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O objetivo deste capítulo foi traçar um panorama abrangente e compreensivo sobre o paradigma do agenda-setting, no que diz respeito aos seus principais conceitos e definições operacionais, às condições contingentes para os efeitos de agendamento, às principais fases de investigação, às perspectivas metodológicas que orientam esta tradição de pesquisa e às críti- cas a ela endereçadas.

Importante ressaltar ainda que o foco deste capítulo e do nosso trabalho está direcio- nado mais à lógica que permeia os desenhos metodológicos através dos quais pesquisas em agenda-setting são levadas a cabo e menos nos resultados ou na direção de influência entre as

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No original: “I've started collecting new material for a new additional of the book and I think we've looked into four journals from 200 through last year, and there were about 30 new articles that we have abstracts and I guess maybe four or five of those are really important and new”.

agendas.

Ainda que, por razões práticas e operacionais, os seguintes capítulos não abranjam todos os aspectos e nuances levantados ao longo desta extensa introdução aos principais pa- râmetros teóricos e metodológicos relacionados ao agenda-setting, este alargamento se justifi- ca para que se possa adequadamente situar nosso objeto de estudo, estabelecer um vocabulá- rio básico e crítico e – consequentemente – as definições operacionais dele decorrentes. Como será apontado nas conclusões finais, diversos dos aspectos relacionados ao agenda-setting, quando de suas possibilidades de transposição à Web, serão apenas indicados como objeto de futuros e mais localizados aprofundamentos.

O capítulo seguinte dedicar-se-á a sistematizar aspectos inerentes aos novos media informativos, e mais especificamente, à Web, que justificam a readaptação de bases conceitu- ais e metodológicas relativas ao paradigma do agenda-setting e que, em última instância, e a título de hipótese, nos auxiliam na proposição de desenhos metodológicos destinados a inves- tigar a agenda do público assente em bases de dados e algoritmos da Web.

2 VISÃO GERAL DA WEB E SEUS MODOS DE FUNCIONAMENTO COMO PRELIMINARES PARA NOVAS FORMAS DE PESQUISA SOBRE AGENDAMENTO

O objetivo deste capítulo é sistematizar, através de revisão de literatura, alguns ele- mentos que demandam o emprego de novas abordagens conceituais e metodológicas, destina- das a mensurar a percepção de importância dos temas, predicados em agendas entre usuários da Web, bem como de aspectos que potencializam a expansão dessa tradição de pesquisa.

Dentre esses elementos, figuram os princípios estruturais que podem ser aplicados para compreender os novos media (MANOVICH, 2001), a Web como uma base de dados de mídia distribuída (MANOVICH, 2001, BARBOSA, 2008), as bases de dados como uma for- ma cultural (MANOVICH, 2001), conceitos e características das bases de dados (MANOVICH, 2001; COLLE, 2002; BARBOSA, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007; MACHADO, 2004 e PAUL, 2004), sistemas e ambientes informativos da Web segundo uma perspectiva sistêmica (STOCKINGER, 2001a; PALACIOS, 2004), a liberação do pólo emis- sor (LEMOS, 2000), a ausência de restrições de tempo e espaço para a produção, difusão e monitoramento de conteúdos (BRUNS, 2005; WILLIAMS e DELLI CARPINI, 2004), a não mediação informativa (FONTCUBERTA, 2006; ORIHUELA, 2005), a memória e a atualiza- ção contínua (PALACIOS, 2002, 2004), a policronia e a multitemporalidade (SALAVERRÍA, 2005a), a hipertextualidade (EASLEY e KLEINBERG, 2009; LANDOW, 1995 e LEÃO, 2001), a diversidade de canais informativos e a diversidade temática (TAKESHITA, 2005), a consideração das especificidades da Internet na formulação de pesquisas (MORRIS e OGAN, 1996), a perspectiva da cauda longa (ANDERSON, 2006), a superabundância de informação e os filtros informativos (MANOVICH, 2001).

Revisamos também alguns estudos experimentais que analisam efeitos cognitivos a partir da Comunicação Mediada por Computador, com base na consideração de alguns aspec- tos relacionados acima (FICO et al, 1987; TEWKSBURY e ALTHAUS, 2002; KNOBLOCH- WESTERWICK et al., 2005; SCHOENBACH, DE WAAL e LAUF, 2005; CORNFIELD et al., 2004). Antes de sistematizar todos esses aportes conceituais, acreditamos ser importante situar o conceito de público em nosso trabalho, de modo a operacionalizar a agenda dos usuá- rios de sistemas e ambientes informativos da Web.

