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que o público ou a audiência possui sobre o mundo exterior não pode ser medida, portanto, apenas com base na resposta de poucos indivíduos.

Por outro lado, essa opção metodológica tem recebido muitas críticas, dentre as quais destacamos a de Burd (1991, p.291), para quem a operacionalização das agendas de modo ge- ral se trata de “um modelo linear, unidimensional de linha de montagem para a produção e manufatura da opinião e das políticas públicas”120

.

Os sistemas e ambientes informativos da Web são dotados de especificidades que a- brem possibilidades para operacionalizar definições próprias do paradigma, a partir da obser- vação de dinâmicas que consideram medidas agregadas para observar comportamentos indi- viduais, de acordo com uma série de critérios subjacentes às suas funcionalidades e constru- ções comunicativas.

Recuperando então a metáfora da floresta de McCombs (apud SILVA, 2008d), po- demos afirmar que a Web, como uma grande base de dados de media distribuída (MANOVICH, 2001), permite-nos observar a “floresta” sob vários ângulos, tanto de perto quanto de longe. Uma vez que a vegetação que compõe a floresta não é homogênea, podería- mos conhecer as várias espécies que a integram e como estas se relacionam com o ecossiste- ma em geral, a título de exemplo.

Ao mesmo tempo em que os novos media ampliam as possibilidades de conhecermos a percepção de importância sobre os temas, predicados e agendas através de ações que per- meiam o acesso, a produção, a difusão e a circulação de conteúdos, fornecem a possibilidade de atentarmos para um maior escopo de temas, sob a perspectiva de cauda longa, como vere- mos em seguida, e para novos desdobramentos que tais funcionalidades e construções comu- nicativas potencializam em termos de indicadores do mundo real.

Se, portanto, as definições que guiam as pesquisas em agenda-setting podem ser ope- racionalizadas em sistemas e ambientes informativos da Web, o paradigma amplia suas fron- teiras intelectuais, numa tendência centrífuga e centrípeta, no sentido de continuar expandindo seus domínios e configurações (McCOMBS apud SILVA, 2008d), e de continuar refinando seus conceitos, respectivamente.

2.12 A CAUDA LONGA

120 No original: “linear, one-dimensional, assembly-line model for the production and manufacture of public

Ao contrário do que vivenciamos através do consumo de produtos do mercado de massa, que, por sua vez, se configuram como tecidos conjuntivos de nossa experiência co- mum (ANDERSON, 2006, p.1), testemunhamos cada vez mais um cenário de fragmentação do mercado, no qual “[...] as grandes redes de televisão perdem cada vez mais público para as centenas de canais a cabo que se concentram em nichos de mercado” (ANDERSON, 2006, p.2), culminando em uma crescente variedade de opções de informação e de entretenimento, como também em uma audiência cada vez mais fragmentada.

Concomitante à proliferação de canais informativos se dá a noção de que a abundân- cia de informação cria o problema da escassez de atenção (GOLDHABER, 1997). Como a- conteceu com os media de radiodifusão, o crescimento e a comercialização da Internet têm sido acompanhados por uma mercantilização da atenção. Os motores de busca e sítios (com seu rápido desenvolvimento) funcionam como pontos de entrada de usuários e competem en- tre si, desempenhando um papel crucial em orientar e canalizar a atenção dos usuários para alguns conteúdos, em detrimento de outros (DIMAGGIO et al, 2001, p.313).

Tanto a agenda midiática quanto a agenda pública têm sido tradicionalmente mensu- radas e investigadas em função do modelo de base impressa ou de radiodifusão, que segue a lógica da comunicação linear one-to-many (um-todos), de um produtor e muitos consumido- res, e que se contrapõe ao modelo many-to-many da sociedade em rede, onde cada indivíduo é capaz de acessar, produzir e difundir informação em escala global.

Ao contrário dos media de massa, a natureza do ciberespaço está permeada por di- versas configurações diferentes de comunicação e sistemas onde cada indivíduo está apto a expressar suas opiniões tanto quanto a recebê-las.

