• Nenhum resultado encontrado

4.1. CONCEITO DE CIDADANIA

4.2.3 Competências de cidadania

4.2.3.1 Competências a serem desenvolvidas no âmbito da educação para a cidadania

Tendo por base as características das sociedades contemporâneas e uma perspectiva de cidadania multidimensional, já abordada, importa então perceber que competências deverão ser valorizadas no âmbito da educação para a cidadania democrática e multidimensional. De acordo com Audigier (1998, 2000), a educação para a cidadania deve visar essencialmente o desenvolvimento de três tipos de competência: competências cognitivas, competências ético-afectivas e competências sociais e de acção. Ou seja, a educação para a cidadania implica agir integradamente sobre a dimensão cognitiva, nomeadamente ao nível dos conhecimentos de natureza diversa, sobre a dimensão afectiva ao nível dos valores e das emoções e, também, sobre a dimensão atitudinal e comportamental e ao nível da vontade e das motivações do próprio indivíduo para o exercício de uma cidadania activa e responsável. Trata-se, portanto, de uma perspectiva que ultrapassa a mera competência técnica, situando o conceito ao nível da competência reflexiva e meta-reflexiva, considerada na sua dupla dimensão: individual e colectiva.

Relativamente às competências de natureza cognitiva, estas associam-se geralmente, ao conhecimento dos conteúdos e à compreensão do mundo. Por isso mesmo, este autor considera que estas competências pressupõem três níveis de conhecimento: conhecimento de carácter jurídico-político, conhecimento sobre o mundo actual e conhecimento dos procedimentos que remetem para a dimensão do saber-fazer.

Com efeito, é fundamental que qualquer cidadão conheça, por exemplo, as regras da vida colectiva e os procedimentos democráticos para o estabelecimento dessas mesmas regras, conheça as diferentes estruturas de poder numa sociedade democrática, conheça as instituições sociais e políticas locais, regionais e nacionais e o modo como funcionam, conheça os direitos individuais e colectivos, assim como as responsabilidades e os deveres para com o Estado e para com a sociedade em geral. Contudo, e tal como faz notar Audigier (2000), este conhecimento de carácter jurídico-político requer uma mais vasta compreensão do mundo, ampliando, assim, o âmbito da perspectiva. Com efeito, para que o indivíduo possa compreender a complexidade do mundo em que vive, intervir no debate

público e participar nos processos de tomada de decisões, é necessário que possua um conhecimento referencial, do foro científico, histórico e cultural de modo a saber de que é que se está a falar para poder pronunciar-se de forma fundamentada sobre o assunto em análise. Este aspecto mostra claramente que o domínio das literacias básicas, aqui entendidas como instrumentos de compreensão e de leitura do mundo, constitui um nível de competência elementar, mas fundamental para se poder exercer plenamente a cidadania (UNICEF, UNESCO, PNUD, Banco Mundial, 1991; Perrenoud, 2002; Sá-Chaves, 2005a). Por isso mesmo, é que se torna necessário investir no seu desenvolvimento. Este conhecimento acerca do mundo também inclui a capacidade para compreender que muitas das decisões que tomamos no presente terão impacto no futuro, tornando-se importante procurar soluções estruturais de longo prazo evitando-se, dentro do possível, as soluções centradas apenas nas circunstâncias presentes.

Ainda no âmbito das competências cognitivas, Audigier (2000) fala também num outro nível de conhecimento, isto é, o conhecimento dos procedimentos, o qual está ligado de certa forma ao domínio pragmático ou do saber-fazer. Este tipo de conhecimento engloba a capacidade de análise, de síntese, de reflexão e a capacidade de tomar a palavra, de argumentar e de agir, à luz dos princípios e valores subjacentes aos direitos do homem. Isto é, trata-se de uma competência com elevado nível de complexidade que alia o saber e o saber-fazer, enquanto acção intencional e informada por conhecimentos actualizados e pertinentes, mas também por valores socialmente legitimados.

Quanto às competências ético-afectivas, de acordo com o mesmo autor, justificam-se na medida em que cada um de nós se constrói, enquanto pessoa e estabelece relações com os outros e com o mundo, de acordo com determinados princípios e valores. No largo espectro que apresentam, aqueles que, na perspectiva da educação para a cidadania democrática devem ser alvo de especial atenção, são a auto-estima e o respeito por si próprio, o respeito pelos outros e pelo meio ambiente, assim como a capacidade para ouvir e para resolver pacificamente os conflitos.

As competências sociais e de acção visam melhorar a capacidade e a vontade das pessoas para tomar iniciativas e aceitar responsabilidades na sociedade. São essa capacidade e essa vontade que tornam o indivíduo apto para participar activamente na regulação dos assuntos comunitários e na resolução colectiva dos problemas. Por isso mesmo, se reconhece claramente que os conhecimentos, as atitudes e os valores só fazem

sentido na vida quotidiana pessoal e social se se traduzirem na capacidade e vontade de agir responsavelmente e se se concretizarem em acções. Deste modo, as competências sociais e de acção incluem a capacidade e a vontade para viver e de trabalhar com os outros, a capacidade e a vontade para cooperar e para se empenhar em projectos e iniciativas comuns, a capacidade e a vontade para resolver conflitos de forma pacifica, dialogada e segundo os princípios democráticos, a capacidade e a vontade para participar activamente e criticamente no debate público no processo de tomada de decisões e nas actividades que concretizam essas mesmas decisões.

Também no estudo “educação para a cidadania nas escolas da Europa”, realizado pela rede de informação sobre educação na Europa – Eurydice (2005), e no qual participaram cerca de 30 países da rede Eurydice4, são identificados três grandes temas ou competências-chave percebidos como particularmente relevantes a serem desenvolvidos no âmbito da educação para a cidadania e que vão na mesma linha das apresentadas por Audigier (1998, 2000). De acordo com o referido estudo europeu, esta área curricular visa, essencialmente, orientar os alunos para o desenvolvimento de uma (a) literacia política, (b) de um pensamento crítico assim como de determinadas atitudes e valores, e, finalmente, (c) o desenvolvimento de uma participação activa.

No que se refere ao desenvolvimento de uma literacia política, esta compreende: •

• •

“ aprendizagem das instituições sociais, políticas e cívicas, bem como dos direitos humanos; •

• •

o estudo das condições propícias a uma vida harmoniosa em sociedade, questões sociais e

problemas sociais presentes e futuros;

• • •

o ensinar os jovens sobre as constituições nacionais, de modo a prepará-los melhor para o

exercício dos seus direitos e responsabilidades;

• • •

a promoção do reconhecimento da herança cultural e histórica; •

• •

a promoção do reconhecimento da diversidade cultural e linguística da sociedade.

Quanto ao desenvolvimento do um pensamento crítico e de determinadas atitudes e valores, este implica:

• • •

a aquisição de competências necessárias a uma participação activa na vida pública; •

• •

o desenvolvimento do reconhecimento e do respeito por si próprio e pelos outros, com vista

alcançar uma maior compreensão mútua;

• • •

a aquisição de responsabilidade social e moral, incluindo a auto-confiança e a aprendizagem de

um comportamento responsável perante os outros;

4 Países participantes no Estudo Eurydice (2005): Bélgica, República Checa, Dinamarca, Alemanha, Estónia, Grécia,

• • •

o fortalecimento de um espírito de solidariedade; •

• •

a construção de valores, tendo em consideração a pluralidade de pontos de vista e das perspectivas

sociais;

• • •

o aprender a escutar e a resolver conflitos pacificamente; •

• •

o aprender a contribuir para um ambiente seguro; •

• •

o desenvolvimento de estratégias mais eficazes de combate ao racismo e à xenofobia. Finalmente, a participação activa dos alunos pode ser encorajada: •

• •

capacitando-os para um maior envolvimento na sociedade em geral (ao nível internacional,

nacional, local e escolar);

• • •

proporcionando-lhes uma experiência prática da democracia na escola; •

• •

desenvolvendo a sua capacidade de interagir uns com os outros; •

• •

encorajando-os a desenvolver iniciativas de projectos conjuntamente com outras organizações (tais

como comunitárias, organismos públicos e organizações internacionais) assim como projectos que envolvam outras comunidades” (Eurydice, 2005: 10).

Estas três grandes dimensões-chave são interdependentes e integram-se nas quatro dimensões da educação para a cidadania multidimensional proposta por Kubow, Grossman e Ninomiya (1998) e que se relembram: dimensão pessoal, social, espacial e temporal.

A inclusão implícita ou explícita de cada uma destas três grandes competências- chave no currículo dos países europeus é ilustrada na figura seguinte:

Figura 4.3: Objectivos da educação para a cidadania conforme definidos nos documentos oficiais relativos ao ensino primário, secundário inferior e superior gerais, 2004/05

(Fonte: Eurydice, 2005: 24)

De acordo com a análise da figura 4.3 constata-se que, ao nível do ensino primário, numa maioria significativa de países, estas três grandes competências-chave (literacia política, atitudes e valores, participação activa) se encontram referenciadas, de forma explícita, nos documentos oficiais dos países em causa. Contudo, é de referir que a competências ligada às atitudes e valores assumem particular relevância, surgindo explicitamente referenciada em 33 países de um total de 35, salientando-se, deste modo, a clara importância que os países participantes já atribuem à dimensão socializadora da cidadania.

Considerando que estas são as principais dimensões de competência a serem desenvolvidas no âmbito da educação para a cidadania, parece fundamental, então, perceber como é que elas poderão ser promovidas na escola ao nível das decisões e práticas curriculares dos professores e também ao nível da formação destes profissionais, estabelecendo, desse modo, a compreensão integrada desta temática com as abordagens curriculares já explicitadas.

4.2.4 Abordagens curriculares e contextos para a implementação da área da educação