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Categorias verbais: Tempo, Aspecto, Modo e Modalidade

SUMÁRIO

MODOS VERBAIS INDICATIVO SUBJUNTIVO

3.2.2 Categorias verbais: Tempo, Aspecto, Modo e Modalidade

3.2.2.1 O tempo

O conceito de Tempo há muito vem sendo discutido por vários autores das mais diversas áreas de conhecimento. No presente capítulo será

abordado o tempo na visão dos filósofos, lexicógrafos e linguistas.

3.2.2.1.1 O tempo na concepção dos filósofos

Muitos filósofos analisaram o tempo. Para este trabalho, foram selecionados alguns autores com base nos períodos que representam. São eles: Platão, Aristóteles (Antiguidade Clássica), Santo Agostinho (Idade Média), Immanuel Kant (Idade Moderna), Heidegger e Jean Paul Sartre (Idade Contemporânea).

Platão (427 - 348 a.C.) afirmou que a origem do tempo podia ser atribuída a um ser divino no momento em que colocou ordem e estruturou o caos primitivo.

Platão procurava estabelecer a distinção entre o "ser'' e o "não ser''; o mundo do "ser'', fundamental, não sujeito a mutações, eternamente o mesmo. Esse mundo que, entretanto, é o mundo das idéias, apreensível apenas pela inteligência, pode ser entendido utilizando-se a razão. O mundo do "não ser'' faz parte das sensações, que são irracionais, uma vez que dependem essencialmente de cada pessoa. Para Platão esse mundo é irreal.

O domínio do tempo estaria nesse segundo mundo, assim como tudo o que se observa no universo físico, tendo assim uma importância menor. Talvez possa ser dito que, para Platão, o tempo essencialmente não existe, visto que faz parte do mundo das sensações.

Aristóteles, por sua vez, trata do tempo, em duas de suas obras: na Poética, quando compara a tragédia com a epopéia, e afirma que a tragédia deve encerrar-se, tanto quanto possível, “no tempo de uma única revolução do sol ou não ultrapassá-la senão um pouco, e a epopéia não tem duração delimitada no tempo”; e em Física (parte IV) na qual se detém mais no conceito de Tempo, caracterizando-o como um fenômeno físico, natural. Para analisar esse conceito, mostra as dificuldades a respeito da existência e da natureza do Tempo, negando que ele seja “movimento”. Entretanto, afirma que este não existe sem a mudança nem sem o movimento, pois é quando se percebe o movimento (kínesis) que se percebe o Tempo. Assim, o Tempo pode ser definido como a medida do movimento (anterior e posterior),

caracterizando um processo quantitativo, expresso mediante grandezas, como dias, horas, minutos e segundos (ARISTOTELES apud PUENTE, 2001, p.15).

Puente (2001) afirma que Aristóteles foi o “mestre do discernimento e do estabelecimento de nuanças entre os diversos significados de um termo”, e que depois de muitas considerações sobre o Tempo, chega à conclusão de que o Tempo é “um enigma e um desafio insolúvel que se coloca ante a nossa capacidade de compreensão”.

A conclusão de Aristóteles parece ratificada por Santo Agostinho que, no século V da era cristã, resumiu a dificuldade para estabelecer a noção de tempo na questão: "O que é, então, o tempo? Enquanto não me perguntam, eu sei; se me perguntam e quero explicar, não sei."

Santo Agostinho destaca a impossibilidade de medir-se o tempo, teorizando esse conceito a partir de dois pontos específicos: 1) o subjetivo, considerando o tempo em suas modalidades de presente, passado e futuro como existente apenas na consciência; 2) o objetivo, em que o conceito de tempo toma um direcionamento epistemológico; é o tempo exterior à consciência. Em ambas as abordagens, o filósofo apresenta a realidade do tempo, tanto em seu aspecto subjetivo, quanto em seu aspecto objetivo, sempre com base no primado do presente. O presente é, para ele, o próprio fundamento do tempo, determinando, inclusive, as duas outras modalidades: o passado que é validado pela visão presente das coisas passadas e o futuro pela visão presente das coisas futuras.

O passado não tem ser, porque não é mais (iam non est), o futuro, porque ainda não é (nondum est), e o presente, porque não permanece. Na análise do presente, é de fundamental importância a comparação com a eternidade. Praesens autem si semper esset

praesens nec in praeteritum transiret, non iam esset tempus, sed aeternitas.3 Para que o presente seja tempo, precisa perder-se no passado. Portanto, não podemos dizer que ele é, já que a razão de seu ser é de não mais ser. Si ergo praesens, ut tempus sit,ideo fit,

quia in praeteritum transit, quomodo et hoc esse dicimus, cui causa, ut sit, illa est, quia non erit, ut scilicet non uere dicamus tempus esse,

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Com efeito, se o presente fosse sempre presente e não transitasse para o pretérito, já não seria tempo, mas eternidade. (FIORIN, 1994, p.138-9)

nisi quia tendit non esse?4 (AGOSTINHO apud FIORIN, 1994, p.138- 9)

Outro aspecto discutido por Santo Agostinho, apresentado por Fiorin (1994), é a questão da duração do tempo:

... como o tempo pode ser, se o passado não é mais, o futuro não é ainda e o presente não é sempre? Por outro lado, falamos em tempo longo e tempo curto. No entanto, como se pode medir aquilo que não é? Novamente, a linguagem é o guia seguro, pois dizemos a respeito do passado que foi longo e do futuro que será longo. Mas "esse longo passado foi longo quando era já passado ou quando era ainda presente? Ele não podia ser longo senão enquanto fosse algo suscetível de ser longo. Uma vez passado, não era mais; portanto, não poderia ser longo, já que não era de modo algum mais". Por isso, "dizemos 'o tempo presente foi longo', porque é enquanto presente que ele era longo. Ele não se tinha ainda perdido no não ser; era, portanto, alguma coisa que podia ser longa. Mas logo que passou, imediatamente, deixou de ser longo porque deixou de ser". (FIORIN, 1994, p.130)

Na visão de Fiorin, Santo Agostinho “deixa de interessar-se pelo tempo físico e caminha na direção da reflexão sobre o tempo linguistico”, considerando que “a linguagem não é somente a prova de que o argumento cético não subsiste, mas é ela que propicia ao homem a experiência temporal” (FIORIN, 1994, p.137)

Ao contrapor o passado e o futuro ao presente, Santo Agostinho volta-se para esse tempo para refletir sobre ele, afirmando ser o único tempo que pode ser mudado. Para esse filósofo, não é correto afirmar a existência de três tempos, passado, presente e futuro, pois o que se tem, de fato, são três modalidades5 a do passado, que é a memória, a do presente, que é o olhar, a visão e a do futuro, que é a espera.

Outro filósofo que discute o tempo é Imanuel Kant (1724–1804) cuja reflexão filosófica, de acordo com Kurz (1999, p.3), foi decisiva sobre o conceito moderno de tempo e é válida até hoje. Para Kant, o espaço e o

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Se, portanto, o presente, para ser tempo, precisa transitar para o passado, como dizemos que ele é, já que a única razão, para que seja, é não ser, de forma que de fato não dizemos que o tempo é, a não ser porque tende para o não ser? (FIORIN, 1994, p.138-9).

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tempo não são conceitos que se referem ao conteúdo do pensamento humano, mas às formas a priori de nossa capacidade de perceber e pensar. De acordo com o autor, pode-se conhecer o mundo somente nas formas de tempo e espaço que estão inscritas na razão humana, anteriores a todo conhecimento. Kant define as noções de tempo e espaço, considerando-as absolutamente abstrata e a-históricas, mas válidas igualmente para todas as épocas, culturas e formas sociais. Tempo, para ele, é "a temporalidade pura e simples", sem nenhuma dimensão específica, sendo o espaço e o tempo "formas puras da intuição". Na visão kantiana, portanto, o tempo é um fluxo temporal abstrato, sem conteúdo e sempre uniforme, cujas unidades são todas idênticas: "tempos diversos são apenas partes do mesmo tempo". Assim, se o tempo é uma forma inscrita a priori na capacidade cognitiva humana, não é menos verdade que a essa forma subjaz uma mudança histórica e cultural, ou seja, o tempo não apenas "transcorre" de modo distinto; existem formas inteiramente diversas de tempo que transcorrem paralelamente e cuja aplicação varia de acordo com o objeto ou a esfera de vida a que se reporta a percepção temporal: "cada coisa tem seu próprio tempo”. (KANT, 1999, p.16-30)

Nesta mesma perspectiva, Heidegger compreende o tempo:

Para corresponder ao caráter de ser do que aqui é tema, devemos falar temporalmente sobre o tempo. Queremos retomar temporalmente a questão sobre o tempo. O tempo é o como (das

Wie). Se perguntamos pelo que é o tempo, então não devemos

agarrar-nos precipitadamente a uma resposta – isto ou aquilo é o tempo – que sempre designa um o que (ein Was).

(HEIDEGGER,1997, p.39)

Pode-se observar, na perspectiva de Heidegger, que o conceito de tempo tem uma função expressamente interpretativa, isto é, a partir dele é possível tornar explícita a projeção ontológica6 de um dado fenômeno. Destacar a sua estrutura temporal é explicitar a perspectiva a partir da qual foi projetado, o que significa interpretação e elaboração de uma compreensão. Desse modo, o tempo funciona como a perspectiva de projeção que possibilita

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O filósofo alemão Martin Heidegger declarou-se um investigador da natureza do Ser. Heidegger contribuiu com seu pensamento sobre o ser e a existência, de onde o nome dado à corrente filosófica de "Existencialismo". (COBRA, 2001)

tanto compreender o existente humano em seu ser, como compreender qualquer modo de ser possível. (REIS, R. 2004, p. 106)

Como uma filosofia do tempo, o existencialismo, do qual Heidegger é líder, exorta o homem a existir inteiramente "aqui" e "agora", para aceitar sua intensa "realidade humana" do momento presente. O passado representa arquivos de experiências a serem usadas a serviço do presente, e o futuro não é outra coisa senão visões e ilusões para dar ao nosso presente direção e propósito. (COBRA, 2001)

Jean Paul Sartre, influenciado pelo Existencialismo de Heidegger, também discute o conceito do Tempo. Para esse autor, o Tempo condiciona a realidade humana, visto que nasce com o homem. Portanto, não pode ser compreendido através de uma análise meramente objetiva e quantitativa. Deve ser visto essencialmente no modo como é especificamente vivido por um sujeito determinado. Não existe o tempo "em geral", o tempo "universal".

Dessa forma, o tempo deve ser reduzido à "temporalidade", isto é, a uma estrutura do próprio para-si. As dimensões que compõem o tempo, passado, presente e futuro, são "momentos estruturados de uma síntese original" (SARTRE, 1980, p.150), isto é, a temporalidade entendida como característica original do para-si.

Para o mencionado filósofo, o Tempo é composto pelas dimensões do passado, presente e futuro, que são "momentos estruturados de uma síntese original”: o passado, como algo que é perpetuamente negado; presente, como fuga; e o futuro, como falta. (SARTRE, 1980, p. 150-79).

Mas nem só os filósofos tentaram definir o tempo. Lexicólogos e linguistas também se encarregaram de explicá-lo e conceituá-lo.

3.2.2.1.2 O tempo para os lexicólogos e linguístas

Os dicionários são um recurso de que podemos dispor para obter a definição do termo tempo, pois eles não só definem cada uma das palavras, como também mostram como a cultura de um povo as concebe. Assim, registram a maneira como um povo traduz e define um signo linguistico

caracterizando, portanto, uma determinada sociedade. Segundo Benveniste (1988, 57), "para o falante há, entre a língua e a realidade, adequação completa: o signo encobre e comanda a realidade; ele é essa realidade". Portanto, para definir um termo, é preciso ir além, pois ele não é definido por si só, mas no contexto cultural e social em que é empregado.

As definições encontradas nos dicionários de língua portuguesa de Michaelis (1997), Houaiss (2002) e Ferreira (2006, p.38) apresentam muitos traços em comum. O tempo é definido como: