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Incidência numérica e espacial A irregularidade traduzida em números

características no Estado de São Paulo

2.2. Incidência da irregularidade territorial

2.2.1. Incidência numérica e espacial A irregularidade traduzida em números

Segundo Rolnik (org, 2007:7), a pesquisa Perfil Municipal (Munic-IBGE 2000), constatou que há assentamentos com alguma irregularidade administrativa, patrimonial ou clandestinos em praticamente 100% das cidades brasileiras com mais de 500 mil habitantes, 80% nas cidades com menos de 500 mil e 30% dos Municípios com menos de 20 mil habitantes. Todavia, é difícil ter um valor exato da incidência da irregularidade, pois ela não é objeto de estudos censitários detalhados, ficando geralmente associados aos índices de subnormalidade. Porém, quase 100% da subnormalidade é irregular, mas nem tudo que é irregular é subnormal.

O que mais dificulta a delimitação desse universo é exatamente o que lhe dá origem. A falta de notificação do Poder Público.

Modelo dominante de territorialização dos pobres nas cidades brasileiras, a consolidação desses assentamentos é progressiva, eternamente incompleta e totalmente dependente de uma ação discricionária do Poder Público — já que para as formas legais de expressão de pertencimento à cidade esses assentamentos simplesmente não existem. (Rolnik org, 2007:7)

A maioria das ações para diminuir a incidência da irregularidade até o final do século XX — que foram poucas — foram ineficientes, inconsistentes e descontínuas. Após o período autoritário, o Governo Federal passou cerca de 20 anos sem atuar na esfera do planejamento territorial urbano. O governo militar, no entanto, atuou sob o enfoque do projeto de integração social, e as práticas tecnocratas voltadas para o processo de crescimento industrial eram alheias aos problemas sociais que proliferavam. Como comentamos no capítulo anterior, os projetos megalomaníacos não eram eficazes

e a estrutura econômica gerada por eles só acirrou a concentração de renda, agravando o problema.

A tabela a seguir apresentada por Saule Jr. (2009)15

nos mostra que enquanto a taxa de crescimento da população aumenta em relação aos Municípios médios, até entre aqueles com população de 100.000 a 500.000 habitantes, são os Municípios pequenos, abaixo de 20.000 habitantes, que possuem a maior discrepância ascendente do percentual de irregularidade em relação à taxa de crescimento. Contudo, não podemos deixar de mencionar que, em relação ao percentual da população, são os Municípios médios os que atingem a maior incidência. Do mesmo modo, salta aos olhos o fato de que nem a subnormalidade nem a irregularidade são proporcionais à taxa de crescimento populacional por faixas de Municípios, aumentando até 500.000 habitantes e se mantendo relativamente estável, mesma que a taxa de crescimento decresça. Outro elemento de interesse é o fato de que a irregularidade,

15 SAULE Jr. Nelson. Fundamentos da Regularização Fundiária: o direito à cidade, o direito à moradia e o

tratamento constitucional da Política Urbana. 2009. Material de Palestra realizada em 8de setembro de 2009; Curso: ―Regularização Fundiária de Assentamentos Informais‖. São Paulo: Instituto POLIS, de 08 a 11 de setembro 2009.

Gráfico 02-a Fonte: SAULE Jr. Nelson. Fundamentos da Regularização

Fundiária: o direito à cidade, o direito à moradia e o tratamento

constitucional da Política Urbana. 2009. Material de Palestra realizada em 8de

apesar do modo impreciso, apresenta praticamente o mesmo desenho da subnormalidade, porém ora pouco acima, principalmente nas cidades até 500.000 habitantes, ora ligeiramente menor nas cidades acima desse valor.

O Município de Osasco, por exemplo, não é diferente. Com uma população de cerca 570.000 habitantes em 2000 e 100% de taxa de urbanização, a cidade possui cerca de 170 assentamentos informais cadastrados e denominados como ―áreas livres‖ em ocupações de áreas públicas. Os terrenos tomados tinham outra destinação prevista distintas da habitação. Nesses assentamentos residem mais de 100 mil pessoas; isso sem contar as famílias que adquiriram lotes em loteamentos irregulares ou clandestinos.16 Ou seja, são 17,5% da população em ocupações irregulares em terrenos

públicos municipais. Além disso, o Município possui outros 44 loteamentos irregulares cadastrados no Programa Cidade Legal do Comitê de Regularização do Estado de São Paulo. São mais 69.638 habitantes em 13.817 unidades. Somados a esses, a CDHU ainda possui 8 conjuntos habitacionais irregulares, com 2.860 unidades aproximadamente e uma população de 14.414 habitantes, aproximadamente no Município.

Esses números são alarmantes e mostram como a irregularidade tomou conta dos Municípios médios e como os padrões de urbanização metropolitanos irradiados para as periferias transbordaram nos Municípios adjacentes. Assim, os números da irregularidade e da subnormalidade se desassociam. Como vemos no mapa apresentado a seguir, os setores em cores são os que apresentam as ocupações de áreas públicas, e estão distribuídas por toda a cidade, mas principalmente predominando na faixa oeste. Como é trecho leste aquele que faz divisa com o Município de São Paulo, o processo de exclusão e gentrificação pressionaram as populações de baixa renda a não ocuparem os setores a leste, mais valorizados. Essa segregação foi ainda reafirmada por investimentos privados específicos, como os realizados na abertura do Parque Continental, criando setores de alta renda nas franjas em contato com a capital e os bairros de alta renda da Lapa e de Pinheiros.