2.1 DE QUE PÚBLICO ESTAMOS FALANDO?

O público é uma entidade difícil de conceituar e identificar com precisão, uma vez que é organizado de forma solta através da comunicação em torno de um ou mais temas, e in- clui estratos ativos e passivos, muda de tamanho e forma à medida que se desenvolve. Nesse sentido, não é por acaso que afirmações generalizadas sobre a natureza e a composição do pú- blico são problemáticas (PRICE, 1992; ESQUENAZI, 2006).

Não é nosso objetivo revisar as diversas concepções acerca da natureza do público, uma vez que acreditamos que as características, propriedades e possibilidades de construções comunicativas inerentes aos sistemas e ambientes informativos da Web podem nos fornecer bases empíricas para observar quase todas as modalidades de agrupamentos coletivos, permi- tindo-nos conhecer uma diversidade de facetas que caracterizam o público. Nesse sentido, é possível que a Internet, e mais especificamente a Web, nos forneça bases empíricas, conceitu- ais e metodológicas que nos permitam investigar características do público atento, das elites, do público hostil, do público geral, a título de exemplo.

Numa tentativa de ser coerente com o “tipo” de público a partir do qual as investiga- ções em agenda-setting se originam, interessa-nos a distinção do próprio Lippmann (1925) e de Blumer (1946). Ambos viam o público como tendo uma natureza dupla, composta por e- lementos ativos e passivos. Ao discorrer sobre os assuntos políticos, Lippmann falava de ato- res, que tentam influenciar diretamente o curso dos acontecimentos, e dos espectadores, com graus de interesse e atividade diversos. Novamente, a distinção entre atores e espectadores dentro do público não é precisa e rápida, e há normalmente uma mescla entre os dois tipos de comportamento. As associações entre esses dois estratos variam em função dos temas aos quais se dedicam.

Blumer (1946, p.189), por sua vez, propôs que o termo público seja usado para se re- ferir a um grupo de pessoas: a) que são confrontadas por um tema; b) que estão divididos por suas idéias sobre como conhecer o tema; e c) que engajam em uma discussão sobre o tema.

Discordâncias e discussões sobre um determinado tema culminam na existência de um público, mas faltam aos seus membros tradição, normas ou regras claras que ditam que tipo de atitude deveria ser tomada. Por outro lado, existe um corpo espectador, isolado e desinteressado (BLUMER, 1946). Em resumo, os membros de um público não possuem papéis fixos estáticos; Mudam, portanto, em sua composição, que inclui desde agentes implicados na promoção e na discussão do tema até aqueles que apenas acompanham o debate que se desenvolve.

Sob a perspectiva da cauda longa (ANDERSON, 2006), da qual trataremos adiante, interessa-nos também a concepção de Almond que, em 1950, chamava a atenção para a neces- sidade de olhar para um corpo menor de cidadãos com vistas a obter respostas realistas sobre como as sondagens de opinião moldavam as políticas da época. Em sua análise sobre proble- mas ligados à formação de políticas estrangeiras, o autor identificou um grupo chamado pú- blico atento, que se informa sobre problemas a elas relacionados, e que constitui a audiência da elite que detém os capitais social e cultural e político de tal âmbito.

O público atento é relevante para o sistema político (norte-americano), uma vez que se presta atenção contínua às questões políticas, engaja-se cuidadosamente em assuntos públi- cos e ocasionalmente fala sobre esses temas com outras pessoas. Acreditamos, nesse sentido, que a Web constitui um terreno fértil para observar as manifestações do que Almond (1950) denomina público atento, e que se estende para além dos assuntos políticos.

É importante ressaltar que o paradigma do agenda-setting tradicionalmente considera a influência de indivíduos ou de grupos sociais como uma condição contingente para os efei- tos de agendamento. Sob a perspectiva de potencialidade, a agenda individual e a percepção da importância dos indivíduos (que por sua vez, podem ser artistas, personalidades, profissio- nais especializados etc.) constituem-se variáveis que podem ser operacionalizadas de diversas maneiras nos sistemas e ambientes informativos da Web, uma vez que são diversos: a) os sis- temas e ambientes informativos através dos quais os indivíduos, considerados como uma uni- dade isolada, buscam, acessam, produzem ou difundem informações; e b) os padrões hierár- quicos que conferem visibilidade, autoridade e popularidade aos indivíduos e aos temas e às agendas que eles consomem ou difundem.

É possível, portanto, que os sistemas e ambientes informativos da Web disponham de recursos que favoreçam o desenvolvimento de desenhos metodológicos com vistas a associar a metáfora da agenda pública aos estudos dedicados à teoria do duplo fluxo de comunicação ou à teoria de liderança de opinião, à medida que é possível observar e analisar modos pelos quais os indivíduos podem ser agendados por membros do seu grupo social mais próximo.

