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Educação para a cidadania multidimensional e global: uma visão

4.1. CONCEITO DE CIDADANIA

4.2.2 Educação para a cidadania multidimensional e global: uma visão

Ninomiya, 1998) já anteriormente referido, e com o objectivo de desenvolver nos alunos as oito qualidades e virtudes anteriormente referenciadas, os autores desenvolveram um modelo que integra quatro dimensões articuladas entre si e que se influenciam mutuamente: a dimensão pessoal, a dimensão social, a dimensão espacial e a dimensão temporal. Trata-se, assim, de uma configuração que pressupõe a existência de um “eu” na sua relação com um “outro” situados num tempo e num espaço, enquadrados por um conjunto de princípios e valores comuns e partilhados, os quais, se interiorizam na convivência com o outro.

Figura 4.2: As quatro dimensões da cidadania multidimensional

Fonte: (Kubow, Grossman e Ninomiya, 1998, p. 117).

Dimensão 1: Dimensão pessoal Dimensão 3: Dimensão espacial Dimensão 2: Dimensão social Dimensão 4: Dimensão temporal

Neste modelo integrado, a dimensão pessoal da cidadania remete para a ideia de cidadão como pessoa livre, autónoma, mas responsável e solidária. Com efeito, e tal como salienta Praia (1999: 7), pertencer a uma sociedade pressupõe “um eu-social-solidário”, aspecto este que na perspectiva da autora configura um “conceito de cidadania, indissociável da consciência de ser –(se) cidadão e ter-(se) consciência cívica”. É neste sentido que, também, Kubow, Grossman e Ninomiya (1998), referem que esta dimensão implica o desenvolvimento, por parte do indivíduo, da sua consciência e da sua capacidade para um compromisso cívico e ético caracterizado por hábitos mentais, emocionais e de acção responsáveis, tanto do ponto de vista individual como do ponto de vista social. É também neste sentido que um dos novos saberes básicos percebidos como fundamentais a todos os cidadãos no século XXI se designa por aprender a ser. Isto significa que é fundamental que o indivíduo, enquanto cidadão, desenvolva a sua capacidade para pensar de forma crítica e sistemática, a sua compreensão e sensibilidade relativamente às diferenças culturais, a sua capacidade para encontrar soluções para os problemas e para resolver conflitos de forma responsável, cooperada e não violenta e, ainda, a sua predisposição para proteger o ambiente, os direitos humanos e envolver-se na vida pública. Na perspectiva destes autores, isto só será possível se cada um dos cidadãos se comprometer com esta forma de viver orientando, deste modo, a sua vida pessoal de acordo com estes princípios, tornando-se necessário o desenvolvimento de um conjunto de valores cívicos e éticos. Neste sentido, os autores defendem que esta dimensão da educação para a cidadania multidimensional deve centrar-se de forma explícita na área dos valores e da ética.

Contudo, apesar de se reconhecer a importância das qualidades pessoais elas não são de modo algum condição suficiente para promover uma cidadania multidimensional na medida em que esta, na sua verdadeira essência, é uma actividade eminentemente social, visto que envolve pessoas que vivem, convivem e trabalham juntas. Deste modo, a dimensão social da cidadania é igualmente importante, tornando-se necessário que os indivíduos aprendam a viver juntos, tal como o relatório da UNESCO (1996) adverte, e sejam capazes de interagir uns com os outros em contextos diversificados e de se envolverem e de participarem nos debates e na vida pública. De acordo com os autores, esta participação social deverá ser articulada com uma predisposição para agir, acção esta assente nos processos reflexivos e deliberativos e no respeito pelos direitos dos outros,