Tínhamos menos alternativas para competir pela atenção que dedicávamos à tela. O que supúnhamos ser maré montante da cultura de massa tinha menos a ver com o triunfo do talento de Hollywood e mais com o espírito de reba- nho da transmissão por broadcast. […] A grande vantagem do broadcast é a capacidade de levar um programa a milhões de pessoas com eficiência sem igual. Mas não é capaz de fazer o oposto – levar um milhão de programas a cada pessoa. No entanto é exatamente isso que a Internet faz tão bem (ANDERSON, 2006, p.5).

Uma das possibilidades de operacionalização da agenda pública diz respeito à con- cepção desta não somente como audiências de massa, mas também como uma massa de ni- chos, ou uma massa de públicos atentos (ALMOND, 1950), frente a um aumento do escopo

de temas tratados e à proliferação de sistemas e ambientes informativos especializados ou que permitam uma segmentação de conteúdos. Além disso, os usuários não se expõem somente aos media informativos tradicionais, como também às próprias fontes de informação, que po- dem ser indivíduos comuns, profissionais especializados, personalidades, organizações ou empresas.

A maioria dos filmes não é sucesso de bilheteria, a maioria das músicas não alcança as paradas de sucesso, a maioria dos livros não é de best sellers e a maioria dos programas de televisão nem é avaliada com base em índices de audiência, nem se destina ao horário nobre. No entanto, muitas dessas pro- duções atingem milhões de pessoas em todo o mundo. Apenas não são hits e, como tal, não são importantes. [...] Com a queda do custo de acessá-la – para que consumidores encontrem produtos de nicho e produtos de nicho encon- trem consumidores -, ela, de repente, se transformou em força cultural e eco- nômica a ser considerada. [...] Esses nichos são um vasto território ainda não mapeado, com enorme variedade de produtos, cuja oferta até então era anti-econômica. [...] O mercado invisível tornou-se visível [...] Outros pro- dutos de nicho são novos, lançados por uma indústria emergente, na interse- ção entre os mundos comercial e não-comercial [...] (ANDERSON, 2006, p.5-6).

Embora o autor discorra sobre a perspectiva da cauda longa em termos de commodi- ties específicas, tais como faixas de música ou livros, podemos utilizar a sua linha de raciocí- nio para compreender processos de acesso, produção, difusão e consumo de informação em geral.

[...] os outros consumidores nos fornecem a melhor orientação, pois seus in- centivos estão bem mais alinhados com os nossos. [...] Outra coisa que acon- tece quando os consumidores conversam entre si é descobrirem que [...] suas preferências são mais diversificadas do que sugerem os planos de marketing. Seus interesses se desmembram em comunidades de afinidade cada vez mais estreitas, que se aprofundam cada vez mais nas respectivas preferências, co- mo sempre quando as mentes atuam em conjunto. [...] Em outras palavras, a terceira força alimenta ainda mais a demanda pelos nichos e horizontaliza a curva, deslocando seu centro de gravidade para a direita (ANDERSON, 2006, p. 54-55).

Anderson explica que “[...] a ideia da cauda longa tem a ver [...] com a economia da abundância – o que acontece quando os gargalos que se interpõem entre a oferta e a demanda em nossa cultura começam a desaparecer e tudo se torna disponível para todos” (2006, p.11).

O termo “cauda longa” originou-se a partir das listas de músicas mais baixadas por clientes, fornecidas pelo sistema de compartilhamento e de download de músicas, Rhapsody (<http://www.rhapsody.com>), os quais, ao serem lançados em gráfico, produziram uma curva

que se estruturava de modo diferente.

O início da curva era semelhante à qualquer curva de demanda, classificada por po- pularidade, em que os grandes sucessos baixados com grande frequência formavam uma dis- tribuição unimodal121. Essa distribuição em J logo despencava em precipício, onde eram con- sumidas as faixas menos populares. No entanto, o que mais chamava atenção é que essa curva nunca chegava a zero, continuava descendo com 100 mil, 300 mil 400 mil faixas, porque sempre havia demanda: “Em estatística, curvas como essa são denominadas 'distribuições de cauda longa', pois seu prolongamento inferior é muito comprido em relação à cabeça” (ANDERSON, 2006, p.10).

Tudo o que o autor fez foi concentrar-se na cauda em si, e batizar o concei- to/fenômeno com um nome adequado. Embora Anderson tenha cunhado o termo The Long Tail (“a cauda longa”), o autor alega não poder reivindicar “qualquer crédito pelo desenvol- vimento do conceito de usar a economia eficiente do varejo on-line para compor um grande estoque de itens com baixo volume de vendas. Essa proeza coube a Jeff Bezos, por volta dos idos de 1994” (ANDERSON, 2006, p.13).

O autor chama a atenção para três aspectos característicos do fenômeno da cauda longa, que podem ser considerados nos estudos sobre agenda-setting nos sistemas e ambien- tes informativos da Web: “(1) a cauda das variedades disponíveis é muito mais longa do que supomos; (2) ela agora é economicamente viável; (3) Todos esses nichos, quando agregados, podem formar um mercado significativo” (2006, p.10).

O acesso aos nichos também é concomitante à queda da circulação de jornais, à que- da das vendas de revistas e à queda dos índices de audiência na TV aberta e ao aumento do consumo de informação através da Internet122.

Se a indústria de entretenimento do século XX baseava-se em hits, a do sé- culo XXI se concentrará com a mesma intensidade em nichos. [...] Muitos de nossos pressupostos sobre as tendências dominantes são, na verdade, conse- quências da incompatibilidade entre oferta e demanda – resposta do mercado a ineficiências na distribuição. (ANDERSON, 2006, p.15)

121

Em função das características técnicas dos recursos destinados à medição de atitudes, as distribuições de consenso, quando representadas graficamente, assumem a forma de uma curva em J, ou ainda em J duplo, para designar os valores mais frequentes de uma série. Mesmo que a essência do consenso não seja necessariamente dada pela unimodalidade de distribuição, mas sim pela sua forma de J, essa curva pode ser concebida como um tipo ideal de distribuição de opinião em consenso. Em uma curva em J, as atitudes de um grande setor da população se agrupam estreitamente em uma escala de atitude, ao passo que os dissidentes, em número escasso, se dispersam em uma ou outra direção de atitude, distanciando-se da forma em J. (KEY, 1976, p.43).

122

Para aprofundar a discussão em torno de hábitos de consumo de notícias, é útil verificar as discussões propostas por Mindich (2005), que sintetiza um conjunto de pesquisas e discussões em torno do declínio gradativo do consumo de notícias entre pessoas abaixo dos 40 anos.

O novo acesso aos nichos revela demanda latente por conteúdo não comerci- al. Então, à medida que a demanda se desloca para os nichos, a economia do fornecimento melhora ainda mais, e assim por diante, criando um loop de fe- edback positivo, que metamorfoseará setores inteiros – e a cultura – nas pró- ximas décadas. (ANDERSON, 2006, p.24)

A cauda longa pode ser compreendida a partir da combinação de dois elementos: 1) espaço infinito através dos quais os produtos (a informação como mercadoria, no caso do nos- so objeto de pesquisa) podem ser disponibilizados; 2) estruturas hierárquicas que apontam tendências de consumo de tais produtos.

A cauda longa pode ser resumida nos seguintes termos: nossa cultura e nossa econo- mia estão cada vez mais se afastando do foco em produtos e mercados de tendência dominan- te, no topo da curva da demanda, e avançando em direção a uma grande quantidade de nichos na parte inferior ou na cauda da curva de demanda. Esses produtos que circulam sem as limi- tações de espaço físico ou de tempo podem ser tão atraentes em termos econômicos quanto os destinados ao grande público, porque seu acesso é geograficamente ilimitado (ANDERSON, 2006, p.50).

Anderson resume ainda alguns aspectos tocantes ao fenômeno da cauda longa e que podem ser aplicados para entender padrões de acesso, produção, circulação, consumo e distri- buição de informação, considerada aqui como mercadoria.

