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características no Estado de São Paulo

2.4. Classificação das irregularidades em assentamentos populares e categorização dos fatos geradores

2.4.1. Categorias de fatos geradores de interesse social

Relembrando o fato gerador como a ação primeva de formação do assentamento irregular, devemos identificar as diversas categorias pelas quais se divide para melhor compreender a sua lógica.

Assentamento resultante de invasão de propriedade alheia

Os assentamentos resultantes de invasão são aqueles nos quais a população faz valer da sua condição de fragilidade social para impor o direito de moradia por sobre o direito da propriedade. Geralmente ocorrem em terrenos baldios e ociosos, que não cumprem a sua função social, mas podem também ser em lotes com construção desabitada. Nesse caso, a efetuação da oposição é o fator que servirá no fiel da balança para dar contrariedade à ação de ocupação. A sua inexistência respalda juridicamente o não cumprimento da função social.

Há também as invasões de edificações, mas não consideraremos essas no trabalho, por serem de outra amplitude, como é o caso das obras inacabadas de empresas públicas ou edifícios ociosos ou objeto de inventário, principalmente nos grandes centros.

As invasões em áreas ociosas podem ocorrer de forma espontânea ou organizada. Consideramos a primeira quando a população toma a iniciativa, seja por uma ou poucas famílias, ou grupos que não sejam representados por nenhuma entidade ou que não tenham liderança ativa. Nesse caso, a ocupação geralmente se dá num contínuo temporal, agregando mais famílias ou indivíduos, na medida em que se percebe a vulnerabilidade da área e o respaldo da iniciativa primeva. Já as iniciativas organizadas têm o respaldo ou instrução de alguma entidade, que sejam movimentos sociais ou associações, e em outras épocas, até partidos políticos. Possuem liderança ativa e, algumas, personalidade jurídica. A inexistência de fins lucrativos ou a não efetuação da venda dos lotes as diferencia da grilagem.

O objeto do assentamento pode ser terreno público ou privado, o que será determinante na contextualização da oposição. Ambos podem lançar mão dessa ação, contudo, moralmente, o Poder Público tem observado a relevância da solução do problema, salvo quando se trata de situação não consolidada em áreas específicas de segurança ou de proteção.

O litoral caracteriza-se por uma concentração de bens da União, tais como o mar territorial, as praias marítimas, as ilhas oceânicas e costeiras, os terrenos de marinha e seus acrescidos. Também e no litoral que se concentra a maior parte da população urbana brasileira e onde se observa a maior parte das irregularidades fundiárias em bens da União.

Tendo em vista as peculiaridades desta região, a regularização fundiária nesses locais deve considerar também leis específicas, como a Lei de Gerenciamento Costeiro, bem como parceiros específicos, como a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (SEAP), Capitania dos Portos e as instituições portuárias. Os instrumentos de regularização fundiária aplicados aos terrenos de marinha são os mesmos de todos os outros bens da União, com exceção da alienação. (SAULE Jr; FONTES coords, 2006:89).

Os imóveis da União são bastante suscetíveis, nesse sentido. A formação de favelas e palafitas se dá na sua grande maioria em ou imóveis da União ou em áreas de proteção ecológica.

Loteamento grilado de terreno público ou privado

A grilagem é a ação de venda das parcelas do terreno sem a autorização e conhecimento do proprietário, e como tal é uma atividade comercial, e assim como o parcelamento, é clandestina. A grilagem foi criminalizada pela Lei No

6.766/79 e lesa tanto o proprietário do terreno como os adquirentes dos lotes. Contudo, é fato que a maioria dos compradores sabe que não se trata de uma operação legal, mas ainda assim concluem o negócio. Segue um trecho de palestra ministrada pelo jurista Gilberto Valente da Silva, no Instituto de Registro Imobiliário do Brasil:

