [...]”

Dificuldades

no trabalho “[...] mas a vida do colono ela não é fácil né. Além do trabalho, tem mais o sol quente que dificulta.” Fonte: Elaboração da autora, 2009.

Conforme visto na tabela 1, Ramsés relatou na sua entrevista sobre os aspectos concernentes à Iniciação ao trabalho no meio rural, que começou a trabalhar na agricultura quando criança, ou seja, com aproximadamente 11 e 12 anos. Cabe salientar, que durante a entrevista o jovem não demonstrou ter sofrido sentimentos de recriminação por parte de terceiros, por ter começado a trabalhar no início da pré-adolescência. Muito pelo contrário, seus sorrisos demonstraram que as lembranças que vieram em sua mente eram boas de serem relembradas.

Pode-se verificar que o fato deste jovem ir trabalhar no meio rural juntamente com os seus pais possibilitou uma mediação pelo meio social de forma a interferir em sua identidade, pois seus pais o reconheciam desde a infância como sendo alguém que iria fazer atividades pertinentes à agricultura. Assim, conforme Ciampa (1994), aos poucos ele passou a demonstrar e agir no mundo por sua identidade pressuposta.

Nesta mesma subcategoria Iniciação ao trabalho no meio rural, Ramsés demonstra que o aprendizado fazia parte de seu dia-a-dia, não sendo necessário ir até uma escola para aprender o que fazer na agricultura. Portanto, a cada dia que passava o jovem Ramsés se re-significava por meio do trabalho, já que a todo o momento aprendia coisas novas. Como dirá Ferretti (1997, p. 83), o trabalho além de transformar a natureza transforma quem o exerce. Portanto, ao modificar a natureza, arando a terra, plantando, capinando e colhendo, Ramsés também começou a dar novos sentidos a sua vida. E sua identidade profissional, aos poucos, passou a se encaminhar no sentido de ser um jovem agricultor.

Sobre a subcategoria: Dificuldades no trabalho, Ramsés mencionou na entrevista que o sol quente foi uma dificuldade neste momento de iniciação nas atividades agrícolas,

pois lhe trazia certo desconforto. Entretanto, apesar deste desconforto Ramsés resolveu continuar, pois havia um contexto social que ele deveria dar a resposta adequada, já que somente desta forma poderia se sentir pertencente ao meio de origem.

a) Pais de Ramsés

A tabela 2 a seguir possui como finalidade demonstrada as falas dos pais do jovem Ramsés, referente ao processo anterior do ingresso do filho nos estudos no meio urbano, e conseqüentemente, como se configura a história familiar sobre aspectos pertinentes à educação formal.

Tabela 2 - Variáveis que antecederam o ingresso aos estudos no meio urbano. - pais do sujeito Ramsés.

Subcategoria Unidade de Contexto Elementar

Relação dos pais com os estudos

Touya: [estudos] “Até a quarta série. Não cheguei a completá, [...] É estudei aqui, ai fui um ano estudá na [cidade] daí lá, é repeti a quarta série, mas numa altura eu lá vim embora pra cá, daí no fim eu não voltei mais, né. Então até a quarta ficou, né. [...]Há, naquela época a gente trabalhava aqui na roça, aqui mesmo, no tempo em que a gente ia para a roça era assim, se não tinha serviço na roça, os pais deixavam a gente ir pra

aula. Até de manhã a minha mãe, eu lembro que perguntava [para o pai]: João hoje

você tem que puxar cavalo? Puxar fumo, né. Daí ele dizia: tem que ir, tem que ir. Então, aula não tinha, então ia à aula o dia que não tinha serviço, né. Então talvez por isso eu não pude aprender, porque faltava [...]”

Touya:“[...] então daí, no último ano [quarta série] eu fui parar na casa de uma tia [em Bom Retiro, para estudar], mais daí meu pai machucou a vista né, teve que ir à Florianópolis, daí a mãe me trouxe para ficar fazendo, atendendo dos irmãos, fazendo comida. Daí eu não tive mais vontade, parei ali.” É, é, não, é. Gostar mesmo eu

nunca gostei de estudar, né. Mas, [...] né perde a oportunidade pra outras, né, se eu

tivesse, estudado hoje eu podia assim pegar um emprego, uma coisa melhor. Mais os que gostam, tem pessoas assim com mais de quarenta, quarenta e cinco anos que aprenderam[...], mais aí tem que gostar.[...]”

Touya: “Como eu vou estudar, aí, mais aí, eu até podia ir, mesmo esses que vão uma vez por semana, tem que estudar em casa. Tem que fazer o trabalho. Ai a gente cuida de casa, roça e estudo, não, não tem como, eu penso que eu, não ia conseguir, porque a

minha cabeça não pega as coisas fácil, né, porque ai que ia embolar tudo, né. Porque estudar, trabalhar, cuidar de casa e de quintal, não tem como não, então, é

assim.”

Seti [até que série estudou]: “Até a quarta também, até a quarta.”

Passado dos avós de Ramsés

relacionados ao estudo

Seti: “A minha mãe ela era analfabeta. E o meu pai ele sabia ler e escrever. Fazia conta também com seis meses de aula. Mas, ela não chegô a completa o primeiro ano do primário, isso que naquele tempo nem sei se existia escola aqui na região, também que eles vieram pra cá”.

Touya: “A mãe teve, ela chegô a ter mais instrução, ela chegô a dar aula. Mas assim foi até quarta [...] ela é professora, né. Naquele tempo assim, né. Ela tinha até a quarta

série. [...]. O pai eu não sei até que série ele estudou, mas assim ele deve ter estudado

Passado dos tios de Ramsés relacionado aos estudos

Touya: [sobre os irmãos] “Tudo assim, né. Tudo estudaram aqui. [...] até a quarta série. Que era só até a quarta série que tinha. [...] Acabaram a quarta série, acabô os

estudos. Até tinha na cidade estudo [...], mas tinha a roça o serviço também, né. Ai não tinha como.”

Seti: [sobre os irmãos] “Um deles fez, estudo até na, até a sétima, e no caso não chegô a completa a oitava também, e daí também foi obrigado a parar para trabalhar

também, por que daí não tinha condições de continuar [...], né. E desistiu.” Passado dos pais

diante de trabalhar e estudar

Seti diz: “Então tem hora que assim, que o nosso trabalho aqui é tão forçado, e tão, que

precisa se dedicar tanto que não sobra tempo pra mais nada, então, é complicado

pra gente por causa disso.”

Qualidade do Estudo no meio

rural Touya: “Aqui o estudo era mais fraco, né.”

Fonte: Elaboração da autora, 2009

A tabela 2, anteriormente demonstrada, trouxe temas relacionados à Relação dos

pais com os estudos, a mãe de Ramsés disse que estudou apenas até a quarta série. Contudo,

ela mencionou na sua entrevista que somente poderia ir à escola se não tivesse nem uma tarefa para fazer no sítio, ou seja, “[...] ia à aula o dia que não tinha serviço [...]”. Stropasolas (2006) relata em sua pesquisa que o trabalho no meio rural, para as crianças, somente não existia nos dias de chuva, quando era o momento das brincadeiras e do estudo, pois a terra ficava molhada. Aos poucos estes problemas relacionados a ir ou não para aula começaram a fazer com que a desmotivação pelos estudos fizesse parte da vida de Touya e assim ela parou de estudar e perdeu o interesse.

Entretanto, mesmo não tendo gostado de estudar, Touya disse em sua entrevista que percebe como sendo algo necessário para ter novas oportunidades de emprego. Ela também menciona que há cursos para quem quiser voltar a estudar, mas diz que “[...] estudar,

trabalhar, cuidar de casa e de quintal, não tem como não [...]”.

Sobre o pai de Ramsés, senhor Seti, este mencionou que estudou até a quarta série. Como na localidade há estudo somente até a quarta série do ensino fundamental, acredita-se que este foi o motivo que os fez estudar até este período, uma vez que a distância do meio rural até a cidade, mesmo em 2009 é bem difícil, pois a estrada é em toda sua extensão, de terra, cheia de curvas e morros, e em dias de chuvas a lama provavelmente faz parte do percurso. Assim, se nos remetermos a uns trinta anos atrás, década de oitenta, momento de juventude de Seti, provavelmente as dificuldades seriam maiores já que o transporte de prefeitura não existia.

Referentes ao Passado dos avôs de Ramsés relacionados ao estudo, senhor Seti, mencionou que sua mãe era analfabeta e seu pai sabia ler e escrever e que ficou apenas seis

meses na escola. Seti demonstrou certa satisfação por seu pai ter conseguido ler e somar com apenas pouco tempo de aula. Sobre os pais de senhora Touya, segundo ela, a mãe estudou até a quarta série, sendo que conseguiu dar aula mesmo com pouco estudo, quanto ao pai disse não saber até que etapa ele estudou. Pode-se perceber que o estudo na família, não foi algo que fez parte de forma essencial na formação de seus componentes.

O Passado dos tios de Ramsés relacionado aos estudos, não foi muito diferente de seus pais, pois somente conseguiram estudar até a quarta série, já que era o que oferecia o meio rural. Percebe-se que o trabalho no meio rural, para as duas famílias, era atividade de extrema importância e lhes garantia a subsistência da vida. Portanto, os filhos eram necessários nas atividades agrícolas, já que a mão-de-obra do grupo familiar garantia o conforto mínimo, a subsistência. Assim, a educação formal manteve-se em segundo plano, já que estudar na escolinha perto de casa em detrimento de ir para a lavoura poderia comprometer o futuro de todos.

Assim os aspectos pautados ao Passado dos pais diante de trabalhar e estudar e a Qualidade no Estudo no meio rural ambas subcategorias do tabela 2, percebe-se que as mediações estabelecidas na história dos pais de Ramsés diante dos estudos, como dirá Maheirie (2005) foi imersa por conflitos e contradições, e as situações e mediações do dia-a- dia lhes fizeram optar por parar os estudos. Este movimento de agir no mundo, onde os outros ocuparam lugar fundamental fez com que fosse possível o movimento dialético. Ou seja, as sínteses diante do estudo que tanto o pai quanto a mãe de Ramsés fizeram representam, os movimentos do seu agir no mundo, além de representar a forma com que foram mediados para agir no mundo que é sempre entendido de forma singular e única.

Como dirá Ciampa (1994 e 1996), a identidade vai se transformando, se metarmofoseando por meio das relações sociais e isto faz com que a identidade não seja uma ficção ou uma imaginação. Portanto, as relações e o campo social no qual Touya e Seti nasceram e cresceram foi mediado pelo movimento dialético nas suas escolhas. Por ser naturalmente o homem um ser dialético, pode-se afirmar que não possui uma determinação perante o que será. Entretanto, pode-se perceber que os campos de possibilidades dos pais de Ramsés fizeram com que eles se lançassem no mundo por meio de projetos espontâneos e não críticos, pois as necessidades do meio fizeram com que não possuíssem escolhas entre continuar ou não estudando, além de continuar reproduzindo no âmbito do estudo aspectos do contexto familiar em que estavam e estão inseridos.

Referente às questões da adolescência ao que concerne os dilemas por conta de Ramsés sentir-se ora criança e ora adulto, aparentemente não foi delimitado na sua juventude

este padrão de funcionamento, talvez por este olhar burguês ter sido deixado de lado, quando Ramsés passa muito cedo a trabalhar e re-significar-se por meio do trabalho. Portanto, a forma de agir no mundo de Ramsés vai contra as questões trazidas pelos autores: Dayrell (2003) e Peralva (1997), que relataram em suas pesquisas existir as “ditas crises da juventude” como sendo uma característica desta fase da vida.

4.1.2.2 Categoria: Variáveis que antecederam o término dos estudos e escolha por trabalhar

No documento 'O apego às origens' (páginas 52-57)