Ainda assim, o grande número e alta densidade da população de baixa renda acabou por condensar a irregularidade numa porção imensa do Município, como

16 PROGRAMA DE REGULARIZAÇÃO DA PREFEITURA DE OSASCO. Roteiro para áreas públicas

vemos no delineamento do mapa, ocupando quase metade do seu território, deixando apenas alguns trechos livres. Mais do que o percentual, a geometria da irregularidade somada aos grandes obstáculos urbanos gerados a partir das artérias de ligação metropolitana, nesse caso, seccionam o território em faixas descontínuas e intrincadas, obstruindo a comunicação entre as faixas, a coerência da malha urbana e impedindo o desenvolvimento simultâneo dos diversos setores.

Mapa 02-a Fonte: PROGRAMA DE REGULARIZAÇÃO DA PREFEITURA DE OSASCO. Roteiro para áreas públicas ocupadas. Osasco: PMO, 2007.

Incidência no espaço

Veremos mais adiante como a irregularidade se apresenta fisicamente no espaço. Nesse trecho, quero demonstrar como ela é resultado das relações sócio- econômicas. Para tanto, devemos ter em mente que as irregularidades se apresentam no território sob várias morfologias, já bastante comuns nas grandes cidades e muito presentes nas médias. Temos as diferenças gritantes entre os centros urbanizados e as periféricas das regiões metropolitanas; temos as favelas em APP´s a beira de córregos e rios poluídos, as palafitas sobre mangues e banhados, todas em dissonância com o alto padrão de luxo dos prédios a beira-mar; tudo ocorrendo em diversas composições urbano-geofráficas as mais variadas, mas presentes em praticamente todas as cidades brasileiras, independentemente do tamanho, da funcionalidade, perfil sócio-econômico ou da região a que pertence.17

Como comentamos anteriormente, a contraposição entre os benefícios de uma minoria e as carências de uma maioria vivendo em condições urbanísticas precárias não pode ser medido só como expressão da desigualdade de renda e das desigualdades sociais: como agente reprodutor da desigualdade, ela é elemento produtor da irregularidade social.

Em uma cidade dividida entre a porção legal, rica e com infra-estrutura e a ilegal, pobre e precária, a população que está em situação desfavorável acaba tendo muito pouco acesso às oportunidades de trabalho, cultura ou lazer. Simetricamente, as oportunidades de crescimento circulam nos meios daqueles que já vivem melhor, pois a sobreposição das diversas dimensões da exclusão incidindo sobre a mesma população faz com que a permeabilidade entre as duas partes seja cada vez menor. Esse mecanismo é um dos fatores que acabam por estender a cidade indefinidamente: ela nunca pode crescer para dentro, aproveitando locais que podem ser adensados, é impossível para a maior parte das pessoas o pagamento, de uma vez só, pelo acesso a toda a infra-estrutura que já está instalada. Em geral, a população de baixa renda só tem a possibilidade de ocupar terras periféricas – muito mais baratas porque em geral não têm qualquer infra-estrutura – e construir aos poucos suas casas. Ou ocupar áreas ambientalmente frágeis, que teoricamente só poderiam ser urbanizadas sob condições muito mais rigorosas e adotando

17 ―Segundo os dados levantados pelo IBGE , foram encontradas favelas em 27,6% dos Municípios

brasileiros. (...) Em 56,6% dos Municípios com população entre 50 mil e 100 mil habitantes existem favelas, o mesmo acontecendo em 79,9% daqueles com população entre 100 mil e 500 mil habitantes e na totalidade dos Municípios com população superior a 500 mil habitantes‖. François E. J. Bremaeker, O Papel do Município na Política Habitacional. Rio de Janeiro: Série Estudos Especiais no 32, IBAM, junho de

soluções geralmente dispendiosas, exatamente o inverso do que acaba acontecendo. (ROLNIK org, 2007:24)

Como nos mostra a autora no mesmo trecho, o próprio Poder Público reforça essa tendência de expulsão dos pobres das áreas mais bem localizadas, à medida que constrói os conjuntos habitacionais de seus programas habitacionais em terrenos mais baratos e periféricos, e — devemos acrescentar — são suas empresas elas próprias produtores de irregularidades. Assim, além de se configurar uma expansão horizontal ilimitada sobre quaisquer áreas desabitadas, regular ou irregularmente, mas de todos os modos num espalhamento muitas vezes desestruturante e disfuncional, são as empresas públicas também enfatizadoras das relações centro-periferia e das dificuldades de ordenamento e locomoção oriundas dessa disposição.

Os efeitos nocivos dessa condição são a concentração das oportunidades de emprego e os serviços em setores centrais e concentração de habitação popular nas periferias precárias e cada vez mais distantes, avançando inclusive sobre territórios de Municípios vizinhos. A incidência dos custos do transporte tanto nos salários como nas contas públicas aumentam, já que as distâncias percorridas só ampliam, o que tem esgotado os sistemas de transporte e viário. As pressões sob o meio ambiente também são resultado desse processo, tanto diretamente, como é o caso das próprias populações sem saneamento que vivem sobre o próprio lixo e esgoto nos mangues, APP´s, encostas e lixões, sujeitas à contaminação e deslizamentos, como indiretamente para a cidade como um todo, à mercê dos efeitos das enchentes, dos acidentes e da poluição. Por fim, o resultado dessa ilha de prosperidade é tanto um alto nível de especulação imobiliária no centro expandido, como um constante processo de gentrificação e expulsão das franjas entre a prosperidade e a periferia disfuncional.

2.2.2. Identificação e combate da irregularidade de interesse social