Por derradeiro, há os loteamentos executados criminosamente, por pessoas que não têm e nunca tiveram quaisquer direitos sobre a gleba loteada. São verdadeiros estelionatários, que prometem vender ou vendem imóveis dos quais nunca foram proprietários e sobre os quais nenhum direito real possuem. Para esses últimos loteamentos não há a menor possibilidade de regularização. (SILVA, GILBERTO VALENTE da 2003)19

Em contrário, o interesse nessa categoria é que o encaminhamento da regularização pressupõe a consideração da solução para o problema da propriedade do imóvel, primeiramente. Caso se trate de área pública, pode ser feita a desafetação nos termos da lei, a depender da utilidade a que se destina o imóvel. No caso de área particular, é possível efetuar um acordo, mediado pela Prefeitura, com a transferência do direito de construir para compensar ou minimizar os prejuízos do proprietário. O Poder Público pode ainda desapropriar a área mediante pagamento com títulos da

19 Encontro de SP no Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, Sala Temática: Regularização Fundiária, 13

de agosto de 2003. Disponível em http://www.irib.org.br/salas/boletimel775a.asp, consultado em 07/07/2009.

dívida pública, processo que se mostra lento, muitas vezes mais do que a ação de reintegração de posse.

As ações jurídicas contemplam diversos instrumentos para transformar a posse legítima — ou seja, contínua, sem oposição e destinada à moradia — em propriedade titulada. A primeira condição é ordenar prioritariamente as ações referentes à ocupação de propriedade particular ou de área pública. Para o primeiro caso, há a doação, mais incomum, mas pertinente para formalizar negociações que envolvam dívidas tributárias imobiliárias; a usucapião urbana, como nos explica Afonso e Norma & Lacerda (in Fernandes; Alfosin orgs., 2006a) e Costa; Grazia et al.(2002), como meio

de oficializar a posse consolidada, fazendo valer a função social sobre a propriedade subutilizada; e por fim, Costa; Grazia et al. (2002) nos esclarecem sobre a desapropriação e a compra direta ou em sistema cooperado.

Loteamentos privados em área de propriedade reconhecida (clandestino e irregular)

O loteamento e venda dos lotes realizados pelo proprietário em desacordo com a legislação pode estar em duas subcategorias: o parcelamento clandestino ou promovido sem anuência do Poder Público, através dos órgãos responsáveis, ou os irregulares, aprovados pelos órgãos públicos municipais e

Figura 02-a Mogi das Cruzes: Loteamento particular em área de propriedade reconhecida. Agente promotor: Emílio Frederico Oliveira.

estaduais responsáveis, quando for o caso, mas realizados em desacordo com as normas técnicas. Nessa categoria, o fato gerador não só é o fazer, mas pode ser também o deixar de fazer; como no primeiro caso é o de deixar de aprovar o projeto.

Assentamento promovido pelo poder público

Os assentamentos promovidos pelo poder público também são repletos ou completos de irregularidades. Essa condição se dá em praticamente todas as instâncias, tanto municipais como estaduais e federais. Todos em algum momento já ouviram falar de algum Prefeito de cidade pequena que distribui lotes, casas e material de construção em troca de votos em ano eleitoral. Pra não dizer que é uma ocorrência apenas em lugares afastados ou atrasados, a

própria CDHU possui, só no Programa Cidade Legal, 565 empreendimentos irregulares no Estado de São Paulo, computando 153.368 unidades habitacionais ao todo.

Figura 02-c Mogi das Cruzes – Loteamento Piatã A: Empreendimento promovido pelo Poder Público. Agente promotor Prefeitura Municipal de Mogi das Cruzes.

Figura 02-b Taubaté – Loteamento Chácara Dallas: Empreendimento privado em área rural não consolidado. Agente promotor: Geraldo Joaquim.

