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CHÂTEAUX DO SÉC XVI: plataformas de experimentação clássica Como explicitado, após o término da Guerra dos Cem Anos e da

URBANAS DO SÉC

4. O SABER ADQUIRIDO E O CLÁSSICO: uma tratadística ‘francesa’ Se, como demonstrado até este ponto, o desenvolvimento da enfilade em

4.1 CHÂTEAUX DO SÉC XVI: plataformas de experimentação clássica Como explicitado, após o término da Guerra dos Cem Anos e da

centralização do poder feudal na coroa, um certo período de estabilidade permitiu o desenvolvimento de aspectos de conforto da arquitetura residencial, real e particular. Verificámos também que um certo gosto clássico pontoava, aqui ou ali, certos aspectos da arquitetura francesa ainda antes das incursões francesas por Nápoles ou Milão. Independentemente do grau da influência que os franceses traziam dessas incursões, até ao reinado de Louis XII, “[...] era posible que un gran ministro como el cardenal Amboise

marcara la pauta del buen gusto, muy por delante del rey. Pero durante el reinado siguiente, todo se centraba en el grupo formado alrededor del rey y [...] bajo Luis XI sólo había habido un Jacques Coeur [...]”58. Mas depois, “os reis não hesitaram em dar o sinal de uma nova linguagem, ainda que muito parcial ou mal compreendida, abrindo o tempo de renascimento arquitectónico, construindo eles ou os seus ministros novas estruturas residenciais”59.

57 TAVARES, Domingos; Philibert Delorme: profissão de arquitecto; Dafne Editora; 2004; p. 9.

58 BLUNT, Anthony; Arte y Arquitectura en Francia: 1500-1700; trad. Fernando Toda; Madrid: Cátedra; 1983; p.14.

antes exprime uma tendência natural para ser fruto da transformação de ideias e vontades colectivamente assumidas em sectores da sociedade que, esses sim, se podem considerar como os ‘autores colectivos’ [...]57”?

Antes de mais, pela filiação que estes tiveram com a corte real, dinamizadora de certas iniciativas que favoreceram a disseminação de formas construtivas da antiguidade renovadas e vindas das repúblicas italianas. Depois, porque embora a publicação de alguns desses tratados seja posterior a algumas residências parisienses com as quais os iremos comparar no tema seguinte, são o melhor testemunho que nos permite entrar na mente daquele que riscava a sua concepção.

4.1 CHÂTEAUX DO SÉC. XVI: plataformas de experimentação clássica Como explicitado, após o término da Guerra dos Cem Anos e da centralização do poder feudal na coroa, um certo período de estabilidade permitiu o desenvolvimento de aspectos de conforto da arquitetura residencial, real e particular. Verificámos também que um certo gosto clássico pontoava, aqui ou ali, certos aspectos da arquitetura francesa ainda antes das incursões francesas por Nápoles ou Milão. Independentemente do grau da influência que os franceses traziam dessas incursões, até ao reinado de Louis XII, “[...] era posible que un gran ministro como el cardenal Amboise

marcara la pauta del buen gusto, muy por delante del rey. Pero durante el reinado siguiente, todo se centraba en el grupo formado alrededor del rey y [...] bajo Luis XI sólo había habido un Jacques Coeur [...]”58. Mas depois, “os reis não hesitaram em dar o sinal de uma nova linguagem, ainda que muito parcial ou mal compreendida, abrindo o tempo de renascimento arquitectónico, construindo eles ou os seus ministros novas estruturas residenciais”59.

57 TAVARES, Domingos; Philibert Delorme: profissão de arquitecto; Dafne Editora; 2004; p. 9.

58 BLUNT, Anthony; Arte y Arquitectura en Francia: 1500-1700; trad. Fernando Toda; Madrid: Cátedra; 1983; p.14.

106 | Arquitetura Residencial Parisiense

Fig. 98 Château de Gaillon. Planta. Por J. A. du Cerceau. Escala 1.1000. 25

0m

Fig. 100 Château de Gaillon. Loggia exterior. Estado atual. Corpo Poente. Fig. 101 Château de Gaillon. Axonometria. Por J. A. du Cerceau. Fig. 99 Château de Gaillon. Fonte. Por J. A. du Cerceau. Um elemento que reflete as qualidades habitacionais.

Ainda antes de François I, começa a reconversão em residência do château de

Gaillon (cerca de 90km a Oeste de Paris) [fig.95], pelo cardeal Guillaume d’Estouteville (c.1412-1483), a partir da fortaleza do séc. XI que foi

parcialmente destruída durante a Guerra dos Cem Anos. Em 1502, no reinado de Louis XII, o cardeal Georges d’Amboise (1460-1510) prossegue os trabalhos onde surgiriam os primeiros sinais do novo modo que se avizinhava, um dos quais, a estratificação horizontal que já vimos ser ensaiada em casos anteriores. Referimo-nos ao hôtel de Sens e, sobretudo, ao

hôtel de Cluny, este último também para um membro da família Amboise.

Ainda assim, a fachada da entrada [fig.96], a Sul, apresenta os três estratos melhor delineados, conjugados com a simetria axial promovida pelo arco abatido e pela simetria de cada tramo enquadrado por pilastras onde os motivos vegetalistas se confundem com “capitéis e frontões em concha à

procura do gosto clássico”60, numa “composition [...] visiblement inspirée du Castel Nuovo de Naples d’autant que la baie au-dessus du portail devait recevoir des statues de Georges d’Amboise et de Louis XII”61 [fig.97].

Nos corpos que se ergueram para Norte, vemos o desenvolvimento das peças em sequência longitudinal nos corpos que se organizam em torno de um pátio [fig.98]. Estes não são mais do que um desenvolvimento do donjon-logis onde ainda permaneciam as torres e as escadas em espiral - a maior, aberta para o pátio, remonta à já distante escada do Louvre. Contudo, existiu aqui uma nova noção de conforto pois se não era novidade um pátio para onde se abriam arcadas (neste caso, três), a arcada aberta, ou “une galerie d’assez

bonne ordonnance selon l’antique qui regarde sur le val”62, ou seja, para o

exterior da residência [fig.100-101], parece-nos aludir às logge que o cardeal poderá ter visto aquando das suas missões diplomáticas em Milão.

60 TAVARES, Domingos; Philibert Delorme: profissão de arquitecto; Dafne Editora; 2004; p. 17.

61 MONTCLOS, J. P. Pérouse de; Histoire de l’Architecture Française: de la Renaissance à la Revolution; Paris: Mengés; 1989; p. 20.

108 | Arquitetura Residencial Parisiense

Fig. 102 Château Chenonceau. Planta. Por J. A. du Cerceau. Escala 1.400.

Fig. 103 Château Chenonceau. Fachada Nordeste (em cima). Fachada Sudoeste (em baixo). Por J. A. du Cerceau. Note-se que o corpo longitudinal sobre o rio não está representado.

10 0m

Ainda sob o reinado de Louis XI, em 1513, começa a construção do château

de Chenonceau (a cerca de 240km a Sudoeste de Paris, próximo de Tours),

residência de um burguês que cumpria funções financeiras para o rei. A sua planta [fig.102] é a justaposição de dois donjon-logis por meio de uma galeria interna que funciona como corredor e como eixo de uma simetria quase perfeita de duas peças e quatro gabinetes nas torres, não fosse a escada em ‘U’ - em vez da tradicional escada em espiral.

Em meados do século, é construído o corpo longitudinal que se prolonga para Noroeste sobre o rio Cher, fornecendo-nos um importante testemunho da evolução do desenho arquitetónico. Se o primeiro corpo [fig.103] apresenta uma composição de fachadas não desconhecida, pautadas pela regularidade dos seus vãos alinhados verticalmente, separados horizontalmente e coroados por altas lucarnas, pelos torreões e pelos telhados inclinados, o segundo [fig.104] apresenta, numa atitude mais clássica, uma sequência de módulos verticais formados por uma base (um género de estilóbato formado pelos arcos sobre o rio) - no primeiro estrato -, por um friso e um vão simples - no segundo estrato -, por aquilo que já podemos denominar de entablamento, um vão enquadrado por relevos geométricos, frontão semicircular e cornija - no terceiro estrato -, coroados por uma lucarna de vão circular com frontão e volutas - na cobertura. Ainda que os meios cilindros salientes relembrem torreões do primeiro corpo. A partir do reinado de François I (1515) dá-se efetivamente a centralização do poder e influência da coroa, nomeadamente na arquitetura. Este convida

“[...] os artistas que se lhe ofereceram como os maiores para o reencontro com a arte clássica da antiguidade. Leonardo da Vinci chegou a França em 1516, realizou algum trabalho, mas morreu em 1519. Andrea del Sartro (1486-1530) veio em 1517

110 | Arquitetura Residencial Parisiense

Fig. 105 Château de Chambord. Planta. Por J. A. du Cerceau. Escala 1.1000. 25

0m

Fig. 107 Château de Chambord. Estado atual. Fachada Noroeste. Fig. 106 Château de Chambord. Vista de Sudeste. Por J. A. du Cerceau.

1549), Giovanni Battista Rosso, dito Rosso Fiorentino (1494-1540), Francesco Primaticcio (1504-1570) e Sebastiano Serlio [...] vieram mais tarde para ficar”63.

Por isso, através de um conjunto de iniciativas construtivas da sua parte, veremos uma síntese da fusão entre uma tradição arquitetónica francesa, muito própria, com os novos princípios vindos do exterior de França, que foram, ao mesmo tempo, interpretados de forma particular. No entanto, como a corte ainda não se tinha estabelecido em Paris, esta ainda não “[...]

había reconquistado su posición de verdadeira capital de Francia y [...] la corte pasaba más tiempo en el vale del Loira que en la Isla de Francia”64.

O Château de Chambord, residência real de caça localizada no Val de Loire, foi resultado de uma dessas iniciativas. Começado a construir em 1519, revela fortes traços da arquitetura medieval francesa, combinados com novas formas e princípios do clássico do Renascimento. A sua autoria ainda é tema de debate, surgindo nomes como Domenico da Cortona, o mais consensual, e até Leonardo da Vinci.

O seu plano [fig.105] remete-nos para o plano do château de Vincennes, com um perímetro retangular exterior e um corpo central junto ao centro de uma das faces do perímetro. Os corpos do perímetro, com torres nos cantos, são reminiscentes da intervenção de Charles V no Louvre quando este dotou os seus muros perimetrais com peças residenciais. Contudo, aqui o domínio das peças é modular, fazendo uso da peça maior e da peça mais pequena, e mais aberto, como em Gaillon. Por sua vez, se se pode dizer que o “[...]

esquema da planta do corpo residencial [...] é renascentista, resultando da interpretação da geometria centralizada para a forma de cruz grega, com os corredores perpendiculares [...]”65, se sobrepusermos ao plano do primeiro

corpo do château de Chenonceau o mesmo plano rodado 90º e filtrarmos as peças sobrepostas, resulta que teremos dois corredores perpendiculares e

63 TAVARES, Domingos; Philibert Delorme: profissão de arquitecto; Dafne Editora; 2004; p. 19.

64 BLUNT, Anthony; Arte y Arquitectura en Francia: 1500-1700; trad. Fernando Toda; Madrid: Cátedra; 1983; p.19.

112 | Arquitetura Residencial Parisiense

Fig. 108 Château de Blois. Planta. Por J. A. du Cerceau. Escala 1.500. Note-se a posição das escadas a articular os vários corpos. 10

0m

Fig. 111 Château de Blois. Estado atual. Fachada Noroeste.

Fig. 109 Château de Blois. Estado atual. Corpo Noroeste. Vista do pátio

Fig. 110 Château de Blois. Estado atual. Interior da escada.

O Saber Adquirido e o Clássico |6 um conjunto de peças mais uma torre em cada canto, ficando a faltar apenas

a escada central para completar o plano de Chambord. Ajudando ainda mais à incerteza, o plano presente nos “dessins d’A. Félibien (vers 1680) faits d’après

un modele en bois, aujourd’hui perdu, attribué à Dominique de Cortone [...]”66, é

um quase um retrato perfeito de Gaillon, inclusivamente no que se refere à escada de lanços rectos.

Volumetricamente [fig.106-107], as altas chaminés e as coberturas inclinadas também remetem para o Louvre. As altas lucarnas remetem para Chenonceau e para os hôtels urbanos já abordados. O que existe efetivamente de clássico neste conjunto é a simetria da monumental fachada Noroeste, reforçada ao centro pela maior altura do corpo central e das suas torres laterais, para a qual o remate das outras duas torres laterais também contribui. Claramente, também se vê o módulo vertical do corpo longitudinal de Chenonceau67 nos

corpos laterais, alternado pela ausência de lucarna. Aqui a simetria também está presente e é reforçada pelas três lucarnas. Outro aspecto clássico é a muito presente marcação de pilastras e dos três estratos, numa continuação e evolução da senda anterior.

Outro aspecto monumental nesta obra é a profusão de elementos verticais na cobertura. Conjuntamente com os outros elementos que conferem uma tendência horizontal, parece coroar toda a estrutura. Desses, destaca-se ao centro a lanterna sobre o elemento articulador por excelência do corpo central, ou seja, a escada espiral de dupla revolução cujo desenho é provavelmente da autoria de da Vinci. O uso da escada em espiral, aberta, não era propriamente uma novidade neste tempo, mas a sua localização no interior de uma residência e com este sistema já o era. Por exemplo, no

château de Blois, construído quase paralelamente, a estrutura poligonal da

escada em espiral em hors oeuvre [fig.108-110] num pátio não é algo que já

66 MONTCLOS, J. P. Pérouse de; Histoire de l’Architecture Française: de la Renaissance à la Revolution; Paris: Mengés; 1989; p. 64.