• Nenhum resultado encontrado

Nos círculos

ensaiando

circularidade

Dancei com outro grupo da Pedagogia da Unicamp, através de uma disciplina obrigatória, Educação, corpo e arte. Igualmente obedecendo a

estrutura acadêmica, tivemos encontros semanais, das 19 as 22h30, no primeiro semestre letivo de 2004.

Tal qual a experiência com o grupo anterior, eram encontros para dançar. Mas a dinâmica do grupo foi outra, tanto nas minhas proposições quanto na receptividade e envolvimento das alunas. Com a experiência de um ano dançando com educadoras (em Blumenau e na Unicamp), fui avaliando os encaminhamentos e os procedimentos adotados por mim e, na medida em que julgava pertinente, dava outro rumo à roda, introduzindo modificações na condução dos encontros.

Um desses encaminhamentos diz respeito ao início da roda, a cada encontro: se com o grupo anterior eu começava fazendo uma rodada de conversa, provocando a memória dos participantes sobre o último encontro, com essa turma eu raramente chamei esse momento. Apenas perguntava se lembravam de alguma dança e se gostariam de repeti-la. Entrávamos na roda da dança em seguida. Por quê? No processo percebi o grupo dispersivo, com dificuldades para se conectar na roda e, nas primeiras vezes que adotei aquele procedimento de conversar sobre o encontro passado, o resultado não foi satisfatório, não ajudou a construir uma sintonia grupal. Elas não se ouviam! E há atitude mais delicada, para um educador na coordenação de um grupo, que precisar chamar a atenção, pedindo silêncio e respeito pelo colega que está com a palavra? Só após vários encontros pude traçar esse perfil da turma. E foi surpreendente percebê-la assim, principalmente tomando por base minhas primeiras impressões...

Estavam na sala 29 alunas – um aluno entre elas. Todos já atuam como professores, pois este curso está sendo oferecido para o PEFOPEX (professores em exercício). De modo geral, é um grupo maduro, pessoas mais velhas, com maior vivência de escola – pareceu-me neste primeiro contato. Foi bem diferente receber este grupo, comparando com o do ano passado. O encontro fluiu bem, e a proposta foi recebida com entusiasmo.

Depois de falar da proposta do semestre, contei-lhes minha experiência como professora da Pedagogia e minhas indagações – as quais me trouxeram ao doutorado. Senti o grupo acompanhando

Registro 3 de março 2004

e compreendendo minha história – dialogava em silêncio, de certa forma vendo-se na história relatada, que incluía a afirmação do “roubo das cem linguagens”. Parece que o “roubo” é cada vez mais evidente e esse grupo sentiu-se envolvido no enredo que eu ia desenvolvendo, contando, refletindo, criticando. Envolver-se nesse caso significa concordar com o rumo do meu discurso. Eu senti assim: minha fala refletia elementos da vivência do grupo. Isso me deu mais tranqüilidade para conduzir as atividades.

O grupo se apresentou (depois de uma longa fala minha...). A proposta foi: apresentar-se por meio de um desenho, um símbolo, uma representação. O grupo trabalhou mesmo! Todos desenharam, não ouvi ninguém dizer que não sabia – apenas manifestaram insatisfação com sua produção... Achei muito boa a disposição do pessoal!

Nessa rodada, deu para ter uma idéia da composição do grupo – pois se colocaram de um jeito não-usual, através do desenho. Acho que isso já direcionou para a abertura do curso, quebrando o gelo inicial e apontando para algo mais profundo, significativo, vibrante. E fomos às danças. (...)

Bem tranqüilo. Se de início houve murmúrios, conversinhas, logo o foco voltou para o centro da roda, que começou a fluir com certa harmonia. Eu dava uma indicação, e o grupo seguia, em busca do silêncio e da consciência no seu movimento.

(...) Primeiro dia de aulas na universidade, tudo estava um pouco lento. Inclusive a turma não estava toda presente – acho que só metade!!! Para um primeiro encontro, para um contato inicial com as danças, foi ótimo!

Lembrei a todos: venham com roupas confortáveis nos próximos encontros!

OBS. Devo assinalar também que, ao chegarem na sala percebia-se o espanto, a cara de novidade. É uma sala especial, com piso de madeira e não tem carteiras, além de não podermos entrar nela com calçado. Senti ali, mais uma vez, a importância do espaço.

Tal como anotei em meu caderno de campo, fiquei muito animada no primeiro contato com essa turma. O fato de serem professoras em exercício aumentava minha expectativa (e a minha imaginação) de que seria ainda mais aprofundada a experiência com as Danças Circulares. O início animador não impediu que o processo se mostrasse truncado e cheio de altos e baixos, com uma turma que se revelava desigual no interesse e na participação. Havia dois núcleos, por assim dizer: um de pessoas mais jovens, focadas na teoria, que facilmente se dispersava; e outro de pessoas mais velhas, focadas na experiência que se conectava com maior facilidade. Percebi, no decorrer dos encontros, que esses núcleos pouco trocavam, pouco sabiam um do outro,

não interagiam na dinâmica geral do curso, também em outras disciplinas. Essa foi uma característica marcante que identifiquei nesta turma e, talvez, tenha sido um dos aspectos que definiram o tipo de trabalho que foi possível desenvolver com as Danças Circulares.

À medida que ia fazendo essa leitura do grupo, trazia para mim o desafio constante de procurar estratégias para poder tocar os dois núcleos e, mais que isso, fazer a troca acontecer. Contudo, essa característica não se mostrou de saída, não estava transparente. Foi no processo de convivência, ao longo do semestre, que pude construir minhas leituras sobre a dinâmica da turma. Sentia-me provocada. A cada encontro, a cada roda, seguia pensando, matutando: qual será o ponto sensível dessa turma? O que lhes encanta, o que lhes mobiliza? No registro do quinto encontro fiz anotações sobre esses pontos, sinalizando minha busca em compreender por onde andava e poderia andar a turma.

E me deu uma tristeza nesta noite! Quando cheguei em casa, chorei. Coração apertado. Pesadas, sentidas lágrimas. Um “sem-saber” presente em mim. E são professoras! – é o pensamento que vem lá do

fundo, com as lágrimas. Como serão com as crianças? O que poderá trazer essas professoras para outro lugar?

Que sensação de impotência... Tristeza. Só tristeza sinto agora. A irritação dos outros dias transformou-se em profunda tristeza. (...) Hoje é o quinto encontro, e a turma é uma roda desencontrada – muito pouco harmonizada. Sei que nem todos serão “capturados” pelo “espírito da dança”, mas a conversa, o tititi incomoda muito. Algumas alunas reclamavam, resmungando baixinho, do barulho. Eu ia tentando resgatar o compasso, não querendo fazer o papel daquela que dá o limite, que chama para a disciplina necessária a todo instante... Até então, a cada início das danças, vinha pontuando a necessidade do silêncio, da busca do silêncio, que é o caminho da meditação e do voltar-se cada qual para si mesmo. Fazia comentários sutis, no contexto de cada dança. Mas o incrível: parece que não fazia eco, pois as conversinhas, os risos, o tititi continuavam. É muito chato! Que dificuldade buscar a sintonia com esse grupo.

O que será que acontece?

É comum, num grupo de iniciantes, depararmos com essas atitudes. Mas... Já estamos dançando há mais de um mês! Por quê? O que se passa?

Serei eu? (Que não estou centrada?)

Será a estrutura do curso? (Noturno, pefopex?)

Serão os alunos? (Professores cansados de um dia de trabalho?) Será que esses professores estão com uma “casca” tão dura assim? Por que está tão difícil atravessar a fase inicial e caótica da roda? Pensando bem... Não é bem isso. Muitos alunos já entraram na roda. Mas o que me vem martelando é: o que fazer com as diferenças – com os “barulhentos” que atrapalham os que conquistaram o silêncio?

Registro

Não dá para generalizar, mas uma boa parte, eu vejo e sinto, não está nem aí para as Danças Circulares... Triste!

Fui percebendo que as danças extrovertidas, eufóricas, vibrantes, aceleradas, desconcertavam a roda. A turma saía de si, mais ainda. No dizer brasileiro, virava carnaval! Era tanta a agitação da turma, que esse tipo de dança fazia acentuar a desatenção e a dificuldade de concentração. Mas as danças calmas, introspectivas, meditativas também desconcertavam. Em menor grau, é certo. Então segui por elas: fui escolhendo do meu repertório danças que propunham explicitamente o movimento para a calma, para o silêncio. Dentro desse repertório, a turma conquistou um pouco de coesão e harmonia na roda. Num processo irregular e desigual, todavia.

Foram 11 encontros, rodando com um repertório de 32 danças, tradicionais e contemporâneas. Grécia, Rússia, França, Inglaterra, Israel, Romênia, Índia, Letônia, Lituânia, Estônia, Escócia estiveram presentes nas rodas; foram povos lembrados e honrados nas coreografias dançadas. Em menor número de danças também circularam tradições dos povos da América do Sul e povos indígenas do Brasil. As danças de roda da tradição popular, como as cirandas brasileiras, igualmente estiveram presentes.

Sobre o repertório dançado e a “tentação” de