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Formação de professores e supervisão pedagógica: Princípios reguladores

5.2. SUPERVISÃO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

5.2.4 Formação de professores e supervisão pedagógica: Princípios reguladores

Em jeito de síntese e tendo em consideração, por um lado, os contributos teóricos das áreas da especialidade e, por outro, os desafios que hoje se colocam aos professores bem como a complexidade das funções que estes profissionais são chamados a desempenhar, julgamos que uma formação de qualidade está dependente da natureza dos contextos e das dinâmicas de formação, valorizando-se, por isso, um conjunto de dimensões formativas e de princípios dos quais se destacam:

a) A valorização da dimensão de pessoalidade dos alunos futuros professores (Nóvoa, 1992; Sá-Chaves, 2002) e da individualização da formação (Marcelo, 1999), reconhecendo-se a importância da vertente afectiva que determina em grande medida o sucesso da actividade formativa. Deverá, por isso, ser uma formação dirigida à singularidade de cada formando, considerando-o como ser cujo desenvolvimento é um processo integral e multidimensional, tendo como objectivo fundamental o saber-ser do aluno futuro professor, estimulando os mecanismos que visem o conhecimento de si próprio e do seu desenvolvimento pessoal, social, emocional, intelectual, cultural e o seu bem-estar físico.

b) A valorização de uma sólida formação científica, académica, pedagógica e didáctica a partir de uma abordagem de natureza integrada (Marcelo, 1999), dando-se particular relevo ao conhecimento pedagógico do conteúdo, proposto por

Lee Shulman, e que deverá constituir-se como elemento estruturador do pensamento pedagógico e da identidade profissional do professor.

c) A valorização da participação e do envolvimento dos futuros professores nas decisões curriculares relativas à sua formação, na animação cultural e científica da instituição formadora (Lopes, 2005) e no desenvolvimento de projectos de intervenção social e comunitária com vista ao desenvolvimento de competências cognitivas, ético-afectivas, sociais e de acção.

d) A valorização de uma abordagem formativa de matriz crítica, reflexiva e ecológica (Alarcão e Sá-Chaves, 2000; Sá-Chaves, 2002a), orientada para a mudança de concepções e de atitudes e para a transformação das práticas e dos contextos de intervenção, sustentada por atitudes de questionamento permanente e de reflexão continuada na, sobre e para a acção com vista à construção situada do conhecimento profissional (Schön, 1987; Alarcão e Tavares, 2003), permitindo aos formandos, por esta mesma via, compreender a complexidade das situações educativas e construir, para cada qual, as soluções mais ajustadas quer do ponto de vista pedagógico e didáctico, quer do ponto de vista social e ético. Ou, tal como se lhe refere Sá-Chaves (2002a), soluções não standard que pressupõem diálogo com as situações e tomadas de decisão pertinentes e oportunas, caso a caso.

e) A valorização da ligação da formação inicial aos contextos reais de trabalho (Alarcão e Tavares, 2003; Alonso e Silva, 2005; Alarcão, 2006), nomeadamente através da construção de parcerias estáveis com as escolas cooperantes na prática pedagógica, assente numa relação de proximidade e de diálogo, de modo a proporcionar a cada formando experiências de formação supervisionadas, quer pelos supervisores da universidade, quer pelos supervisores cooperantes, enquadradas por princípios de formação partilhados e através de um trabalho de co- responsabilidade e de colaboração, assente na confiança e no respeito, procurando- se, deste modo, a coerência das intervenções dos actores envolvidos no processo supervisivo e dos contextos de formação.

f) A valorização da relação interpessoal e de práticas colaborativas (Sá-Chaves, 1999a; Alonso, 2000; Alarcão, 2001; Alonso e Silva, 2005, Tedesco e Fanfani, 2004) com vista à passagem de uma cultura de cariz individualista e de isolamento ao nível do exercício da actividade docente e do desenvolvimento profissional para

uma cultura de profissionalismo pensado como experiência colectiva, numa perspectiva de comunidade aprendente. Ou conforme Sá-Chaves e Amaral (2001), a passagem do eu solitário ao eu solidário. Neste enquadramento, considera-se fundamental a valorização do trabalho cooperativo com vista à resolução partilhada e solidária dos problemas emergentes da prática, tendo em vista o desenvolvimento de práticas educativas inovadoras e democráticas e de projectos curriculares integrados.

g) A valorização da dimensão intercultural da educação (Zeichner, 1993; Marcelo, 1999, Antunes , 2005), valorizando-se as diferentes culturas e o diálogo entre elas com vista ao desenvolvimento, no futuro professor, da compreensão da condição e identidade humana (Morin, 2000) assim como de valores como o respeito, a tolerância, a justiça e a solidariedade e também o desenvolvimento de competências comunicativas e de intercompreensão.

h) A valorização do paradigma de aprendizagem ao longo da vida (Marcelo, 1999; Sá-Chaves, 2000a, 2002a; Ponte et al, 2001; Alonso e Silva, 2005, Antunes, 2005) de modo a articular a formação inicial, entendida como uma primeira fase de um longo processo, com o desenvolvimento pessoal e profissional permanente, possibilitando-se, de uma forma continuada, o desenvolvimento de novos saberes, atitudes e competências de todos os intervenientes no processo formativo (alunos futuros professores, supervisores cooperantes e supervisores da universidade). Em síntese, estes princípios reguladores confirmam uma filosofia de formação que procura responder à necessidade de proporcionar aos profissionais de educação uma formação aprofundada e multifacetada e, ao mesmo tempo, centrada no processo de desenvolvimento pessoal e profissional permanente de todos os intervenientes nele envolvidos.

5.3. EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Retomando o estudo internacional Civic Education Study, e segundo Torney-Purta, citada por Menezes, (1995: 40), é muitas vezes afirmado que os professores “são modelos

de cidadania para os alunos, quer o desejem ou não”. No entanto, e tal como faz notar a mesma autora, apesar de se reconhecer que os professores, independentemente das suas práticas, constituem modelos de cidadania, a sua formação nem sempre tem abordado estas questões de uma forma explícita, razão pela qual se percebe, tal como foi referido anteriormente, a importância de aprofundar o conhecimento sobre essa mesma formação. Por outro lado, e ainda em 1995, Menezes refere não haver em Portugal “nenhuma avaliação da eficácia da formação de professores neste domínio, embora [fosse] relativamente generalizada a ideia de que a formação inicial dos professores que já [estavam] no terreno não contemplava explicitamente questões de educação cívica” (ibidem: 40).

Referindo-se também à formação inicial de professores em Portugal, e confirmando a importância de estudos aprofundados neste âmbito, Abrantes (2001), numa entrevista publicada na Revista online do Ministério da Educação, reconhece que, apesar de não estarmos no grau zero, há ainda muito para fazer, na medida em que a formação inicial, pela sua tradição e pelo modo como é habitualmente organizada pelas Escolas Superiores de Educação e pelas Universidades, é ainda dominantemente virada para a preparação do professor para ensinar conteúdos específicos de forma fragmentada, tal como se apresentam tradicionalmente nos planos de estudo. É de referir, no entanto, que algumas instituições de Ensino Superior, como é o caso das Universidades novas, têm vindo a desenvolver um esforço, reconhecido publicamente, com o objectivo de alterar essa “tradição”, através de uma orientação reflexiva na formação e nas práticas dos futuros professores de modo a que estes imprimam à sua acção uma intenção estratégica e socialmente transformadora num compromisso com a ética e com a cidadania.

Os aspectos anteriormente referidos também são corroborados no relatório realizado por Estrela, Esteves e Rodrigues (2002), para os extintos Instituto Nacional de Acreditação da Formação de Professores e Instituto de Inovação Educacional, no qual é feita uma síntese da investigação sobre formação inicial de professores realizada em Portugal entre 1990 e 2000. Deste relatório salientam-se dois aspectos por se considerarem pertinentes para este estudo. Em primeiro lugar, as investigações analisadas pelas autoras apresentam como recomendações relativas a estratégias de formação inicial de professores a “rejeição de uma supervisão que se centre nos conteúdos inerentes à prática profissional e a adopção de uma perspectiva «que respira nas concepções metacognitivas» valorizando o

distanciamento reflexivo sobre a acção, bem como a consciência moral das implicações sociais da intervenção” (ibidem: 28). Em segundo lugar, ao nível das lacunas da investigação realizada no nosso país, as próprias autoras afirmam que nem a investigação nem as entidades envolvidas na formação se interrogam e investigam acerca de algumas temáticas das quais se destacam: “o perfil global (e não apenas alguns traços) do educador/professor a formar” e “as atitudes dos formandos nos planos ético e deontológico, os valores que os animam e animam a sua acção” (ibidem: 42).

Verifica-se assim que a educação para a cidadania se constitui como um desafio não apenas para os professores, mas, sobretudo, para as instituições de formação do ensino superior que têm como responsabilidade formar esses mesmos professores, tornando-se necessário reflectir sobre a qualidade da formação que lhes é proporcionada, sobretudo na concepção dos respectivos planos de estudos e nas estratégias de formação e de supervisão que orientam o seu desenvolvimento numa perspectiva curricular instituinte.

SÍNTESE

Em jeito de síntese, verificamos que, apesar de ser possível encontrar diferentes orientações ao nível da formação de professores com implicações ao nível do processo formativo e da relação supervisiva entre supervisor e aluno futuro professor, as perspectivas actuais apontam para abordagens integradoras e ecléticas, com especial ênfase na dimensão reflexiva, estratégica, ecológica e colaborativa. Constatamos, também, a importância que se atribui aos supervisores na criação de uma relação supervisiva facilitadora do desenvolvimento pessoal e profissional dos formandos e que conduza à sua autonomia e emancipação progressivas, atribuindo-se, neste processo, um papel activo ao futuro professor, reconhecendo-lhes, igualmente o direito a uma participação activa nos processos de formação. Constatamos, também, a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre a formação de professores, nomeadamente no que diz respeito às questões emergentes de uma nova conceptualização no que se refere às ideias de cidadania e de educação para a cidadania.

CONCLUSÃO

Nesta primeira parte do estudo pretendemos compreender, enquadrar e legitimar teórica e socialmente o problema em estudo nas suas múltiplas dimensões. Desta forma, partindo-se das profundas e complexas mudanças sociais a que temos vindo a assistir, procurámos identificar as funções e os papéis que hoje a escola e os professores são chamados a desempenhar. Demos, por isso, particular importância ao conhecimento profissional, que informa as práticas dos profissionais reflexivos e cujas dimensões se consideram fundamentais para que os mesmos sejam capazes de garantir a todos os alunos o acesso a uma educação de qualidade, dentro dos princípios da inclusão e da igualdade de oportunidades. Neste contexto, a educação para um tipo de cidadania activa e responsável, entendida como um dos novos saberes básicos para todos os cidadãos do século XXI, assume particular importância, constituindo-se como um desafio para as práticas curriculares dos professores. Desafio esse que comporta visões paradigmáticas e alternativas ao nível das concepções, da gestão e do desenvolvimento curricular, devendo os professores ser percebidos como profissionais e co-construtores de currículo e não como meros aplicadores de normas e prescrições às quais são alheios.

Neste processo de mudança, a qualidade da sua formação ocupa um papel de relevo, admitindo-se a necessidade de uma formação de matriz crítica, reflexiva e ecológica como filosofia potencializadora de práticas mais responsáveis do ponto de vista social e ético, sendo ao mesmo tempo socializadoras e transformadoras das realidades. Neste contexto, reconhecemos a importância do papel desempenhado pelos supervisores, nomeadamente pelos supervisores cooperantes, ao nível da componente de iniciação à prática pedagógica, no que diz respeito ao desenvolvimento de competências de cidadania, de reflexão crítica e de intervenção curricular nos futuros professores.

Assim, na segunda parte deste estudo, que corresponde à parte empírica, procuraremos compreender de que modo as supervisoras cooperantes promovem, ou não, o desenvolvimento de competências de reflexão crítica e de intervenção curricular, nos alunos futuros professores, no âmbito da educação para a cidadania, de modo a encontrar evidências que possam conduzir a novos caminhos ao nível da formação dos futuros professores, dos respectivos supervisores cooperantes e dos próprios supervisores da universidade, no que se refere à área científica em estudo.

PARTE II

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CAPÍTULO SEIS

OPÇÕES METODOLÓGICAS E CONTEXTUALIZAÇÃO DA

INVESTIGAÇÃO

INTRODUÇÃO

Neste capítulo procuramos caracterizar e justificar as opções metodológicas assumidas no estudo. Inscrevemos também a investigação no programa de formação que concretizou a dimensão formativa deste projecto de investigação, descrevendo os seus aspectos principais como contexto colectivo de estimulação e de activação dos processos formativos e de desenvolvimento.

Fazemos igualmente referência à tipologia do estudo, fundamentando a escolha dos sujeitos participantes, sobre os quais incidiu a investigação, identificando e caracterizando ainda as principais estratégias e instrumentos utilizados pela investigadora para a recolha de dados e descrevendo, ainda, os processos de validação e de recolha. Finalmente, apresentamos o modelo seguido para o tratamento e análise dos dados recolhidos, bem como os procedimentos conducentes à sua construção.