tratando-se, por isso, de uma competência tal como se definiu em capítulos anteriores. Acrescentam ainda que esta participação não pode limitar-se a uma participação passiva, isto é, limitar-se às questões políticas e à participação nas eleições através do voto, aspecto este já amplamente referido anteriormente. Deve assim ser uma participação activa na vida pública numa diversidade de domínios através de várias instituições da sociedade civil, governamentais e não governamentais, exercendo assim o cidadão o seu compromisso para com a sociedade civil. Desta forma, esta dimensão da educação para a cidadania multidimensional dirige-se especificamente para a participação, sendo fundamental, em termos educacionais, que se proporcionem aos alunos oportunidades de modo a que estes desenvolvam as suas competências de acção, necessárias para o envolvimento em acções de cidadania activa (Holden e Clough, 1998). Tal poderá ocorrer, conforme Menezes (2005) através da própria participação numa multiplicidade de iniciativas nos vários contextos de vida, como por exemplo, através do envolvimento em projectos comunitários, através de serviço de voluntariado, através de serviço comunitário, nomeadamente oferecendo suporte a deficientes e a idosos, contribuindo para a manutenção do ambiente, promovendo actividades culturais, permitindo deste modo a construção da solidariedade entre os cidadãos. De acordo com esta perspectiva, e tal como já foi salientado anteriormente, a sociedade civil ocupa, assim, um papel importante no desenvolvimento da cidadania, tornando-se possível, deste modo, retomar o conceito de cidade educadora da antiga Grécia. Nesta mesma linha, Carneiro (1997: 411) fala “de uma verdadeira pedagogia urbana como elemento integrador conceptual da cidade educadora”. Tal como salienta o autor, esta filosofia pedagógica ultrapassa largamente “o espaço estritamente escolar – perímetro tradicional de ensino formal – para invadir toda a topologia urbana como espaço vivo de aprendizagem”.

Subjacente à dimensão espacial encontra-se a ideia de uma interdependência cada vez maior do mundo, fruto das mudanças ocorridas na sociedade, o que significa que os problemas transcendem as fronteiras nacionais requerendo soluções internacionais. Nesta linha de pensamento, Audigier (2000) afirma que a identidade e a pertença estão a mudar e estão a ser expressas em novos contextos com novos significados, exigindo de nós uma compreensão para esse facto. A dimensão espacial remete-nos, assim, para a noção de que os cidadãos devem encarar-se como membros de várias comunidades sobrepostas e interligadas: a local, a regional, a nacional, a multinacional, ou seja, tal como refere Parisot

(2001: 28) “ter um comportamento de cidadão é também participar, cooperar, comprometer-se, militar, quer no seio da sua comuna, quer a nível regional, nacional e europeu” e acrescentar-se-ia também, a nível mundial, enquanto cidadão do mundo.

Finalmente, a dimensão temporal procura articular o presente com o passado, na medida em que este é fundamental para compreendermos melhor o presente, sem esquecer a preparação para o futuro. Ao recorrerem aos antropólogos que alertaram para a existência de uma certa tendência para se perspectivar o mundo através de uma perspectiva cultural limitada, designada de etnocentrismo, os autores estabelecem uma analogia com este facto, referindo também a tendência que existe para olhar o mundo através de uma perspectiva temporal limitada, que denominam de visão tempocêntrica, ou seja a tendência para limitar a visão do mundo às circunstâncias presentes. Tal como afirmam os autores, as dimensões pessoal e social da cidadania multidimensional estão em grande parte condicionadas do ponto de vista histórico, acrescentando ainda que o conhecimento das tradições e da história do mundo é fundamental para ajudar os cidadãos a melhor compreender o que a cidadania requer e implica. Desta forma, mais facilmente o cidadão poderá compreender os processos de continuidade e as rupturas que caracterizam a dinâmica histórica e que permitem atribuir sentido às realidades presentes. Por isso, a cidadania enquanto conceito multidimensional requer que se preste a devida atenção ao passado. Ao mesmo tempo, os autores também relembram que, ao enfrentar os desafios contemporâneos, os cidadãos não devem esquecer que as suas acções presentes terão um impacto no futuro, sendo por isso fundamental evitar, sempre que possível soluções que tenham apenas uma visão de curto prazo o que remete para as questões da sustentabilidade em todas as suas dimensões, já anteriormente referidas.

Conforme Henriques, et al (2001: 21), “na educação para a cidadania, cruzam-se, por isso, preocupações de formação individual e grupal, nacionais, europeias e globais, apelando a uma constante busca de equilíbrio entre valores de proximidade e a responsabilização e participação de carácter não só transnacional como até intergeracional”.