• Nenhum resultado encontrado

A roda ampliada: fonte e descendência

É o próprio Bernhard quem afirma:

O trabalho de dança em Findhorn, a comunidade do norte da Escó- cia, tornou-se, desde 1976, um exemplo de uma rede internacional de meditação pela dança. Pela atuação de muitos entusiastas pela dança que haviam descoberto as dimensões religiosas da dança como uma verdadeira meta pessoal a ser alcançada, a Sacred Dance (Dança

Sagrada) se espalhou por uma grande parte da Europa e por todo o mundo ocidental. (Wosien, 2000, p.25. grifos do original).

Da rede criada a partir da Fundação Findhorn, as danças se expandiram e assumiram diferentes denominações, conforme o tempo e o espaço em que foram e são praticadas. Danças meditativas, danças sagradas, danças circu- lares, danças circulares sagradas são denominações que podemos identificar

como pertencentes ao universo inspirado na proposta e prática do mestre alemão5. No trabalho com as danças que se desenvolveu ou prosseguiu depois de Bernhard Wosien, e diretamente proveniente dele como fonte, poderíamos identificar duas matrizes: a linhagem que vem de Findhorn e a linhagem do norte da Europa, especialmente com os ensinamentos de Maria-Gabriele Wosien, na Alemanha e Friedel Kloke-Eibl, na Holanda e também Alemanha. (Dijkstra, 2001).

Do trabalho de Findhorn, sempre será lembrado o nome de Anna Barton. Foi ela que abraçou as danças e por 20 anos esteve coordenando o trabalho com as danças na Fundação Findhorn e, poderíamos dizer, a partir daí foi a responsável imediata da socialização e ampliação do círculo sagrado das danças. Anna Barton esteve pela primeira vez no Brasil em 1995 e certamente foi um privilégio para aqueles que puderam dançar e aprender algumas danças diretamente com ela. (Ramos, 2002)

Na introdução do seu livro Espírito da dança, publicado no Brasil em 1995,

ela fala sobre os primórdios e o desenvolvimento das danças. Ao mesmo tempo, oferece-nos a sua concepção, o seu entendimento sobre a importân- cia e os objetivos da dança sagrada.

Quando o professor Bernhard Wosien visitou a Comunidade de Findhorn e nos ensinou nossas 12 primeiras danças num workshop em 1976, eu não poderia imaginar que as Danças Sagradas, também

Anna Barton

5 Chamo atenção para

essa “filiação” das Danças Circulares Sagradas por saber que existem outras propostas de dança que também se desenvolvem em círculo e que também podem ser chamadas de sagradas. O sagrado não é prerrogativa do movimento que estamos enfocando. Há que citar o movimento fundado no final dos anos 60 nos Estados Unidos, por Samuel L. Lewis (1896-1971) conhecido como “Danças da paz universal”, hoje também difundido no Brasil. Cf.

www.dancesofuniversalpeace.org e www.semeiadanca.com.br . Em sua

dissertação de mestrado Luiz Eduardo Berni discute alguns aspectos desse movimento. (Cf. na bibliografia:BERNI, 2002).

conhecidas como Danças Circulares, iriam se expandir tanto e trazer alegria e esperança para um número tão grande de pessoas do planeta. As danças que ele nos trouxe, juntamente com as que nós já havíamos coletado e outras que haviam sido criadas nos últimos anos, formaram o conjunto que hoje é conhecido como Danças Sagradas. São uma excelente ferramenta no trabalho de reconhecimento de nós mesmos como parte do Todo. Dançando juntos, curamos a nós mesmos e ao nosso planeta e descobrimos que podemos fazer o mesmo na nossa vida diária. (Barton, 1995, p. 05)

A Fundação Findhorn, desde 1976, promove anualmente o Festival of Sacred Dance, Music and Song, reunindo músicos e dançarinos do mundo inteiro.

Conhecido como o Festival de Dança de Findhorn, durante uma semana, os

dançarinos ocupam o centro do Universal Hall, para dançar velhas coreo- grafias, já acolhidas no coração do movimento, aprender novas danças e compartilhar o espírito universal evocado pelo círculo de mãos dadas. São dias em que vivemos momentos sublimes, mágicos, que nos reportam para a antiguidade, para as aldeias e as vilas de outras épocas quando a dança e a música tinham lugar de honra como ritual sagrado, como vivência comunitária. Acalentamos e renovamos a utopia de que o mundo pode realmente ser melhor, através da dança.

Abro parênteses. Aqui as palavras se misturam e talvez percam a clareza. É que estive em Findhorn para o Festival 2004... E eu não falava nem com-

preendia uma palavra em inglês! Nestas condições, pude comprovar que a dança é uma linguagem universal e que o círculo acolhe. Basta entrar na roda, abrir-se para o mistério, deixar-se penetrar pela música que ecoa e preenche o espaço, acreditar na força da dança e nos companheiros que lhe estendem e seguram as mãos no círculo. Não precisamos de palavras. Fala o corpo, o gesto do corpo no silêncio. Silêncio compartilhado com os outros dançarinos e cultivado nos acordes da melodia. Tanta beleza! Fecho. Revivemos, no Festival, a celebração da vida, honrando a história dos povos trazidos para a roda. No encontro com o passado, reafirmamos o presente. Pois, como disse Anna Barton, “Quando repetimos os movimentos realiza- dos ao longo dos séculos por inúmeras gerações, despertamos, da memória do planeta Terra, o significado profundo contido em cada gesto” (Barton, apud Carvalho, 2002, p.08). Naquele Festival de Danças Sagradas o momento é

intensificado quando dançamos ao som da banda, que canta e toca músicas de todos os povos. Dançar ao som de música ao vivo é experiência profunda e inesquecível. A força experimentada e sentida nas rodas durante o Festival,

reverbera e prossegue com os dançarinos. É essa força que não permite a roda parar. Do norte da Escócia segue, continuamente, a girar pelos quatro cantos do mundo.

Filha de Bernhard continua seu trabalho, pesquisando, coreografando e

Mevlevi (irmandade que celebra os seus rituais girando ao redor do próprio eixo), em Londres e na Turquia; estudou a filosofia e mitologia hindus, sobre as quais coletou e publicou materiais pesquisados nas suas viagens à Índia (Wosien, 2002). Esteve no Brasil várias vezes, ministrando workshops e cur- sos de dança, tendo vários livros publicados em português. Em seu último livro “Dança: símbolos em movimento” (2004) reafirma o caminho ancestral e religioso na “oração em movimento”. Escreve: “quando os símbolos são traduzidos em movimento, acordam na alma imagens esquecidas e levam- nos a experimentar uma profunda consciência de nós mesmos”.

Aluna e discípula direta do mestre, com o qual colaborou como sua assis- tente, é bailarina e coreógrafa. Sob os auspícios de B. Wosien deu início ao primeiro Centro Para Professores de Dança Sagrada e Meditativa, onde o próprio

foi professor visitante por dois anos. Hoje mantém na Holanda um instituto de dança e movimento, chamado DEMIAN e mantém grupos de formação na Alemanha e na Suíça (Roda de Luz, 2003). Esteve pela primeira vez no

Brasil em 2003, tendo ministrado cursos de dança em várias cidades, entre elas São Paulo e Rio de Janeiro.

Tomando o ano de 1976 como marco e referência da criação das Danças Circulares Sagradas, no contexto já explicitado, praticamente já há três déca- das o movimento está acontecendo, está vivo, nas mais variadas e distantes regiões do planeta. Daquelas matrizes originais, muitos outros coreógrafos, estudiosos, pesquisadores e professores das danças surgiram, com particu- lares formas de ensinar, com diversos conteúdos, diferentes passos e co- reografias, mas todos com o desejo de ampliar a roda e honrar os diversos povos que são trazidos para o círculo. Pois, como disse Bernhard: “ensinar a meditação da dança é uma tarefa muito pessoal, tão pessoal quanto é a conexão de cada um de nós com Deus” (citado por Dijkstra, 2001, p.22).

Uma contribuição que também precisa ser lembrada, pela sua particulari- dade e pela aceitação inconteste nos círculos dançantes, vem do trabalho de Anastasia Geng (1922-2002). Anastasia nasceu na Letônia, e é de lá que provém a música e os passos das danças que criou nos anos 1980, asso- ciando-as a certas plantas medicinais, certas árvores, aos ciclos da lua ou outros aspectos da vida (Von Schwichow, 2002). A partir do rico e vibrante folclore dos países Bálticos, Anastasia coreografou 38 danças associando as qualidades das flores que compõem o conjunto dos florais do Dr. Bach às

danças populares daquela região – Letônia, Lituânia e Estônia.

Sua proposta se insere na mesma direção daqueles que utilizam as danças e o movimento como instrumento de terapia e crescimento espiritual. An- astasia acreditava no poder da dança meditativa, na possibilidade de tocar as profundezas do ser e provocar transformações na vida daquele que se entrega à dança (Djkstra, 2001). Suas palavras revelam esse caminho: “a dança coloca questões ao meu corpo e o corpo responde. Mas isso somente é possível se não formos forçados a dançar de um modo tecnicamente

Friedel Kloke-Eibl

perfeito.” (Djkstra, 2001, p.128).

Em 1996, as coreografias de suas danças são publicadas em livro, na Ale- manha, sob o título “A. Geng: Bach-Blüten-Tänze” (Von Schwichow, 2002). Hoje em dia, suas danças são amadas e dançadas não só na Alemanha, mas em muitos lugares do mundo, inclusive em Findhorn. Decididamente, as

Danças dos Florais estão incorporadas ao repertório das danças circulares

No Brasil, o princípio das danças circulares também está associado a uma comunidade, conhecida como Comunidade de Nazaré. Situada nos arredores

da cidade Nazaré Paulista, no Estado de São Paulo, e fundada no início dos anos 1980, tem em suas raízes a inspiração na comunidade da Escócia. Os idealizadores da Comunidade de Nazaré6, em visita à Fundação Findhorn, motivados pela organização e trabalho lá realizados, convidaram a americana Sara Marriot, então residente em Findhorn, a vir ao Brasil e contribuir com a criação e estruturação de uma comunidade naqueles moldes. Em 1983, Sara Mariot, com quase 80 anos de idade, passou a residir no Brasil, em

Nazaré, onde permaneceu até 1999.

Provavelmente este foi o canal pelo qual as danças chegaram aqui. Ou melhor, pelo qual começaram a ser praticadas e difundidas. Pois devemos citar que em 1984 o mineiro Carlos Solano Carvalho viajou para a Escó- cia e residiu na comunidade da Fundação Findhorn por seis meses, onde entrou em contato com as Danças Circulares Sagradas (Carvalho, 2002). Tempos mais tarde começou a dançar em diversos espaços no Brasil. Ele nos conta:

De volta a Belo Horizonte,em 1986, comecei a reunir amigos, e dançávamos informalmente. Mas a paixão pela Dança resultou em um trabalho mais organizado, que evoluiu aos poucos, assumindo primeiramente a forma de cursos isolados e depois, de aulas regulares e promoção de eventos. Foram anos de trabalho nos mais variados ambientes: clínicas, institutos, escolas, empresas, órgãos públicos, pra- ças, universidades, congressos, centros de cultura, não só em Minas, mas também em outros estados (Carvalho, 2002, p.07).

De qualquer forma, sem nos prendermos à rigidez de estabelecer “a ori- gem” no Brasil, consideremos que a dança circular era uma prática presente no trabalho de Findhorn e também foi sendo incorporada no trabalho de Nazaré. Além do que, com a residência de Sara no Brasil, amigos da comu- nidade escocesa puderam visitá-la, alguns dos quais trouxeram as danças e socializaram-nas. Esse vínculo permitiu não só o acesso ao aprendizado das danças, mas aos materiais, principalmente as músicas, gravadas em fitas K7 (Ramos, 2002).

Das notícias que temos disponíveis, sabemos que, na década de 1990, muitos brasileiros foram conhecer a Fundação Findhorn, participando de diferentes programas por ela oferecidos, em especial do Festival de Danças Circulares, organizado anualmente, como já fiz referência. Um pouco dessa história 6 Em 1992, o grupo de pes-

soas residentes na comu- nidade confere-lhe estatuto

legal, por meio da criação de uma associação sem fins lucrativos, quando então passou a ser chamada pelo atual nome: Centro de Vivências Nazaré. Cf.: www.nazareviven- cia.com.br; site consultado em

28/02/2005.

O Brasil na

roda

está contada no livro Danças Circulares Sagradas: uma proposta de educação e cura, de 1998. Primeira publicação sobre o tema no Brasil, o livro reúne as

experiências de um grupo de brasileiros com as Danças Circulares Sagra- das. Todos estiveram dançando em Findhorn, especialmente no Festival de 1996, quando as Danças completavam 20 anos. Da leitura depreendemos que 1990 foi a década em que as danças circulares ganharam expressão, alcançando visibilidade no país.

O depoimento de Renata Ramos oferece-nos alguns desses dados históricos: “conheci as Danças Circulares em 1992, quando fui a Findhorn pela primeira vez. Fiquei literalmente encantada e, em 1993, voltei à Escócia especialmente para participar de um pequeno treinamento com Anna Barton. De volta ao Brasil, comecei a ensiná-las.” (Ramos, 2002, p.11).

Em 1995, acontece a vinda de Anna Barton ao Brasil, para um workshop e um treinamento das danças. A presença de Anna Barton marcou o mo- mento em que as danças “realmente ancoraram no Brasil” (Ramos, 2002), com a divulgação e expansão para um grupo maior de pessoas. Hoje as danças circulares estão vivas com grupos em praticamente todo o Brasil. Em constante movimento e formação, os grupos recebem a visita de inúmeros focalizadores estrangeiros, que vêem ao Brasil para ministrarem workshops e cursos de danças. Além disso, muitas pessoas estão pesquisando, resgatando e coreografando danças brasileiras para a roda. O movimento cresce sem parar e criativamente, construindo identidade e estreitando laços nas muitas e diferentes rodas que já bailam por todo o Brasil.

Um marco e um indício desse crescimento é a organização do Encontro Brasileiro de Danças Circulares Sagradas, realizado pela primeira vez em 2002. De

lá para cá, muita gente dos diferentes estados brasileiros marcam presença no grande acontecimento das danças circulares, em que já se transformou o encontro brasileiro. É realizado anualmente, nos dias do feriado de Corpus Christi, no Estado de São Paulo7.

Na roda, de mãos dadas, ao som das músicas de diversos povos, voltados para um centro comum, comungando a tradição de velhas e novas danças, o círculo brasileiro se move com a energia dos participantes, vindos dos quatro cantos do país. É possível imaginar a força e beleza de uma roda com 200 pessoas, ligadas entre si pela alegria de dançar?

7Para maiores informações

III Encontro Brasileiro de Danças Circulares Sagradas.

Embú das Artes, SP. 2004

IV Encontro Brasileiro de Danças Circulares Sagradas.

Embú das Artes, SP. 2005

4

Na dança com educadoras: