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Conforme se tem vindo a procurar evidenciar nos capítulos anteriores, é fundamental, no contexto das sociedades actuais, o papel da escola e dos professores como agentes de mudança e de transformação, sendo, por isso, incontestável a necessidade dos mesmos serem capazes de desenvolver estratégias intencionais e fundamentadas que, conforme Sá-Chaves, (2000a) visem a melhoria e a qualidade da educação de todos os alunos, de modo a promover uma formação de base que responda ao pluralismo e às novas necessidades e exigências dessa mesma sociedade.

Neste contexto a formação de professores, e tal como salienta Esteves (2002: 907), “surge frequentemente como vector estratégico imprescindível para sustentar mudanças de diversa natureza a introduzir no domínio da educação”. Por isso, consideramos

fundamental prestar uma especial atenção às diferentes orientações conceptuais que têm orientado os conteúdos e a acção formativa dos programas de formação de professores e que traduzem perspectivas diversas sobre os propósitos e finalidades da formação destes profissionais.

5.1.1 Concepções e modelos de formação nos programas de formação inicial

Nas últimas décadas vários autores têm procurado identificar os modelos, os paradigmas ou as orientações conceptuais que têm configurado as práticas de formação de professores. De entre tantos outros, destacamos Zeichner, (1983), Feiman-Nemser (1990) e Zeichner e Liston (1990). Também Marcelo (1999) se debruça sobre este assunto, autor que seguiremos de perto.

Na análise que efectua às orientações conceptuais na formação de professores, Marcelo (1999) recorre à tabela síntese das diversas classificações de modelos configuradores das orientações conceptuais construída por Feiman-Nemser (1990). Na apresentação dessa tabela, o autor inclui também a classificação sugerida por Pérez Gómez (1992) justificando a inclusão desta classificação na tabela propostas por Feiman-Nemser pelo facto de Pérez Gómez (1992) apresentar abordagens diferenciadas para algumas das orientações conceptuais identificadas na referida tabela, sugerindo, assim, uma evolução conceptual no contexto de cada uma das orientações.

Marcelo (1999) refere cinco grandes orientações conceptuais que inspiram, na actualidade, os programas de formação inicial de professores e designa-as como: académica, tecnológica, personalista, prática e social-reconstrucionista.

Conforme o autor, a orientação académica, na formação de professores, acentua o papel do professor enquanto especialista nas matérias escolares das disciplinas que ensina privilegiando-se o saber teórico em detrimento do saber prático sendo, por isso, objectivo fundamental na formação destes profissionais o domínio do conteúdo disciplinar. De acordo com Marcelo (1999) Pérez Goméz (1992), refere que, nesta orientação, coexistem duas abordagens: uma designada de abordagem enciclopédica e outra denominada de abordagem compreensiva. A primeira é aquela que enfatiza mais fortemente o conhecimento do conteúdo como o conhecimento mais importante que o professor deve

possuir para o exercício da sua actividade profissional. De acordo com esta abordagem, e retomando o capítulo dois do presente estudo, o ensino é entendido como a passagem de um saber, sendo a função do professor a de transmissor de conhecimentos e cultura como um processo de acumulação e, como tal, quantos mais conhecimentos possuir, melhor poderá desempenhar a sua função de mera transmissão. No contexto desta perspectiva não se verifica uma clara distinção entre o saber e o saber ensinar, pelo que a formação pedagógico-didáctica é colocada num plano de subalternidade. Relativamente à segunda abordagem identificada por Pérez Gómez – abordagem compreensiva – o professor não é perspectivado como uma “enciclopédia”, mas sim como um intelectual que manifesta não só uma formação científica sólida, mas também uma compreensão da matéria que ensina e de como a deve ensinar com vista à compreensão significativa, por parte dos alunos, dos conteúdos transmitidos. Deste modo, ao referir-se a esta abordagem apresentada por este autor, Marcelo (1999:34) salienta que a formação de professores “deve procurar que os mesmos sejam conhecedores especialistas do conteúdo que têm de ensinar, [assim como], sujeitos capazes de transformar esse conhecimento do conteúdo em conhecimento de como o ensinar”, na linha do trabalho desenvolvido por Shulman (2004), já referido anteriormente.

Segundo Marcelo (1999) na orientação tecnológica o professor é entendido como um técnico que domina e aplica um conjunto de estratégias de ensino estandardizadas sugeridas pela investigação científica, produzidas por outros, sobre o acto de ensinar. Pérez Goméz (1992) diferencia também nesta orientação duas abordagens ou modelos: o modelo de treino e o modelo de adopção de decisões. De acordo com o modelo de treino, o objectivo fundamental da formação de professores é o treino de competências, de técnicas, de procedimentos e de habilidades observáveis que demonstraram ser eficazes através da investigação científica sobre os processos de ensino-aprendizagem de acordo com o paradigma processo-produto e que os professores deveriam aprender a dominar independentemente dos contextos de acção. No que diz respeito ao modelo de adopção de decisões, enquadrado também pela orientação tecnológica, subentende-se uma variante menos técnica e mais deliberativa que se tem vindo a desenvolver, orientada por uma concepção de professor como decisor. À luz deste modelo, e conforme Pérez Gómez (1992) o professor não deve transferir, de forma mecânica, para a prática o conhecimento produzido pela investigação científica, mas sim converter esse conhecimento em princípios

e procedimentos que os professores utilizam para tomar decisões e resolver problemas inerentes às práticas diárias. Assim, e segundo o mesmo autor, os professores, no contexto da sua formação, devem aprender não apenas estratégias e técnicas de intervenção apoiadas na investigação científica, mas também, aprender a decidir que estratégias utilizar em cada situação, em função dos problemas emergentes da prática e das características da própria situação na qual intervêm, ultrapassando-se o mero conhecimento implícito de estratégias, de técnicas e de habilidades desenvolvidas mediante o treino.

