• Nenhum resultado encontrado

A liberação do pólo da emissão (LEMOS, 2002a) constitui-se um dos aspectos-chave para que possamos compreender as profundas transformações pelas quais a agenda do públi- co/usuário pode ser operacionalizada. Esse princípio diz respeito às possibilidades de apropri- ação de sistemas de produção e difusão de ferramentas e de conteúdos “muitos-para-muitos”, concedendo, portanto, uma maior liberdade de ação aos indivíduos, grupos sociais, empresas e instituições em geral, permitindo que qualquer um destes, e sob diferentes formas, produ- zam, difundam e consumam informações acessíveis em escala mundial, e de modo descentra- lizado.

Se a composição da agenda dos media está tradicionalmente ligada aos processos de controle de informação, em função das restrições de espaço e de tempo características dos media de massa (McCOMBS, 2006), é útil versar sobre as práticas do que Bruns (2005) cha- ma de gatewatching, terminologia definida e diferenciada em relação às práticas de gatekee- ping, ou de seleção de informação noticiável. Gatewatching designa monitoramento em opo- sição à ideia de controle, a partir do qual figuram a seleção de pautas, de fontes de informa- ção, passando pela incorporação de modelos de organização, constrangimentos organizacio- nais, ideologia, processos produtivos rotineiros, além de outras necessidades quotidianas das redações jornalísticas.

Embora não pretendamos discorrer sobre as transformações que a agenda midiática tem sofrido frente à emergência das TICs, acreditamos ser útil pontuar tais discussões, uma vez que as práticas de gatewatching se estendem para além das perspectivas de configuração da agenda dos media informativos, uma vez que estão vinculadas às ações e práticas de busca, acesso, produção e difusão de informação de modo geral.

Segundo Bruns, na acepção do jornalismo tradicional, duas zonas-filtro são controla- das na organização jornalística: a) o estágio de entrada (input stage), através do qual as notí- cias e informações podem ser inseridas no processo de produção de notícias; e b) o estágio de

saída (output stage), através do qual as notícias emergem nos media. Existe uma diferença substancial entre as motivações de práticas de gatekeeping nesses estágios. Enquanto o gate- keeping no estágio de saída é normalmente feito para fornecer o que é considerado como in- formação importante para as audiências, a prática de gatekeeping no estágio de entrada é gui- ada principalmente pela rotina e pelas agendas comerciais e políticas de jornalistas individuais e as organizações às quais pertencem (BRUNS, 2005, p.12). As respostas das audiências for- mam um terceiro estágio de gatekeeping, que acontece momentos depois da publicação das notícias, através de feedbacks diversos, entre eles, as cartas aos editores, os comentários entre grupos sociais e outras formas de participação do público.

Entretanto, em sistemas e ambientes informativos da Web, o armazenamento e a transmissão de informação digitalizada têm possibilitado uma expansão do espaço e do tempo disponíveis para o conteúdo noticioso, além de um maior acesso aos meios de produção e di- fusão de conteúdos, culminando no aumento do número de canais informativos. Consequen- temente, as motivações técnicas para a prática de gatekeeping no estágio de saída (como por exemplo, as restrições de espaço e tempo típicas dos media impressos e de radiodifusão) fa- zem menos sentido.

As práticas de gatekeeping no estágio de entrada também têm se tornado menos efi- cazes, pois a informação que é rejeitada em um produto informativo tradicional pode, mais recentemente, ser aceita por outro, ou ainda ser disponibilizada por uma fonte de informação sem necessariamente estar inserida nas etapas produção jornalística. É possível ainda disponi- bilizar um amplo espaço para as respostas da audiência sem necessariamente afetar a localiza- ção ou proeminência da matéria (BRUNS, 2005).

Os processos de produção ou de monitoramento de conteúdos na rede pressupõem práticas de seleção, edição e orientação voltadas para temas de interesse de indivíduos ou gru- pos específicos, denominados gatewatchers (Bruns, 2005), que frequentemente empregam e utilizam tecnologias de compilação, ordenamento, filtragem automatizadas, somadas à tarefa de seleção humana.

Tais processos sugerem que o usuário e o produtor dependem mais de habilidades re- lacionadas à pesquisa do que de habilidades relacionadas à composição; podem ainda ter a- cesso a múltiplas visões sobre um mesmo acontecimento e a múltiplas fontes de informação (agência de notícias, press releases, depoimentos de primeira mão etc.). Mesmo que os media tradicionais continuem condicionando seus processos produtivos às práticas de gatekeeping no estágio de entrada, os usuários podem acessar diretamente essas informações, burlando os processos de seleção de informação nas redações.

Fontcuberta (2006) compartilha desta visão, ao problematizar uma das funções bási- cas dos media tradicionais e de seus profissionais: a mediação profissional dos comunicadores e a função dos media como gatekeepers e configuradores da agenda pública se transformam, no sentido de que a rede permite acesso direto do público às fontes de informação sem a me- diação dos profissionais de comunicação. Williams e Delli Carpini (2004) posicionam-se de modo mais radical quando defendem um colapso nas práticas de gatekeeping, uma vez que não existe controle efetivo do volume de informações produzidas por uma grande variedade de fontes, tampouco quaisquer restrições de tempo e de espaço para publicar informações de diversas naturezas. Orihuela (2005), por sua vez, reconhece que o paradigma na nova media- ção multiplica o número de vozes, que por sua vez, podem diluir a autoridade dos media, ao fraturar o sistema de controle editorial prévio à difusão pública da informação.

A produção ou a difusão de conteúdo informativo é possível em boa parte graças aos Sistemas de Gestão de Conteúdos (SGCs), softwares, ferramentas ou sistemas de publicação que viabilizam processos que compõem as etapas de produção e disponibilização de conteú- dos (MIELNICZUK, 2003). Exemplos de SGCs são os weblogs, que começaram a se popula- rizar no início da primeira década do século XXI. Pelo fato de que sistemas como estes não demandam do usuário conhecimentos técnicos avançados, é possível que os produtos gerados através de sua apropriação funcionem também à margem dos editores dos media tradicionais.

É importante lembrar que boa parte das práticas de seleção de informação no estágio de entrada diz respeito ao fato de que os media informativos são guiados e governados direta ou indiretamente por outras agendas (BRUNS, 2005; McCOMBS, 2006). Se os gatekeepers selecionam os acontecimentos com o objetivo de limitar o escopo de informações que serão levadas às audiências, os gatewatchers podem adquirir um maior número possível de conhe- cimento sobre seu campo de interesse ou atuação, visando a apontar a direção mais adequada às necessidades de usuários com os quais compartilham interesses semelhantes.

Por outro lado, alguns autores, como Keen (2007), argumentam que a liberação do pó- lo emissor culmina no que ele chama de culto ao amador, de modo a nivelar por baixo a pro- dução de conteúdos e piorando a qualidade da informação que circula na Rede.

De qualquer modo, o que os gatewatchers fazem é assistir ou monitorar as zonas de saída compostas por uma vasta gama de publicadores tradicionais e não-tradicionais de in- formações (sejam eles, media tradicionais, organizações que disponibilizam informações so- bre si próprias, fontes de informação, ou weblogs de natureza semelhante), com vistas a iden- tificar e utilizar esses materiais como fontes para a composição de seus próprios materiais ou ainda para a sua difusão e compartilhamento entre grupos de interesse.

Bruns explica ainda que os gatewatchers se engajam menos em processos de produ- ção de matérias completas e finalizadas e mais no processo de apontar direções para matérias que se tornam disponíveis. As construções comunicativas variam em função da estrutura do sistema informativo, podendo ser construídas sob forma de breves resumos que combinam referências, através de links, para um número de matérias, vídeos e páginas, comentando sua relevância, identificando diferentes ângulos de análise do mesmo acontecimento ou ainda es- tabelecendo conexões com outros temas relacionados (BRUNS, 2005, p.19).

Tais práticas, que incluem ações de busca, de acesso (consumo), produção e difusão de conteúdo, permitem ampliar o escopo de atuação dos usuários da rede, uma vez que poten- cializam a observação de mecanismos através dos quais os indivíduos atribuem importância aos conteúdos (temas e predicados) e aos produtos informativos (agendas).