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5.2. SUPERVISÃO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

5.2.2 Cenários de supervisão pedagógica

Alarcão e Tavares (1987/2003)1 agruparam as práticas de supervisão em nove cenários que designam como: imitação artesanal, aprendizagem pela descoberta guiada, behaviorista, clínico, psicopedagógico, pessoalista, reflexivo, ecológico e dialógico, apresentando-se, de seguida e de forma sucinta, cada um destes cenários.

Conforme os autores (2003) o cenário da imitação artesanal parte da crença da imutabilidade do saber e da convicção de que se aprende vendo como se faz e fazendo em

1 A obra a que nos referimos “Supervisão da Prática Pedagógica” de Alarcão e Tavares foi publicada pela

seguida. Deste modo, e de acordo com esta abordagem, o aluno futuro professor, ou aprendiz de professor, é colocado junto do mestre perspectivado como aquele que sabe como fazer, devendo, por isso, ser tomado pelo aluno futuro professor como modelo único a seguir mais ou menos passivamente. Assim, a demonstração por parte do mestre e a sua imitação por parte do aprendiz, numa lógica reprodutora e de perpetuação do “bom” modelo, surgem como estratégias formativas privilegiadas no contexto da prática pedagógica. Contudo, a dificuldade em definir o “bom” professor que supostamente constituía o modelo a seguir, sem ter em linha de conta as variáveis que interactuam no processo de ensino-aprendizagem e, por outro lado, sem ter em conta as novas exigências colocadas aos professores no quadro das sociedades contemporâneas, exigências estas não consentâneas com lógicas reprodutoras e modelos únicos, vieram pôr em causa esta forma de supervisionar o processo formativo dos futuros professores.

De acordo com os mesmos autores, no cenário de aprendizagem pela descoberta guiada, o conhecimento dos modelos teóricos de ensino, surge como estratégia de formação alternativa à estratégia centrada na imitação do mestre. Esta abordagem propunha assim que os futuros professores tivessem oportunidades de observar diferentes professores em contextos diversos, ainda antes de iniciarem o seu estágio pedagógico na fase final do curso, para depois aplicá-los experimentalmente. Conforme os autores, este cenário, contrariamente ao anterior, atribui, desta forma, um papel mais activo ao aluno em formação tanto ao nível das suas capacidades para observar e reflectir sobre as variáveis do seu contexto, mas também na aplicação experimental dos referidos modelos de ensino e na inovação pedagógica. De acordo com Sá-Chaves (2002a), à luz deste cenário, a função do supervisor será a de conduzir o formando na descoberta do seu estilo pessoal de ensinar em vez de se expor como modelo a seguir.

Segundo Alarcão e Tavares (2003), o cenário behaviorista, enquadrado por uma orientação tecnológica anteriormente descrita, valoriza como estratégias de formação o micro-ensino, técnica através da qual se procura criar oportunidades para que os futuros professores possam treinar e pôr em prática, através de mini-aulas, videogravadas, determinadas competências e estratégias de ensino sugeridas pela investigação científica como soluções mais ou menos estandardizadas (Alarcão e Tavares, 2003). De acordo Sá- Chaves (2002a), a supervisão da prática pedagógica, à luz deste cenário, tem como objectivo controlar a aprendizagem e a aplicação das referidas competências e estratégias

de ensino, fechando-se a formação e a sua supervisão no laboratório. Retomando Alarcão e Tavares (2003), apesar desta estratégia de formação ter conquistado muitos adeptos e de se terem desenvolvido esforços no sentido de analisar o acto de ensino e de se definirem as competências do “bom” professor, esta abordagem também apresenta grandes limitações que se prendem com a descontextualização das competências que se pretendem desenvolver e pela simplificação que se atribui a um processo de elevada complexidade como é o processo de ensino-aprendizagem.

De acordo com os mesmos autores, no cenário clínico, a ideia de colaboração constitui-se como um elemento-chave neste modelo. Caracteriza-se, por isso, pela colaboração entre o aluno futuro professor e o supervisor com o objectivo de melhorar as concepções e as práticas de ensino dos professores, tomando como ponto de partida a própria prática, valorizando-se a observação, a análise e a reflexão conjunta sobre as mesmas. Deste modo, centra, a sua atenção em situações reais, únicas e complexas nas quais os actos de ensinar e de aprender têm lugar, procurando o supervisor estimular no formando atitudes reflexivas e investigativas sobre o ensino e a aprendizagem, com vista à autonomia gradual do futuro professor no processo de tomada de decisões e na resolução dos problemas emergentes da prática. Esta abordagem assenta na aceitação e iniciativa do futuro professor, sendo fundamental que se estabeleça, segundo os autores, uma relação e um clima de confiança entre ambos de modo a que o formando seja capaz de confiar e partilhar com o supervisor as suas preocupações e dificuldades. Este modelo pressupõe, assim, uma abordagem, centrada na resolução de problemas, organizada em fases que constituem o ciclo de supervisão. Desta forma, num primeiro momento, denominado de encontro pré-observação, o supervisor e o estagiário identificam os problemas emergentes da prática e que requerem uma solução, sendo de referir que, neste processo, a ajuda prestada pelo supervisor, quer na identificação do problema, quer na definição de possíveis soluções para o mesmo, depende do nível de autonomia já conquistado pelo futuro professor para identificar, decidir e resolver problemas. Esta fase visa ainda planificar conjuntamente a estratégia de observação das práticas do futuro professor a serem utilizadas pelo supervisor. Num segundo momento, que corresponde à fase interactiva, o supervisor observa o modo como o estagiário põe em prática as estratégias e os procedimentos com vista à resolução dos problemas previamente identificados, recolhendo informação pertinente sobre o problema em causa, para que, finalmente, no encontro pós-

observação procederem à análise e interpretação em conjunto dos dados recolhidos durante a aula através de estratégias de reflexão diversificadas. Neste processo, e conforme Alarcão e Tavares (2003: 28), o aluno futuro professor “deve ter um papel muito activo, uma vez que só através da compreensão do significado dos dados é que se sentirá comprometido com o ensino que praticou e o ensino que deseja praticar”.

Quanto ao cenário psicopedagógico, e ainda segundo Alarcão e Tavares (2003), decorre do princípio defendido por Stones (1984) para quem a supervisão é entendida como uma forma de ensino, pelo que, ensinar os professores a ensinar deverá constituir-se como o objectivo principal de toda a supervisão pedagógica. Tal como o cenário clínico, também este modelo “propõe uma relação de ensino-aprendizagem baseada na identificação e resolução dos problemas da prática docente” (ibidem: 30) assente num clima dialogante e de encorajamento. De acordo com este modelo, o ciclo de supervisão da prática pedagógica integra três etapas: a) a preparação da aula do formando com a ajuda do supervisor; b) a discussão sobre a aula dada pelo formando, e, finalmente, c) a avaliação do ciclo supervisivo.

No que se refere ao cenário pessoalista, enquadrado por um programa de formação de professores também ele de orientação pessoal, o desenvolvimento da pessoa do professor ocupa um papel de relevo. De acordo com esta perspectiva, torna-se fundamental a criação, por parte do supervisor, de uma atmosfera relacional e de um clima humanamente consistente, que favoreça esse mesmo desenvolvimento e que conduza o aluno futuro professor, através da reflexão e de estratégias de encorajamento, a um auto- conhecimento (Elbaz, 1988, citada por Sá-Chaves, 2000a).

O cenário reflexivo, tal como salientam Alarcão e Tavares (2003), sustenta-se nas perspectivas de Donald Schön. O processo formativo inerente a este cenário combina, conforme os autores, acção, experimentação e reflexão dialogante sobre as experiências vividas pelo aluno futuro professor “segundo uma metodologia do aprender a fazer fazendo (e pensando), que conduz à construção activa do conhecimento gerado na acção e sistematizado na reflexão” (ibidem: 35). Neste cenário o papel do supervisor é crucial no sentido de ajudar e apoiar o estagiário na reflexão crítica sobre as práticas com vista à compreensão dos problemas emergentes da acção nos respectivos contextos, na procura de soluções alternativas e mais ajustadas para esses mesmos problemas e na consciencialização das implicações sociais e éticas da sua intervenção, encorajando-o a

investir no seu desenvolvimento e auto-formação conduzindo, assim, o estagiário a uma progressiva emancipação.