Retomando Marcelo (1999), na orientação personalista, o professor é perspectivado como uma pessoa, enfatizando o carácter pessoal do ensino. Trata-se, por isso, de uma orientação que acentua a importância da dimensão humana do professor, a sua maneira de pensar, de sentir e de se construir como pessoa e como profissional de forma indissociável. Deste modo, um programa de formação de professores com esta orientação, tem como objectivo principal desenvolver nos futuros professores as suas capacidades de auto-descoberta do seu modo pessoal de ensinar, de introspecção, de conhecimento de si próprio e de maturidade.

Na orientação prática a experiência de ensino em contexto de sala de aula é perspectivada como fonte de aprendizagem para se ser professor e, como tal, trata-se de uma formação que se baseia na aprendizagem direccionada para a prática e a partir da prática, orientada por professores experientes, sendo, no contexto da formação de professores, o procedimento considerado mais eficaz para o desenvolvimento, no futuro professor, das competências para gerir as situações singulares, ambíguas e incertas próprias do processo de ensino-aprendizagem. Conforme Marcelo (1999), Pérez Gómez (1992) também refere duas correntes bem distintas no contexto desta orientação. Uma remete para uma abordagem tradicional apoiada quase exclusivamente na experiência prática em que o futuro professor se inicia no mundo especializado da docência por tentativa e erro, imitando o estilo do seu orientador através de um longo processo de socialização. Segundo Pérez Gómez (1992), de acordo com esta abordagem, o conhecimento profissional é tácito e raramente verbalizado. A outra abordagem referida pelo autor enfatiza a prática reflexiva, à luz dos contributos de Donald Schön, já referido anteriormente no capítulo dois, aos quais acrescentamos também os de Keneth Zeichner.

Finalmente, Marcelo (1999) refere a orientação social-reconstrucionista que, segundo o autor, mantém uma estreita relação com a orientação prática anteriormente

descrita. Contudo, e conforme Marcelo (1999), do ponto de vista desta orientação “a reflexão não pode ser concebida como uma mera actividade de análise técnica ou prática, mas incorpora um compromisso ético e social de procura de práticas educativas e sociais mais justas e democráticas, sendo os professores entendidos como activistas políticos e sujeitos comprometidos com o seu tempo” (ibidem: 44). Assim, segundo esta orientação, a formação de professores tem como grande objectivo o desenvolvimento, no futuro professor, das capacidades investigativas, de análise e de reflexão crítica sobre a prática, assim como das capacidades de intervenção e participação responsável e informada nos contextos com vista à transformação e construção de uma sociedade mais justa e democrática, assumindo a componente de prática da formação um papel crucial no currículo de formação. De acordo com Marcelo (1999) Pérez Goméz (1992), identifica, também, para esta orientação duas abordagens: uma designada de abordagem crítica e reconstrução social e outra denominada de abordagem de investigação-acção. De acordo com a primeira abordagem os programas de formação de professores enfatizam três aspectos fundamentais: (i) o desenvolvimento cultural do futuro professor com uma orientação predominantemente política e social, (ii) o desenvolvimento das capacidades de reflexão crítica sobre a prática e (iii) o desenvolvimento de atitudes de compromisso político que conduzam a práticas transformadoras. No que diz respeito à segunda abordagem, na linha do trabalho desenvolvido inicialmente por Stenhouse, a formação de professores é orientada para a indagação, conduzindo os professores à adopção de uma atitude reflexiva sobre o seu próprio ensino com vista à transformação das suas concepções e práticas.

Embora cada uma destas orientações enfatize dimensões formativas específicas em detrimento de outras, julgamos que uma formação de professores que tenha em vista formar profissionais capazes de responder com qualidade, competência e responsabilidade aos desafios que hoje as sociedades lhes colocam, terá de ser sempre uma formação multidimensional cuja configuração integre, de forma crítica e contextualizada, os contributos das diferentes orientações. É nesta linha que Zeichner (1992) assinala a tradição genérica que enfatiza o ensino reflexivo, admitindo também a possibilidade de articulação das diferentes orientações. De acordo com Sá-Chaves (1994/2002a: 72), Zeichner (1992) aponta, assim, “para a necessidade de uma reflexão sobre o sentido global da intervenção, tornando-a menos enfocada sobre qualquer dos aspectos particulares de

cada uma das perspectivas anteriores e assentando num pressuposto segundo o qual as acções dos professores serão necessariamente melhores se forem, cada vez mais, fruto de uma atitude deliberada e intencional”.

5.2. SUPERVISÃO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES