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Categoria: Variáveis que antecederam o término dos estudos e escolha por trabalhar

No documento 'O apego às origens' (páginas 57-63)

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

4.1 QUEM É RAMSÉS?

4.1.2 Análise dos dados de Ramsés

4.1.2.2 Categoria: Variáveis que antecederam o término dos estudos e escolha por trabalhar

Esta categoria possui como finalidade evidenciar as ocorrências que antecederam ao término dos estudos, bem como os motivos pela escolha em trabalhar no meio rural após a conclusão dos estudos.

a) Sujeito da pesquisa – Ramsés

Tabela 3 - Variáveis que antecederam o término dos estudos e escolha por trabalhar no meio rural – sujeito Ramsés.

Subcategoria Unidade de contexto elementar Trabalho durante os

estudos “[...] trabalhava.”

Possíveis dificuldades de trabalhar/morar no meio rural e estudar no meio urbano

“Sim, eu ia e vinha todos os dias. Eu morava aqui, estudava lá e voltava.” “Dizer que era complicado, não era porque tinha o ônibus, né. Era cansativo, mas, todo dia, né.”

[Distância do trajeto] “Dezoito a dezenove quilômetros.”

“Ai, na oitava série do primeiro ano em diante eu passei pra noite. Às vezes era arriscado, pela condição do tempo e da estrada, né. Mas, a gente tinha e acabava indo.”

“[...] foi puxado, [risos] porque conforme ia passando de ano para ano, ia

aumentando mais os estudos e até o trabalho aqui também, no final foi bem

puxado.”

Diferenças no estudo percebidas entre o meio rural e urbano

“Não era um professor só, né, uma salinha só. [inaudível] Chegando lá, cada matéria tinha um professor. E tudo diferente tudo maior, tudo novo, né. E até, bem, até o primeiro ano da quinta série eu não consegui passar, né. Eu rodei, mas depois, dali para frente eu estudei mais e eu consegui passar”.

“No começo, na quinta série, eu estranhei bastante por que aqui era só uma

salinha. Só uma série.”

[Dificuldades nas disciplinas] “De mau que eu me lembre no primeiro, segundo ano com o Francisco, professor de química, e ele era bem complicado, né.

Química não era para mim uma matéria que me dava bem, física química e matemática não eram matérias que eu nunca me dei bem. E sei lá ele tinha

uma forma de passar de aprendizagem, que para mim era complicado que, que ele era muito assim sacana assim né, eu achava então isso foi o professor que eu nunca esqueço.[...]”

[Facilidades nas disciplinas] “[...] E de professor bom teve vários, professor de

matemática, seu Marcus, eu mesmo indo mal nesta matéria, ele era um professor que tava ali junto com a gente, nunca se cansava e repetia, explicá

para gente, né. A professora de inglês também, professora legal, [...] na realidade era uma matéria fácil, de entender de estudar, mas a gente que como era muito preguiçoso [...]”.

Diferenças no estudo percebidas entre o meio rural e urbano

[A reprovação] “Eu acho, um pouco por eu ter cabeça fraca, um pouco pela mudança de sala, porque aqui a gente é acostumado tudo com o interior, tudo pequeninho. Chega lá na cidade, aquele monte de criança junto. Então, o primeiro ano, um dos motivos foi esse, né. Escola por ser nova, cada matéria além do que a gente estudava, apareceu mais matérias. E, tudo novo e eu acho que foi isso.”

Amizades do outro meio que não o de sua origem.

“Sim. Às vezes eles brincavam por ser do sítio, do interior, né, mais eu me dava bem com eles.”

[Preconceito] “É aquelas brincadeiras que assim, que na mesma hora que eles

brincavam depois na mesma hora eles já até pediam desculpas, né. Não, mas

não tem nenhuma assim que eu queira lembrar.”

“Foi bom, foi legal, conheci amigos novos. [inaudível].”

Dificuldades financeiras para manter-se estudando

“[...] a gente ia com o ônibus de prefeitura né, então só teve um ano que a gente teve, foi obrigada a pagá as despesas de ônibus, questão di óleo, e motorista, então a gente desde a quinta série até o ensino médio a gente sempre anda com escolar da prefeitura sem nenhum problema. E sem nenhuma despesa, assim para ir lá pagá.”

“[...] a gente gastava com apostila, com roupas né, que a gente precisava comprar.”

“[...] o pouco que saia fazia falta, mais, falar de dificuldade de faltar, não.” “O uniforme tem a estampa, mas, a apostila ele [pai] não achava, muito bom

não, ele achava que normal que a escola o governo devia dar, e as apostilas

comprava como se fosse particular, né. Meu pai sempre me ajudô, na roupa, nunca me falto. [silêncio]”

Cobranças internas para terminar os estudos.

“[...] ham, no começo ali, né, porque mesmo que seja um agricultor não podia

relaxar. Mesmo que fosse para vir pra cá, né. E pelo menos o básico, né.”

“Eu sempre fui pontual, assim, nunca fui de matar aula, de gazear. Tinha vários amigos que matavam, principalmente agora no final, até convidavam. A gente até ia, mas chegava na hora não tinha coragem de ir ou pular o muro ou passar pela porta da frente. Isto eu nunca fui, nunca fui de fazer isso. E as notas. Como eu disse no começo, eu não era bom da cabeça, então não eram aquelas notas,

mas sempre consegui passar. [inaudível]”.

Fonte: Elaboração da autora, 2009

Ramsés expôs durante a entrevista que o Trabalho durante os estudos existiu e que trabalhava no meio rural no período em que estava estudando no meio urbano. Portanto, o investimento de energia de Ramsés por dia não era apenas para as questões referentes ao estudo. E no que tange as Possíveis dificuldades de trabalhar/morar no meio rural e

estudar no meio urbano, mencionou que o trajeto de dezoito a dezenove quilômetros foi

feito todos os dias, que a estrada precária aliada à má condição do tempo “Às vezes era

arriscado [...]” e que tudo isto somado ao cansaço fazia parte de sua vida no período em que estudou no meio urbano.

Como se percebe, Ramsés, ao contrário de seus pais, teve acesso à educação, pois houve facilitadores, quais sejam: ônibus da prefeitura que adentrava em suas terras e

levava-o para o colégio no meio urbano e os seus pais não o solicitavam para faltar às aulas em razão do trabalho agrícola. Contudo, mesmo tendo acesso a outros grupos sociais, pode-se perceber que as mediações por parte de seus pais sempre existiram, pois o pedido dos pais para Ramsés trabalhar no campo apesar de estudar, demonstrava que os pais entendiam a importância de estudar para o futuro do filho. Também mostraram ao filho que ali no meio rural ele teria sua subsistência, sendo de certa forma independente.

Esta independência trazida por Ramsés corrobora com a pesquisa de Stropasolas (2006), que fez constatações de que a liberdade em realizar suas tarefas e de ser dono do próprio negócio faz parte do “trabalhador rural”.

Desta maneira, o jovem Ramsés ao re-significar-se no seu trabalho, percebeu que além de poder agir de certa forma com autonomia em seu serviço, pois não havia um supervisor, constatou aos poucos que sua obra lhe forneceria uma condição e um sentido de viver humano. Assim, o olhar dos pais e de seus familiares sobre a forma dele plantar, colher e desenvolver-se no trabalho agrícola, concedeu lhe aos poucos certa identidade. Como dirá Ferretti (1997) e Marx (1985a), por meio do trabalho o homem consegue promover as condições fundamentais para sua existência.

Portanto, pode-se dizer que diferentemente de seus pais, Ramsés possuiu alternativas em escolher entre continuar seus estudos no meio urbano, tendo que trabalhar neste para manter-se, ou continuar no meio rural sem continuar seus estudos. Ramsés deixa de agir na espontaneidade como dirá Maheirie (1994), para se posicionar diante de suas escolhas. Isto não quer dizer que ele não sofra ou que não tenha sofrido com sua escolha, mas que por ter ele feito e percebido o seu projeto, compreende-se como responsável pelo mesmo. Bohoslavski (2007), em seu livro, descreve que cada escolha estará condicionada a um possível luto, pois quando temos a opção de escolher algo, deixamos também de não escolher e dependendo da dificuldade da escolha existirá um luto. Pois,

[...] quem escolhe não está apenas escolhendo somente uma carreira. Esta escolhendo ‘com o que’ trabalhar está definindo ‘para que’ fazê-lo, está pensando num sentido para a sua vida, está escolhendo um ‘como’, delimitando um ‘quando’ e ‘onde’, isto é está escolhendo o inserir-se numa área específica da realidade ocupacional. (BOHOSLAVSKY, 2007, p.56)

Neste momento de escolher, o jovem precisa saber “quem é” e assim a escolha de Ramsés tornou-se um produto de suas identificações as quais foram mediadas pelo seu Sócio- Histórico, onde seus pais tiveram grande importância.

Relacionado às Diferenças no estudo percebidas entre o meio rural e urbano, Ramsés disse que as compreendeu como sendo “[...]tudo maior e novo no meio urbano”, além de possuir na quinta série muitos professores. Ramsés demonstrou que nas disciplinas teve muitas dificuldades, mesmo tendo professores atenciosos.

Quanto às Amizades do outro meio que não o de sua origem, Ramsés disse não ter e que no tempo em que estudou no meio urbano, foi várias vezes motivos de brincadeiras preconceituosas, por ser do meio rural.

Como dirá Martins (2003), o adolescente no período escolar começa a elaborar o seu projeto de vida. E para que a elaboração e planejamento ocorram é necessário experimentar papéis sociais e ter grupos de amigos com idades próximas, e isso faz parte deste momento de vida. Entretanto, percebe-se que Ramsés não investiu em fazer muitas amizades no meio urbano e talvez isto tenha ocorrido em decorrência destes colegas agirem de forma preconceituosa. Desta forma, o seu projeto de futuro que naquele período, aproximadamente onze anos não era totalmente claro, passou a ser aos poucos traçado por lançar-se em busca do trabalho no meio rural, pois neste ambiente o preconceito não lhe era dado.

Nesta falta de movimento em fazer amigos no meio urbano tem-se a percepção de Ramsés sobre sua identidade, pois ao não perceber os olhares dos outros como sendo de identificação para com sua pessoa, rompe as expectativas de ser aceito e identificado com seus colegas. Desta forma, Ramsés se lança no mundo como jovem rural e não como jovem urbano e ao se perceber no mundo acaba por movimentar-se como o mundo lhe identifica.

Como as relações no meio rural existiam e como sua adequação aos grupos de sua idade no universo do meio rural não ocorreu, nada melhor que continuar com seus amigos que possuíam semelhanças de gostos, anseios, pois como menciona Sartri (2004, p.123), ter amigos nesta fase é essencial, pois o grupo lhe concede apoio aos dilemas desta fase.

Referente às Cobranças internas para terminar os estudos, Ramsés relatou que

“[...] mesmo que seja um agricultor não podia relaxar[...]”, e que não conseguia deixar de ir à aula. No que se refere às cobranças, pode-se perceber que Ramsés não apresentou a partir de sua entrevista questões referentes à “dita” crise nas relações familiares demonstradas por Dayrell (2003) e Peralva (1997). Portanto, as normas pré-estabelecidas pelos adultos não eram renegadas e Ramsés não as questionava. Acredita-se que isto ocorreu, pois o universo social familiar em que o jovem viveu anteriormente à sua migração educacional para o meio urbano, não lhe permitia afrontas ou deslizes, assim a aparente rigidez educacional fez com que Ramsés não transgredisse as normas sociais o que corrobora os dados obtidos nas pesquisas

de Stropasolas (2006) sobre a tendência dos jovens rurais possuírem rigidez na educação por parte dos pais. Contudo, fica a pergunta: como não transgredia as normas as quais seus amigos do âmbito urbano faziam, será que isto fez com que Ramsés não possuísse tantos amigos no meio urbano, se comparado com o meio rural?

b) Pais de Ramsés

A tabela 4, demonstrada a seguir, possui como finalidade demonstrar as falas dos pais de Ramsés sobre questões relacionadas à época de seu estudo no meio urbano, após este tabela seram explanadas evidências fornecidas nas entrevistas.

Tabela 4 - Variáveis que antecederam o término dos estudos e escolha por trabalhar no meio rural, pais de Ramsés.

Subcategoria Unidade de Contexto Elementar

Amizades Touya: “Ele era ajuizado sabia que amizades ter.”

Desempenho do filho no estudo no meio urbano

Seti: “Na média, sempre passava na média”.

Touya diz: “Ele sempre pegou recuperação. Quando ele saiu daqui e foi para lá, na quinta série que tudo era diferente ele reprovou. [...] Daí lá ele rodou no primeiro ano. E depois ele, acho que pegou recuperação um ano, ou dois.”

Seti: “Passava assim, sempre meio apurado”.

Questões financeiras em manter o filho estudando no meio urbano.

Seti: “Aqui não tinha despesa em mantê ele lá, mas só fazia falta na hora do

serviço. Por que não tinha gasto, a prefeitura dava o transporte”.

Touya: “E às vezes nós ajudava, mas não era tão caro e deu pra comprar o que

precisava”.

Seti: “O problema financeiro era, o ponto em que ele estudou não teve, ia tê agora

depois para estudar, pra fazer a faculdade, daí ia ter, ia ter a mão de obra, dele que

ia fazer a falta aqui, e não ia ter a sobra pra pagar esta faculdade pra ele”.

Influências dos pais pela escolha do filho

Seti: “Acho que influenciou, acho porque aqui, como eu falo, a gente trabalha

muito, e ganha pouco, mas tem liberdade, né. Esta liberdade no caso é uma

tranqüilidade também, em relação à violência também né, que eu pra mim também tem essas vantagens também, né. Por questão financeira, não muda muita coisa não também...”.

Influências externas

Seti: “Ele ia vendo que eles estudavam e não tinha aonde trabalhá. Ele estudava, estudava. Foi a questão de meu irmão também, que parô mais para continuar trabalhando, porque ele conhecia muitos advogados que estavam trabalhando como motorista de caminhão e de táxi. Porque não tinham condições de montar ai o consultório deles e ai tinha que trabalhar. E ai acabavam não exercendo a profissão que tinham estudado. E estas foi uma das questão também, porque muitas vezes se tem o diploma na mão e não se tem uma vaga de emprego também”.

Fonte: Elaboração da autora, 2009

De acordo com a tabela 4, a mãe de Ramsés, senhora Touya, quanto as Amizades, seu filho disse que ele era ajuizado sabendo fazê-las no meio urbano. Com relação ao

Desempenho do filho no estudo no meio urbano, Seti e Touya demonstram que seu filho foi

um aluno mediano e que mesmo tendo algumas recuperações no processo de ensino, além de até mesmo ter reprovado uma vez, normalmente passava de ano. Portanto, percebesse-se que Ramsés de acordo com a percepção dos pais não tinha muito interesse pelas aulas, parecendo que seu interesse nos estudos estava muito mais ancorado em passar de ano do que gostar de estudar. E neste sentido, durante a fala de Ramsés, em que demonstrou não gostar muito de estudar, podemos dizer que tanto o que sua família percebeu sobre sua identidade de estudante quanto o que ele mesmo compreendeu possuem o mesmo entendimento.

Nos assuntos referentes às Questões financeiras em manter o filho estudando

no meio urbano, Touya e Seti disseram não terem tido muitos gastos, pois houvera

disponibilidade da prefeitura com ônibus, mas as saídas vespertinas de Ramsés faziam falta no trabalho, uma vez que sua família necessitava de sua mão-de-obra para ajudar na lavoura. O pai de Seti mencionou que não teria condições de manter seu filho estudando fora, pois além de não ter a ajuda de Ramsés, não teria disponibilidade financeira em lhe conceder estudo.

Sobre as Influências dos pais pela escolha do filho, Seti demonstrou na entrevista que percebe que influenciou seu filho quando conversavam sobre a violência que existe no meio urbano e que o salário não compensaria sair do meio rural, pois não seria dono do próprio negócio, ou seja, trabalhando no meio rural “[...] ganha[-se] pouco, mas tem

liberdade [...]” (Seti); a mãe de Ramsés acredita que a influência veio das observações do filho com relação ao meio urbano, pois ele percebeu que poderia estudar e no final do estudo o seu rendimento financeiro não teria um aumento significativo se comparado ao não estudar.

4.1.2.3 Categoria: Percepções sobre a atualidade (projetos e perspectivas de futuro) diante da

No documento 'O apego às origens' (páginas 57-63)