O cenário ecológico, referido por Alarcão e Sá-Chaves (1994) e mais tarde por Oliveira-Formosinho (1997) inspira-se no modelo de desenvolvimento humano de Bronfenbrenner (1979) e num tipo de supervisão de cariz reflexivo. Neste cenário a natureza dos contextos de formação (instituição de formação inicial, instituições onde se realiza a prática pedagógica, comunidade …), por sua vez inseridos em contextos mais alargados e, por outro lado, as relações que se estabelecem entre eles, ocupam um papel fundamental no desenvolvimento profissional, pessoal e social do aluno futuro professor. Trata-se de uma abordagem que, conforme Alarcão (2006: 336), assenta “numa metodologia de aprendizagem experiencial, de acção-formação-investigação, em que o formando constrói o seu saber mediante a realização de diversas tarefas que o levam a assumir diferentes papéis e a interagir com pessoas distintas”. Neste cenário, e de acordo com a mesma autora, é ao supervisor que cabe organizar e gerir os contextos de desenvolvimento, sendo, ao mesmo tempo, facilitador da formação nesses mesmos contextos.

Finalmente, Alarcão e Tavares (2003: 40), apresentam de seguida o cenário dialógico que aponta para uma abordagem supervisiva contextualizada e dialógica, recaindo a acção supervisiva na análise dos contextos e atribuindo-se à linguagem e ao discurso crítico um papel fundamental “na construção da cultura e do conhecimento próprio dos professores como profissionais e na desocultação das circunstâncias contextuais, escolares e sociais que influenciam o exercício da sua profissão”. No diálogo construtivo que se estabelece entre todos os actores envolvidos no processo de formação (alunos futuros professores e supervisores) todos são parceiros da mesma comunidade profissional, todos têm direito a ter voz e todos estão interessados em inovar e contribuir para a transformação dos contextos educativos, acentuando-se a dimensão política e emancipatória da formação. Um pouco mais tarde, Moreira (2005) e Vieira (2006) referem que se trata de uma supervisão democrática (ao nível das relações interpessoais e dos processos de construção do conhecimento profissional), participativa, transformadora (dos intervenientes e dos contextos de acção), reflexiva, colegial, colaborativa, aberta à negociação e à liberdade de escolha tendo em vista a melhoria da qualidade das aprendizagens dos alunos.

Conforme Alarcão e Tavares (2003) cada um destes cenários enfatiza determinados aspectos do processo de supervisão, realçando os autores que todos eles contêm elementos válidos para o processo supervisivo. Neste sentido, os autores chamam a atenção para o facto destes cenários não poderem ser entendidos de forma estanque e mutuamente exclusivos na medida em que, com frequência coexistem, interpenetrando-se. Neste sentido os autores sistematizam de forma convergente e conciliadora os diferentes contributos inerentes aos diversos cenários, referindo que Sá-Chaves (2002a) veio a chamar-lhe de cenário integrador e sobre o qual esta autora desenvolveu o seu próprio conceito de supervisão não standard. Conforme a autora trata-se “da capacidade de construir soluções ajustadas à natureza complexa, incerta e frequentemente ambígua de cada situação educativa problemática, renunciando à crença de que possa existir um conhecimento de tipo standard que possa constituir uma resposta generalizada a todas elas” (ibidem: 23). Exige, por isso, uma orientação com um elevado nível de reflexividade, não se compadecendo, tal como refere Vieira (2006: 17), “com uma definição totalmente apriorística de objectivos, conteúdos e estratégias, devendo, antes, assumir-se como praxis” o que remete para uma perspectiva de gestão flexível dos próprios processos supervisivos em função das especificidades do próprio contexto e dos participantes no processo, assente numa negociação de sentidos e decisões através de um discurso dialógico.