1. Em praticamente todos os mercados, há muito mais nichos do que hits. Essa desproporção aumenta a taxas exponenciais, à medida que as ferramentas de produção se tornam mais baratas e mais difusas. 2. Os custos

de atingir esses nichos estão caindo drasticamente. Graças a uma

combinação de forças, como distribuição digital, poderosas tecnologias de busca e massa crítica na difusão da banda larga, os mercados on-line estão reconfigurando a economia do varejo. Assim, em muitos mercados, agora é

possível oferecer muito maior variedade de produtos. [...] 4. Quando se

conjugam essa grande expansão da variedade e a notável eficácia dos filtros que facilitam a seleção, a curva de demanda se torna mais horizontal e

mais longa. Ainda existem hits e nichos, mas os hits estão ficando cada vez

menos populares, enquanto os nichos se tornam cada vez mais populares. 5. Todos esses nichos em conjunto podem constituir um mercado tão grande quanto o dos hits, se não maior. Embora nenhum dos nichos venda em grandes quantidades, são tantos os produtos de nicho que, como um todo,

podem compor um mercado capaz de rivalizar com o dos hits. 6. Com a

livre atuação de todos esses fatores, a forma natural da curva de demanda

se revela em sua plenitude, sem as distorções resultantes dos gargalos de

distribuição, da escassez de informações e das escolhas limitadas nas prateleiras. Além disso, essa forma é muito menos influenciada pelos hits do que supúnhamos. Ao contrário, é tão diversificada quanto a própria população. (ANDERSON, 2006, p.51. Grifos do autor).

As caudas longas, de acordo com Anderson (2006), surgem ainda a partir da combi- nação de três forças poderosas, que possibilitam reduzir os custos para se alcançar os nichos: 1) a democratização das ferramentas de produção, no sentido de ampliar a capacidade de pro- dução de conteúdos; 2) a democratização da circulação e distribuição desses conteúdos; 3) a ligação entre oferta e demanda, apresentando os consumidores a esses novos bens, agora dis- poníveis com mais facilidade, empurrando a demanda cauda abaixo e reduzindo os custos de busca. Em economia,

[...] custo de busca é qualquer coisa que interfira na descoberta do que se tem em mira. Alguns desses custos são não-monetários, como perda de tempo, aborrecimentos e confusão. Outros têm expressão em moeda, como comprar algo errado ou pagar o preço excessivo por não encontrar alternativas mais baratas. Qualquer coisa que facilite encontrar o que se procura ao preço que se quer reduz os custos de busca. (2006, p.54).

O fenômeno da cauda longa pode assumir qualquer forma, desde a produção musical, passando por resenhas de livros e filmes, contemplando, portanto, a produção, circulação, dis- tribuição e consumo de informações e notícias.

Força Negócio Exemplo

1 Democratização da produção

Produtores e fabricantes de ferramentas de Cauda Longa

Câmeras de vídeo digitais, software para edição de música e vídeo, ferramentas de weblogs 2 Democratização da

distribuição

Agregadores da Cauda Longa Amazon, eBay, iTunes, Netflix 3 Ligação da oferta e

demanda

Filtros da Cauda Longa Recomendações do Google, dos blogs e do Rhapsody, e listas de best-sellers

Quadro 4: Resumo sobre o fenômeno da cauda longa. Fonte: Anderson (2006, p.55).

Em relação a questões de amostragem, apesar de a maioria das técnicas empregadas nas medições da agenda pública ser de natureza probabilística, outras técnicas de amostragem podem ser empregadas para análise das agendas temáticas dos usuários, com base nos princí- pios da cauda longa, a exemplo das amostragens não-probabilísticas, e mais especificamente, amostragens por conveniência, que, apesar de não serem representativas de populações mais gerais, podem atender às demandas da pesquisa, conforme sejam seus objetivos123.

123 A esse respeito, ver o trabalho de De Choudhury (et al, 2010). Disponível em: