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TRABALHO

No documento 'O apego às origens' (páginas 37-42)

O trabalho é a gênese do desenvolvimento do ser humano, pois é por meio da realização dele que a história se reproduziu e o homem deixou de ser apenas natureza para ser humano. Assim, ao compreendermos trabalho como uma atividade na qual existem gastos energéticos os quais estão atrelados a um investimento de tempo e que paralelamente possui ora de forma explícita, ora de forma implícita, o interesse de sentir-se realizado, torna-se uma compreensão muito simplista. Pois, ao exercer o trabalho, o homem demonstra que não se satisfaz apenas em querer suprir suas necessidades básicas, mas que possui como objetivo, segundo Konder (1999, p. 24), dominar as energias da natureza fazendo com que elas lhes sirvam, possibilitando assim prever as intempéries da natureza deixando de ser sujeitado a ela.

Mas, como a execução do trabalho possui um valor na modernidade, será que o sentido de exercê-lo é simplesmente ter a remuneração ao seu final? Será que este transformar-se por meio de transformar a natureza de forma dialética8 se perde com o trabalho alienado?

Diante destas questões Marx (1984a, p. 98-209) demonstra que a mercadoria (trabalho) torna-se para seu possuidor moeda de troca, ou seja, o trabalhador exerce sua atividade e dela obtém um valor. Porém, quem produz não é dono do local, das ferramentas, pois estas pertencem ao proprietário ou contratante, o qual por sua vez possui lucro sobre o trabalho realizado. Portanto, o sujeito que realiza o trabalho quando apenas vende sua força de trabalho, deforma seu sentido, pois se anula de forma a não re-significar-se nele e, por conseguinte, desconhece a sua obra.

Diante deste, desconhecer-se na obra realizada se compreende como alienação9 e esta ocasiona sofrimento, pois o ser humano ao moldar a natureza, diferentemente dos animais que simplesmente agem para aplacar as necessidades elementares de seu meio, agindo por motivos além de essenciais estratégicos, tais como prever e planejar o futuro. Assim, segundo Konder (1999, p. 28), o homem necessita sentir-se realizado não apenas por um valor, mas por perceber-se homem, ou seja, quando a atividade é realizada como mercadoria o homem deixa de ser homem e passa a ser coisa.

8 Dialética – trata-se de um movimento espiral que se refaz num movimento constate de re-significação. Hegel (2005, p. 15), descreve a dialética como sendo um sistema filosófico onde se incluem partes positivas e negativas, que por meio de um processo o objeto se torna falso para depois chegar-se a um verdadeiro.

9 Alienação no trabalho – segundo Marx (1984b, p. 664), trata-se da “[...] separação entre o produto do trabalho e o próprio trabalhador, entre as condições objetivas do trabalho e a força subjetiva do trabalho [...]”.

Neste sentido, realizar-se na natureza, identificar-se com o que realiza e re- significar-se na obra configura-se como sendo uma condição e um sentido para o viver humano. Pois, a realização está mediada pelo aprendizado próprio, de quem executa a atividade e também pela necessidade da aprovação pelo “olhar” dos outros. Já que desta forma existe um reconhecer-se no que se faz, e, por conseguinte, o trabalho se torna uma extensão do sujeito que o realizou, tal como um cartão de visitas. Nas palavras de Ferretti (1997, p. 83), “Trabalho é o processo através do qual o homem produz as condições necessárias à sua existência. Como? Através da transformação da natureza.”. Em suma, ao modificarmos a natureza com o intuito de melhorar nossas condições sociais nos transformamos. Comenta Malvezzi (2004, p. 13):

O trabalho é uma prática transformadora da realidade que viabiliza a sobrevivência e a realização do ser humano. Por meio do ato e do produto de seu trabalho o ser humano percebe sua vida como um projeto, reconhece sua condição ontológica, materializa e expressa sua dependência e poder sobre a natureza, produzindo seus recursos materiais, culturais e institucionais que constituem seu ambiente.

Sendo assim, por ser o homem imerso numa sociedade, o sentido atribuído ao trabalho se faz relevante se existe o espaço social, pois é no meio das relações que a necessidade do trabalho mostrar-se-á presente. E em decorrência das re-significações obtidas com o trabalho ao transformar a natureza é que o homem torna-se homem. Desta forma, “Através da socialização, cada indivíduo vai-se configurando como uma pessoa, na qual o social é, por princípio, e desde o principio, constitutivo essencial de cada pessoa humana e, por conseguinte, a existência de uma sociedade.” (LUNA E BATISTA, 2001, p.45).

2.3.1 Trabalho no meio rural

Na história humana os meios rurais e urbanos estão delimitados por uma exigência social. Em Atenas, a cidade completamente fortificada tinha os dois meios (rural e urbano), mas a agricultura sofria nesta época com as técnicas rudimentares, pois os descasos com a terra do passado geravam danos à mesma. Assim, de acordo com Sennett (2001, p. 30- 33), a agricultura baseava-se em uma pequena propriedade, onde trabalhavam o arrendatário e em média dois escravos e a colheita fornecia comida a todos os atenienses. Desta forma, nascia o comércio de alimentos, pois a escassez era uma realidade e havia a praticidade por

residirem no litoral, para que por meio dos portos, importassem os produtos que em suas terras não eram produzidos.

Mas, como a agricultura durante muitas décadas não conseguiu se reerguer, a descoberta de alguns minérios tais como a prata fez com que a massa trabalhadora se interessasse a trabalhar não mais no campo da agricultura, mas na busca de pedras, pois a possibilidade de ter uma descoberta e ficar financeiramente bem amparado era maior do que trabalhar na lavoura. Com estas descobertas nasceram das mãos de inúmeros trabalhadores os esplendorosos templos, mostrando um lado pouco conhecido da vida em Atenas, segundo Sennett (2001, p. 35) de “poeira, pó, urina e óleo de frituras”, tudo tinha aparência de sujeira, quanto aos homens estes nunca descansavam e o trabalho não era visto como uma função social, pois era visto como algo degradante; já que os nobres se reservavam ao direito do ócio. Diante desta nova forma de trabalhar para construir é que surgirão os primeiros trabalhos em escalas, pois vários trabalhadores irão fazer inúmeras tarefas sendo o final o objetivo comum. Entretanto, o objetivo comum nem sempre foi realizado de forma consciente, pois a sua realização estava mais atrelada às necessidades primárias do que qualquer outro sentido. Desta forma, dirá Sennett (2001, p.34), esta “[...] economia assim estressante é que viabilizou a civilização urbana, ao preço de um amargo antagonismo que marca os significados dos termos ‘urbano’ e ‘rural’. No idioma grego, tais expressões, asteios e agroikos, também podem ser traduzidos como ‘refinados’ e ‘embrutecidos’.”.

Saindo desta construção histórica global antagônica e mergulhando nos aspectos históricos do Brasil relacionados ao meio rural e ao meio urbano, Holanda (2008, p.49) esclarece que a colonização brasileira iniciada por meio da agricultura e logo após, com a exploração do minério; foi feita com o interesse de obter lucro, já que a agricultura em Portugal, assim como em tantas outras nações era vista como algo desprezível. Este desprezível, abordado pelo autor, trata-se de uma reflexão, pois os colonos que aqui chegaram não tinham muitas vezes habilidade para manusear a terra e as suas técnicas eram extremamente rudimentares e isto demonstra que diante de tantas terras férteis o compromisso seria gastá-las e se caso acontecesse arruiná-las, não seria problema.

Com a vinda da família portuguesa ao Brasil é que se começa a transformar as cidades brasileiras, a implantação de universidades passou a existir, entretanto nas outras colônias espanholas o acesso a universidade já havia se tornado uma realidade. Diante destes fatores, podemos perceber que tanto a agricultura quanto a história da educação, foram de certa forma desvalorizada desde nossa colonização. Pois, sobre os aspectos agrícolas não havia o interesse que o uso da terra fosse mais correto, prevenindo desmatamentos; agia-se

como uma terra infinita, somente para o presente. E nos aspectos referentes à educação, os cidadãos que conseguiam sair para estudar, de acordo com Holanda (2008, p.157), faziam este movimento com o interesse em conseguir, ao retornar ao Brasil, um emprego liberal ou público, pois o título que agora os identificaria seria percebido como um acréscimo com sinônimos de valoração à personalidade.

Todavia, o advento da industrialização e o advento do capitalismo como economia globalizada, faz com que todos estes antagonismos entre os meios rurais e urbanos não fossem mais tão discrepantes. Na contemporaneidade não existem mais limites tão claros entre o meio rural e o meio urbano, já que o acesso à informação realizado pelos canais de televisão, pelos rádios, celulares, telefones fixos, eletricidade e veículos de transporte; de certa forma entrelaça valores.

Mas, como há sempre por trás de nossa construção identitária um meio sócio- histórico-cultural que nos embasa, a forma com que compreendemos o mundo nem sempre corrobora os ideais de projetos de ser, vinculados pelos veículos de informação. Assim, segundo Stropasolas (2006) aos aspectos que movimentam os projetos de jovens rurais, “[...] explicam projetos de vida com sentidos muitas vezes divergentes entre si em que, uns apontam para a cidade ou mesmo para a universidade, enquanto outros demandam à propriedade.” (2006, p.169).

A família dos agricultores da pesquisa de Stroposolas (2006) é representada como sendo sólida e solidária, pois a colaboração faz parte de seu trabalho. Mesmo que o tempo passe e a família se modifique ela continuará na mesma localidade com características do “ethos de colono” (p.40). Os jovens nascem neste ambiente familiar e social, onde casar é uma conseqüência, e formam uma nova família, através do casamento aumenta-se a família de origem, pois “duas famílias se casam” (p.41) à rigor e isto corrobora para a sucessão da agricultura familiar.

O espaço de socialização nas localidades agrícolas normalmente ocorre em capelas que, segundo Stropasolas (2006, p. 130), trata-se da institucionalização própria dos imigrantes europeus, que no início da colonização brasileira para demonstrar seu prestígio tinham em suas terras, as capelas, o cemitério, um conglomerado de casas e a escola, além de uma bodega.

Entretanto, os tempos mudaram e a agricultura não se mostra mais tão prestigiosa, e na contemporaneidade a dinamização mais freqüente na vida dos colonos ocorre aos finais de semana, e segundo Stropasolas (2006, p.132), ocorre quando seus filhos que migraram para o meio urbano retornam. Portanto, as manifestações culturais que ocorriam, diminuíram com

o tempo em função das famílias quererem ficar próximas, no conforto do lar com as visitas de seus filhos.

Os jovens que migram para o meio urbano, de acordo com a pesquisa de Stropasolas (2006, p.132), o fazem movidos por questões financeiras, entretanto “quando a

pessoa sai ela gasta muito”. Sobre os jovens que resolvem ficar no meio rural a sobrecarga do trabalho ocorre, pois o número de filhos na atualidade não é mais o mesmo se comparado ao que ocorria até a década de 70 do século XX.

Mesmo com o trabalho tão sobrecarregado estes jovens não possuem como característica fazer por fazer, pois desde pequenos compreendem sua “[...]identidade étnica, cujas ‘virtudes’ e particularidades procuram ser repassadas através de um processo de aprendizagem no próprio grupo familiar, em que a geração ascendente transmite os saberes práticos à outra geração. (Stropasolas, 2006, p.135).

Cabe salientar que o trabalho realizado por estes jovens é metódico, organizado, sendo motivo de honra sua e de sua família. O início das atividades relacionadas ao trabalho, na agricultura familiar, inicia-se de acordo com Stropasolas (2006, p. 210) “[...] desde muito pequenas, associando trabalho e manifestações lúdicas.”.

Crescendo neste meio social, onde os pais são seus principais companheiros, os jovens aprendem a importância da família e da terra. Portanto, o projeto comum da maioria dos jovens trata da aquisição de terras para trabalhar para si e isto tem função expressa de “[...] instrumento de liberdade e do direito de governar a si próprios [...]” (STROPASOLAS, 2006, p.188). Relacionado aos jovens que saem para trabalhar na pesquisa de Stropasolas (2006, p.226) encontra-se o seguinte relato: “Você não tinha uma norma para seguir, não

tinha um padrão exigido para você fazer; aqui já não, aqui você tem que trabalhar em função do patrão, de uma norma [...]”.

Com o que foi visto, sobre trabalho e trabalho no meio rural, percebe-se a importância do sentimento para os jovens do meio rural, de “ser dono de seu próprio trabalho”, já que estes que a atividade que realizam é sua extensão, ou seja, percebem que a sua realização em fazer algo é maior do que a obtenção do salário. O sentido do trabalho está ligado em suas vidas de forma bastante intrínseca como seu próprio nome. Esta identificação, conforme visto na pesquisa de Stropassolas (2006), faz com que muitos jovens do meio rural não saiam de suas origens, pois deixariam de ser donos de sua força de trabalho e isto vai de encontro ao seu entendimento de liberdade.

No documento 'O apego às origens' (páginas 37-42)