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que não houve pelo Projeto de Lei N o 3.057/00 e a que houve pela

1.3.1. Comentário sobre importância da Lei N o 6.766/

Muitas análises já foram feitas a respeito do texto original da Lei No

6.766/79, a chamada Lei Lehmann, que permitiram não só a compreensão dos seus mecanismos, mas também o seu papel como uma legislação que, antes de tudo, instituiu um princípio geral e não apenas um compêndio de normas: foi essa legislação que impôs responsabilidades ao empreendedor ao exercer a atividade de parcelar o solo urbano. Apesar das omissões e limitações nela contidas, pelo seu caráter inovador quanto às considerações sobre os fundamentos de construção da cidade, alterando paradigmas que questionam desde a tradição de produção do espaço às possibilidades de regularização, o período subseqüente de aprendizado sobre os seus princípios de aplicação e os desdobramentos práticos na realidade cotidiana se mostrou como uma arena de debates constantes sobre a evolução que seria necessária para que ela atendesse à complexidade jurídica e técnica do parcelamento do solo.

O debate em torno das propostas realizadas com a evolução dessa legislação está longe de se esgotar, apesar de, em alguns momentos, certas sínteses se cristalizarem, permitindo uma análise mais contundente sobre os objetivos por trás dos princípios oferecidos pelo texto federal. Como vimos, por diversas razões, a questão da regularização na legislação será ainda, por um longo período uma questão aberta, principalmente por tratar de um assunto multidisciplinar, multissetorial e que atinge às camadas mais desassistidas da sociedade. As premissas para discussão de um princípio objetivo para a transformação da realidade imediata passam por questões além de complexas, bastante diversas, mas, sobretudo subjetivas. Confluem questões sociais e econômicas, como o poder aquisitivo de grande parte da população e a capacidade e prioridade dos investimentos públicos; confrontados com os interesses imobiliários legítimos, como setor de atuação mercadológica, de investimento e produção de riquezas e desenvolvimento, ou ilegítimos, como a pura especulação e apropriação de valor e mais-valia do investimento público; isto somado a questões ambientais urbanas e naturais; tudo regido por uma normatização que pretende, através de um conceito e alguns instrumentos, amarrar todas essas linhas, por vezes bastante divergentes, procurando reverter um processo histórico arraigado nas estruturas sócio-espaciais brasileiras. Portanto não podemos esperar do debate legal uma conclusão consensual,

que seja a plena expressão da necessidade de agilidade da sociedade na solução do problema. Ele será conturbado e moroso, como tem sido. Podemos identificar aí, então, os motivos dessa discussão não ser uma evolução linear e por vezes e em algumas questões retroceder a condições inferiores aos valores estipulados pelas legislações anteriores.

Pretendemos então comentar os princípios que regem os debates em torno da revisão da Lei No

6.766/79, interessando-nos, principalmente, por ora, aqueles que convergem nas diretrizes para regularização fundiária e que trataram da competência dos agentes públicos, principalmente o estadual, no processo de parcelamento do solo. Para tanto, vamos analisar a própria conceituação da Lei Lehmann, sem nos atermos nos detalhes de uma análise já exaustivamente debatida em diversos artigos, dissertações e teses, dada a sua vigência por mais de 30 anos. Apenas destacaremos aquilo que se manteve ativo no debate de sua revisão pelas Leis No

9.785/99, No

10.932/04 e No

11.445/07, bem como realizaremos um comentário sobre a discussão em torno da composição do Projeto de Lei No3.057/00, substitutivo da

No

6.766/79, que não foi aprovada devido à sua complexidade e, portanto, à dificuldade de consenso nos dez anos em que se arrastaram os debates, cravados por conflitos, incongruências e tentativa de impor retrocessos, apesar dos ganhos e avanços. Por fim, faremos um breve comentário sobre a Lei No

11.977/09, que finalmente ofereceu alguma síntese aos trabalhos.

No tocante à sua importância como marco divisor da evolução conceitual sobre o parcelamento do solo, sobre a atividade comercial imobiliária e a preservação das condições ambientais naturais e urbanas, não há como negar que a Lei No

6.766/79 trouxe inúmeras inovações fundamentais e de grande alcance. Citando apenas dois dos mais marcantes, só a definição das formas de parcelamento e a criminalização da atividade de parcelamento clandestino ou irregular, mesmo carentes de um aperfeiçoamento — o que foi revisado posteriormente —, já valeram como elementos norteadores de uma nova política de transformação do espaço das cidades. Porém, por si só, a Lei Lehmann não foi suficiente para determinar uma política de planejamento que contemplasse toda a necessidade de ordenamento do espaço urbano, principalmente em relação ao acesso ao solo e à moradia, — tanto que se fez essencial

a ordenação conceitual realizada pelo capítulo sobre Política Urbana na Constituição de 1988, a sua regulamentação efetuada no Estatuto da Cidade de 2001 e as subseqüentes elaborações das leis municipais, principalmente dos Planos Diretores — mas, ainda assim, influenciou positivamente na capacidade do Poder Público para atuar no controle das forças convergentes e os agentes interessados na questão da produção do espaço.

Numa breve análise do que foi a outorga da Lei No

6.766/79 segundo os seus princípios fundamentais mais transformadores, deve-se mencionar que foi uma lei que, estabelecendo através de Lei Federal a prerrogativa do Município sobre o parcelamento do solo urbano, também permitiu que Estados, Distrito Federal e Municípios estabelecessem normas complementares, tanto aprimorando a legislação federal quanto sobre a competência municipal, de modo a adequá-la às especificidades locais e regionais. Enumerando nos dois primeiros parágrafos do seu artigo 2º as formas de parcelamento da gleba, define-as em ambas as maneiras passíveis, como o loteamento e o desmembramento, em função da criação ou não de novas vias de circulação e logradouros públicos, respectivamente. Neste ponto das definições, chama a atenção que a revisão promovida pelo artigo 2º da Lei No

9.785/99, paralelamente, acrescenta três novos parágrafos que trazem noções que complementam tais conceitos. O primeiro é a definição de lote a partir da existência de infra-estrutura urbana básica em um determinado terreno, cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos constantes do Plano Diretor ou de Lei Municipal de Zoneamento; o segundo é a identificação dos equipamentos que constituem a infra-estrutura urbana; o terceiro é a consideração sobre o mínimo de elementos infra-estruturais a serem realizados em Zonas de Especial Interesse Social (ZEIS).

A distinção dos índices urbanísticos condicionados ao Plano Diretor foi um passo no sentido de adequar a Lei Lehmann às políticas de transferência para os Municípios das deliberações imediatas sobre o espaço urbano. Tal associação do lote à infra-estrutura classifica duas categorias: a do terreno bruto, de um lado, e aquilo que é o objeto final da legislação do parcelamento, o lote, como um produto qualificado da atividade de parcelamento. O resultado dessa definição é o encerramento da discussão sobre os limites conceituais do objeto de produção do espaço urbano, não cabendo a

comercialização ou qualquer forma de alienação do parcelamento que não atenda a tais exigências técnicas e de configuração.

Concomitantemente, a tipificação do crime de parcelamento clandestino do solo urbano foi fundamental para principiar a possibilidade de encerramento do ciclo vicioso pelo qual o loteador transferia para o Poder Público a responsabilidade técnica da sua atividade econômica, agravado pela possibilidade de criar subterfúgios nominais para se desvincular juridicamente dos seus bens e assim fugir do alcance de uma condenação, assim tornando nula a obrigação efetiva de solucionar os problemas urbanísticos gerados pela falta de infra-estrutura. Como crime, com pena prevista em lei, mesmo que o Poder Público não consiga alcançar os seus bens para cobrir os custos da regularização, ainda assim o loteador clandestino é desestimulado sob o risco de ser punido com prisão.

A questão da tipificação ficou a critério do artigo 37, que veda a venda ou promessa de venda de parcela de loteamento ou desmembramento não registrado, e suplementado pelo artigo 38, que obriga a que o adquirente suspenda o pagamento direto ao loteador das parcelas restantes acordadas, depositando-as em estabelecimento de crédito indicado pelo Cartório de Registro de Imóveis e notificando o loteador para que ele supra a falta técnica no cerne da pendenga. Só a regularização da situação técnica e registrária permitem ao loteador voltar a receber as prestações devidas, com direito inclusive de sacar as parcelas restantes depositadas junto ao CRI, mediante citação da Prefeitura Municipal ou do Distrito Federal e do Ministério Público para acompanharem o processo. Caso vença o prazo contratual para o pagamento das prestações sem que o loteador atenda à notificação de regularização da questão registrária ou quando o desmembramento ou loteamento forem regularizados pela Prefeitura Municipal, ou pelo DF quando for o caso, o loteador perde o direito de resgatar o montante depositado. Assim, com esse instrumento, não perdendo a capacidade jurídica de atingir os bens do loteador, ainda alcançou o poder de puni-lo criminalmente e impedir a continuidade do negócio comercial.

Nesse sentido, pode-se medir a importância do artigo 40, que, dando contorno à questão, estabeleceu um novo paradigma para a perspectiva do Poder Público para resguardar o controle sobre a construção do espaço público, bem como

proteger o direito das populações envolvidas, proporcionalmente à sua condição social e capacidade de autodefesa, reservando para si os recursos dos adquirentes para complementar os investimentos realizados com a regularização do parcelamento. Além disso, esses investimentos, na parte que lhe falta para completar os recursos gastos, podem ser cobrados judicialmente do loteador. Estabelece a referida legislação:

Art. 40 A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes.

§ 1º A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, que promover a regularização, na forma deste artigo, obterá judicialmente o levantamento das prestações depositadas, com os respectivos acréscimos de correção monetária e juros, nos termos do § 1º do art. 38 desta Lei, a título de ressarcimento das importâncias despendidas com equipamentos urbanos ou expropriações necessárias para regularizar o loteamento ou desmembramento.

§ 2º As importâncias despendidas pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, para regularizar o loteamento ou desmembramento, caso não sejam integralmente ressarcidas conforme o disposto no parágrafo anterior, serão exigidas na parte faltante do loteador, aplicando-se o disposto no art. 47 desta Lei. § 3º No caso de o loteador não cumprir o estabelecido no parágrafo

anterior, a Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, poderá receber as prestações dos adquirentes, até o valor devido.

§ 4º A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, para assegurar a regularização do loteamento ou desmembramento, bem como o ressarcimento integral de importâncias despendidas, ou a despender, poderá promover judicialmente os procedimentos cautelares necessários aos fins colimados.

Já a questão da penalização da atividade de loteamento irregular ficou a critério do artigo 50, cuja redação é enfática na atribuição sanção, ressalvado apenas o disposto no artigo 18, que trata de assentamento de interesse social, do qual é dispensado título de propriedade em imóvel declarado de utilidade pública, em processo de desapropriação judicial em andamento e imissão provisória de posse promovida por quaisquer instâncias públicas ou entidades delegadas. Rege da seguinte forma sobre a questão o referido artigo:

I - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios;

II - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem observância das determinações constantes do ato administrativo de licença;

III - fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.

Pena: Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Parágrafo único. O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido: (...)

4. por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no Registro de Imóveis competente;

5. com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado ou desmembrado, ressalvado o disposto no art. 18, §§ 4º e 5º, desta Lei, ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não constituir crime mais grave.

Pena: Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Do mesmo modo, também é qualificado como crime pelo artigo 52 da referida Lei o registro de parcelamento não aprovado, o registro de compromisso ou contrato de venda e compra e a cessão ou promessa de cessão de direito de parcelamento não registrado, com pena prevista de 1 a 2 anos e ainda multa de 5 a 50 vezes o maior salário mínimo vigente no país. Com isso, se associam a responsabilidade dos agentes registrários na responsabilidade por zelar e fiscalizar pela ordem pública mesmo na ausência efetiva do Estado.

Nos critérios facilitadores, a Lei No

6.766/79 possibilita o abrandamento dos parâmetros urbanísticos para os parcelamentos de interesse social, mas não oferece os instrumentos urbanísticos e ambientais que viabilizariam a regularização fundiária nas condições e dimensões que a realidade urbano-ambientais exigem. Nos poucos artigos que tratam da questão, suas normas não constituem uma visão sistêmica para o planejamento; e, como foi definida num momento histórico específico, propriamente identificado com o período da ditadura militar, possui uma visão de planejamento

unilateral, do Poder Público para a comunidade, como mecanismo de controle e ordenação da produção imobiliária do espaço e não como uma ação participativa. A comunicação entre as instâncias sociais e os planos administrativos não estão plenamente representados nos mecanismos de uso e ocupação do solo que ela regulamenta, não estabelecendo plenamente uma gestão democrática do espaço urbano.

Por outro lado, a Lei não regulamenta questões relevantes, como novas formas de parcelamento que não apenas o loteamento e o desmembramento, que se alastram pelas cidades de médio e grande porte, como os condomínios fechados, e não cita outras formas já historicamente consolidadas e que poderiam equilibrar soluções para a questão da habitação, como as vilas e os empreendimentos cooperativos ou auto-construídos, por exemplo. Parte dessa nova realidade foi considerada pelo capítulo sobre Política Urbana da Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade, mas ainda a estrutura conceitual do direito urbanístico carecia de um substitutivo à altura do problema, das circunstâncias e do momento histórico que conjuga as discrepâncias espaciais que as nossas cidades guardam. Deste modo, não só sua revisão se tornou fundamental, como também uma nova legislação se fazia necessária. O início da transformação principiou em 1999, com a Lei No

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