O fato gerador da irregularidade promovida pelo Poder Público surge pela impossibilidade da transferência da unidade habitacional para o beneficiário e porque os agentes promotores do empreendimento ou não possuem a propriedade do imóvel, não obtiveram a imissão na posse ou não concluíram os processos de desapropriação necessários, nos casos em que houve ocupação das unidades sem autorização, antes do habite-se. A distinção dessa categoria é que há uma propensão à regularização por todos os agentes envolvidos.

Figura 02-d Mogi das Cruzes – Loteamento Piatã A: Empreendimento promovido pelo Poder Público. Agente promotor Prefeitura Municipal de Mogi das Cruzes.

Figura 02-e Mogi das Cruzes – Loteamento Piatã B: Empreendimento promovido pelo Poder Público. Agente promotor Prefeitura Municipal de Mogi das Cruzes.

Assentamento de comunidades tradicionais

As comunidades tradicionais são uma categoria à parte, e a nosso ver, sequer deveriam estar incluídas em alguma categoria. São comunidades assentes em localidades consolidadas por décadas e até séculos, algumas anteriores a todas as legislações pertinentes ao tema, inclusive anteriores à Lei da Terra. São compostas por comunidades quilombolas, vilas de pescadores, grupos extrativistas, ilhéus isolados, populações ribeirinhas. A esses, a regularização deveria ser feita objetivamente pela demarcação técnica e regularização por ação judicial ou decreto. A discussão em torno dessas comunidades só pode caminhar na permanência e conservação das suas tradições. O Governo Federal já possui o Programa Brasil Quilombola que trabalha no tratamento da questão. Afirma Saule Jr. & Fontes (coords, 2006:107) que coordenado pela Secretaria Especial de Promoção de Políticas da Igualdade Racial (SEPPIR), por meio da Subsecretaria de Políticas para Comunidades Tradicionais, a União pôs em prática em 2004 um conjunto de ações integradas entre diversos órgãos governamentais a fim de implementar políticas publicas que atendam às peculiaridades das comunidade quilombolas. Falta um plano de regularização que atenda a todas.

Figura 02-f Areias – Bairro do Alegre. Remanescente de assentamento quilombola.

Assentamentos em áreas de proteção (parcelamentos privados e invasões)

A invasão de áreas de proteção é a categoria mais frágil e mais complexa. A fragilidade decorre da condição de serem áreas livres e, portanto, desprotegidas, não raramente havendo um agente contestador. Nessa condição de áreas livres, deve ser mesmo a legislação a mais rigorosa o possível para que se consiga de algum modo inibir as ações predatórias de elementos fundamentais para a composição das microbacias e em alguns casos das fontes de abastecimento das cidades. Decorre daí a sua complexidade.

Nessa lógica, a legislação é tão rigorosa que exige a sua completa desocupação, assim, não há a possibilidade de se executar qualquer empreendimento em sintonia com a sua preservação. Essas áreas, então, tornam-se suscetíveis a ocupação apenas daqueles que não têm nada a perder. Ou seja, são áreas que têm como destino as ocupações com alto grau de impacto ambiental e nenhum recurso para adequação técnica. A Universidade de São Paulo possui terreno em área de manancial às margens da Billings. Lá não é permitida a construção de um museu, um centro cultural ou um centro de pesquisas; edificações que poderiam facilmente ser resolvidas tecnicamente e adequadas ao lugar. Contudo, a legislação obrigou a área a permanecer livre até que fosse invadida e lá erguido praticamente um bairro.

Figura 02-g Mogi das Cruzes - Jardim Esperança: Assentamento espontâneo em área de APP

Soma-se a essa fragilidade a tradição portuguesa de ocupação espacial colonial desordenada, das margens dos córregos e à beira-mar, e temos uma cultura de apropriação do espaço que desconsidera os cursos e recursos naturais. Mais um elemento de incentivo às populações de baixa renda. Como comentamos, essa é uma componente da cultura da terra que opera no imaginário popular sendo um dos fatores do descaso com o ambiente.