Segundo Wright (1968, p.60), os líderes de opinião “são os indivíduos que, através de contatos pessoais diários, influenciam a decisão e a formação de opinião”. Através de revi- são de literatura, Weimann (et al, 2007, p.175) sistematizam as características principais dos líderes de opinião: 1) podem ser encontrados em qualquer nível social, cultural, profissional e etário, influenciando, na maioria das áreas sobre tomada de decisão, as pessoas do mesmo ní- vel social; 2) tendem a se envolver em várias atividades sociais e organizações e ocupam po- sições centrais em suas redes interpessoais; 3) são experts em seu campo, mas esse reconhe-

cimento é informal por pessoas próximas; 4) estão mais expostos aos media de massa do que os não líderes; 4) são mais interessados, envolvidos e atualizados na área de expertise na qual são influenciadores; 5) tendem a ser monomórficos, ou seja, são experts em uma área e rara- mente em várias áreas; 6) manifestam um comportamento de comunicação específico, no sen- tido de que estão mais envolvidos em comunicação formal e informal, quando comparados aos não líderes; 7) estão conscientes de que são fontes de informação e de influência para ou- tros.

As teorias de liderança de opinião e do duplo fluxo de comunicação, descobertas nos anos 40, têm fornecido conhecimentos significativos sobre como a informação e as ideias são disseminadas através dos mass media e das redes interpessoais de comunicação. A teoria do duplo fluxo de comunicação sugere que os processos de influência dos mass media sobre a audiência não ocorrem de maneira direta, isto é, através de um fluxo unidirecional, sem a in- terferência de outras variáveis, mas que as audiências consomem informação advinda dos mass media indiretamente, através da interação com grupos sociais, e mais especificamente, de pessoas mais bem-informadas, ou influenciadores.

Compartilhamos com os autores em relação a algumas críticas direcionadas à simpli- ficação do duplo fluxo de comunicação, visto que os processos de influência, observados a- través de redes comunicacionais da Web, parecem ser mais complexos do que a ideia de um grupo único de líderes de opinião se expondo aos mass media, e alimentando um grupo passi- vo de pessoas com suas opiniões. Ao invés disso, torna-se mais prudente pensar que pessoas que influenciam outras são também influenciadas por outras sobre os temas aos quais se dedi- cam, resultando, assim, num permanente fluxo de influências. Líderes de opinião são, portan- to, disseminadores e receptores de influência. Desse modo, uma caracterização mais acurada do fluxo de comunicação seria um processo de múltiplos fluxos, em vez de simplesmente um processo de duas fases (WEIMANN et al, 2007).

Pesquisas sobre liderança de opinião sempre foram conduzidas de modo tradicional, através de dados coletados por entrevista com participantes, que são perguntados a quem eles recorrem para se aconselharem ou se orientarem na tomada de decisões (WRIGHT, 1968). No entanto, ao atestar dificuldades para se identificar líderes em grupos sociais contemporâneos, Weimann (et al, 2007) sistematizam uma série de métodos com o objetivo de identificá-los, dentre os quais figuram os métodos sociométricos, e mais especificamente a análise de Redes Sociais, que delineiam modelos ou padrões de comunicação entre membros de um grupo, permitindo um mapeamento sistemático de interações entre membros, principalmente quando aplicadas a configurações sociais mais fechadas e controladas em suas características.

Entretanto, para o presente trabalho, não nos interessa discorrer extensivamente so- bre o potencial de influência dos indivíduos e sobre tais metodologias de análise, uma vez que as definições operacionais que guiam os estudos sobre Redes Sociais e seus modos de análise estão voltados para a observação de fenômenos distintos do estabelecimento da agenda.

Em outras palavras, consideramos que muitas noções relativas ao estudo de redes so- ciais não são inteiramente úteis para a proposição de desenhos metodológicos destinados a operacionalizar a percepção de importância de temas e de agendas assentes em bases de dados da Web, uma vez que: 1) As relações entre os indivíduos e entre grupos sociais constituem-se um ponto de partida na maioria dos estudos relacionados à disciplina, enquanto que, nos estu- dos de agenda-setting, membros individuais e grupos sociais constituem-se variáveis interve- nientes que podem incidir sobre os efeitos de agendamento; 2) Interessa-nos discutir a propo- sição de desenhos metodológicos predominantemente destinados a investigar a metáfora da agenda do público/usuário, onde protagonizam a relevância dos temas, predicados e agendas. Algumas perspectivas relativas ao campo das Redes Sociais, entretanto, podem ser úteis para os estudos de agendamento, a exemplo dos padrões hierárquicos que conferem visibilidade, autoridade e popularidade aos temas, predicados e agendas, dos quais trataremos no terceiro capítulo.