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Centros e mandalas: chamamento para o equilíbrio

Com essa turma, comecei a documentar os centros das rodas, fotografando- os a cada encontro. É significativo, hoje, olhar para as imagens e reconhecer uma caminhada, um processo vivido. São imagens. São marcas de tempos e espaços singulares.

Cada imagem, configurada com os diferentes elementos utilizados, está carregada de intencionalidade e entrega – minha para o grupo. Como indiquei anteriormente, o centro é o chamamento, a acolhida, a recepção para o encontro que em torno dele vai acontecer. E em cada um dos centros que preparei trouxe o meu desejo de uma roda integrada, bonita, que girasse em harmonia, iluminada pela chama do mistério e da promessa de danças fluídas.

E não passaram despercebidos. Também foram alvo de curiosidade, conversas e debate de idéias. A previsível pergunta “por quê?” também aí teve lugar. Igualmente houve provocação de olhares atenciosos, que buscavam ver de perto o que estava no centro, seja pela base disposta (panos, toalhas, lenços) ou pelos objetos lá colocados (velas, flores, pedras, conchas, porta- incenso, imagens impressas, miniaturas diversas). É importante assinalar que não percebi essa atenção como uma atitude generalizada. Muitos não viram a beleza que eu quis mostrar. Indiferentes, ficaram distantes do ambiente preparado.

Há uma passagem que considero curiosa e importante de destacar, seja pelo debate constituído, seja pelos elementos que estiveram envolvidos nesse debate. Aconteceu no penúltimo encontro, quando levei para a roda as “cartas dos anjos”. Tais cartas foram criadas por Kathy Tyler e Joy Drake, na Fundação Findhorn (Escócia), como mais um instrumento de meditação; no Brasil foram publicadas como parte de “O livro das cartas dos anjos” (Tayler & Drake, 2001). Com desenhos delicados, estão estampados nelas figuras de diferentes anjos, cada qual com uma palavra escrita, representando uma qualidade. Por exemplo, educação, humor, beleza, compaixão, poder, entusiasmo, nascimento, etc. São 52 cartas. Costuma-se, nas rodas das Danças Circulares, passar o conjunto de cartas para cada participante retirar uma, no início da sessão. Nesse ritual, estaríamos trazendo para o presente algumas qualidades, aspectos que podem ser trabalhados ou que precisamos tomar maior contato. Lembre-se que tive o maior cuidado em introduzir “os anjos” para o grupo, pois fui sentindo o campo, percebendo a abertura para tal entrada. No primeiro contato, ao falarmos de anjos com qualquer grupo iniciante, é difícil não associarem com a tradição católica. Logo, porém, vão compreendendo que é outra a proposta, que representam um campo simbólico de energia.

Esse é o capítulo interessante que quero contar. Pois bem, cada um pegou seu anjo e em seguida todos leram a qualidade associada, que vinha escrita na carta, colocando-os por fim no centro da roda.

Ficou um pra lá, outro pra cá, meio “bagunçado”. Fiz a pergunta:

Está bem assim pra vocês? Tá legal de ser olhado? Disseram que não.

Duas alunas se dispuseram a “arrumar”. E então, ao redor da vela no centro, surgiu um quadrado de cartas dos anjos... Algo contra o quadrado? – perguntou-me uma das alunas. Para respondê-la, foi

preciso articular muitos pensamentos.

Falei que não era contra, mas que queria chamar atenção para o símbolo. Retomei as relações com as imagens que havia mostrado no encontro passado: a força do círculo. Disse também que quando incorporamos o círculo, pensamos circularmente... tudo converge para a roda, para um centro.... É, talvez eu não tenha incorporado ainda. Eu digo que sim, que é bonito, mas ainda estou no quadrado, intervém a

mesma aluna, caminhando para o centro como que indo modificar a arrumação. Não, não! Deixa assim! falo eu, aproveitando para comentar

sobre o grupo, sobre as diferenças dentro de um grupo: Essa foi a sua arrumação, seu desenho; não há certo e errado – há o diferente. Então vamos deixar um pouco assim e depois, talvez, eu mude; porque também sou dessa roda e aceitar a diferença não é se anular – é também explicitar o seu desejo, a sua forma. Construir grupo é também isso – ver a diferença e interagir...”. Depois

a aluna foi ao centro e virou ligeiramente as cartas que estavam formando as pontas do quadrado-retângulo, dando-lhe um aspecto arredondado. (...). No intervalo, algumas alunas rearranjaram as cartas, formando um círculo que acompanhava o desenho do pano do centro da roda.

Eu achei bem bom esse começo. Ficou tão claro pra mim: o quadrado e o círculo, fazendo parte da turma, daquela roda – que girava em círculo, mas avessa à circularidade, ainda presa ao quadrado, à fôrma, à linearidade, à terra.

Nos dois últimos encontros trabalhamos com desenhos de mandalas. Cada um desenhou sua mandala, ao som da música suave e introspectiva da dança grega “Menoussis”, que havia mobilizado o grupo. O processo foi muito significativo; a turma se concentrou, se dedicou à produção. É importante fazer referência que nem todos sabiam o que era uma mandala. Antes de desenharem, comentamos a forma do círculo mágico, primeiro com

palavras do grupo, quem tinha informações socializava; depois eu ofereci informações. Notei que apenas uma aluna não desenhou e saiu antes de terminar o encontro. Neste dia, como a maioria não tinha consigo lápis ou canetas coloridos, combinamos de refazer, pintando, as mandalas no próximo e último encontro, como fechamento do ciclo de danças circulares. Ao acabarem de desenhar, cada qual colocou seu desenho no centro... em círculo! Foi incrível a atitude de todos. E ficou bonito.

Último dia. Pintar as mandalas foi uma atividade perfeita para o fechamento do processo.

Registro 12 de maio 2004

Simbolicamente, vi assim: depois de tantos altos e baixos, barulhos e silêncios, calma e agitação, conversas e escutas, descompassos e compassos, quadrados e círculos, dispersão e concentração, caminhávamos ao centro. Testemunhar a pintura das mandalas desenhadas anteriormente, na calma e na serenidade que se configurou o momento, fez-me imaginar que a turma, agora um pouquinho mais grupo, fazia um caminho de retorno. Dali, para onde seguiriam?

Impossível querer saber, pois, se o retorno fora assinalado, o caminho só poderia ser de cada um. Conquistar o equilíbrio é jornada que se faz individualmente. No encontro com o outro, certamente, mas cada um consigo mesmo.