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A tratadística produzida por estas três referências da arquitetura será abordada mais à frente.

14DEBARRE, A. e ELEB, M. (1999) Op. Cit.; e BOUDRIOT, Pierre-Denis; in Histoire, économie et société; 1985, 4e année, n°1; pp. 29-41.

Deste modo, as questões de intimidade e de privacidade não se colocavam da mesma forma que hoje, nem tão pouco era uma preocupação nestas habitações a articulação entre áreas sociais, privadas e de serviço, que veremos ser introduzida na transição do séc. XV para o XVI nos châteaux e residências senhoriais em parte abordados pela tratadística produzida em França no séc. XVI, da qual destacamos as obras teóricas de Sebastiano Serlio (1475-1554), Philibert de l’Orme (1510-1570) e Jacques Androuet du Cerceau (1515-1585)13. Se estes autores abordam, de uma maneira geral, várias escalas

e contextos habitacionais, haveria um que se iria concentrar nos tipos de habitação ordinária. Ainda que naturalmente influenciado pelos seus predecessores mencionados14, Pierre le Muet (1591-1669), na sua Manière de bien bastir pour toute sortes de personnes (primeiramente editado em 1623),

trata a ‘boa forma’ de habitar consoante os princípios de comodidade distributiva que considerava adequados e a classe social do proprietário - tal como o próprio título indica -, adaptados consoante as dimensões dos lotes urbanos [fig.18-19]. Apenas na segunda edição de 1647 acrescentaria “six

édifices prestigieux, trois hôtels ainsi que trois églises”15. A sua obra teórica

descreve tipologias à data já estabelecidas em Paris, sendo por isso uma referência para se compreender a habitação do séc. XVII. Le Muet dedica também uma parte da sua obra ao modo como ‘bem construir’ estruturas de madeira, na sua Manière de construire les combles qui se font pour la couverture, mas apenas no que se refere às coberturas, dada a pressão por parte da Coroa para substituir as casas com estrutura de madeira nos pisos que teve início já no séc. XIV [fig.20].

Esta predileção pelo uso da pedra para fins meramente habitacionais em contexto urbano, além de reduzir o risco de propagação do fogo pelas casas

13 A tratadística produzida por estas três referências da arquitetura será abordada mais à frente.

14DEBARRE, A. e ELEB, M. (1999) Op. Cit.; e BOUDRIOT, Pierre-Denis; in Histoire, économie et société; 1985, 4e année, n°1; pp. 29-41.

32 | Arquitetura Residencial Parisiense

Fig. 21 Paris. 1383. Note-se a localização da fortaleza do Louvre (1) ‘entre-muros’, a Bastille (2) e a muralha de Charles V (3). Sem escala. Por Jean-

Baptiste Bourguignon d’ Anville.

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vizinhas, não seria certamente alheio ao contexto arquitetónico que se vivia nesse período, no qual o seu domínio era cada vez mais avançado.

2.2 AS RESIDÊNCIAS REAIS: novas necessidades de habitar e de receber É em meados do séc. XIV, com o crescimento da cidade para fora dos limites da muralha de Philippe Auguste, que o Louvre vê perder os seus propósitos iniciais de fortificação defensiva e é transformado em palácio real. “Tratar-se-ia de um típico castelo feudal, não fora a imagem emergente do interior

do recinto que dobrava em altura a dimensão dos muros exteriores. Pela profusão de janelas subindo nas fachadas e torreões desse corpo principal até aos inclinados telhados negros recobertos de uma profusão de chaminés e agulhas de remate, somos colocados perante a ideia de uma enorme residência, vulgo palácio [...]”16.

Isso acontece com o término da construção da muralha de Charles V (1338- 1380) que incorporava a nova fortificação da Bastille (1370-completada provavelmente no reinado de Charles VI) que resultou do reforço das torres defensivas da porta de Saint-Antoine, localizada a Norte do rio e a Nascente da cidade. A nova estrutura defensiva [fig.21], resultante da resposta à crescente ameaça inglesa na sequência das campanhas da Guerra dos Cem Anos (1337-1453), passou a englobar o Louvre dentro dos seus limites. Em 1364, Charles V responsabiliza o arquiteto Raymond du Temple (?-c. 1404) de o transformar numa das suas residências parisienses da qual não mais restam do que descrições textuais hipotéticas e alguns registos gráficos [fig.22]. A grande vis17, escada em espiral aberta que servia os novos aposentos reais

dispostos à volta do pátio, era o elemento mais inovador do novo conjunto construído e de todos o que mais informação reúne. Já se havia visto na

16 TAVARES, Domingos; Philibert Delorme: profissão de arquitecto; Dafne Editora; 2004; p. 15.

17 “Le grand escalier, ou plutôt la grande vis du Louvre (pusqu’en cet temp-là le nom d’ escalier n’estait pas connu) [...]” - SAUVAL, Henri; Histoire et recherches des antiquités de la ville de Paris; Paris, Charles Moette & Jacques Chardon: 1724; Tomo II; p. 23; Apud VIOLLET-LE-DUC, Eugène; Dictionnaire raisonné de l’architecture française

34 | Arquitetura Residencial Parisiense

Fig. 22 Louvre, Les très riches heures du Duc de Berry, séc. XV.

Fig. 23 Perron du Palais de la Cité, no séc. XIV. Por Viollet-le-Duc.

Fig. 24 L’ escalier romain plus

ordinaire. Por Viollet-le-Duc. Sem escala

5 0m

Fig. 25 Reconstituição hipotética da escada do Louvre. Por

cidade uma escadaria exterior (perron18) de aparato no Palais de la Cité

(residência da corte entre o séc. X e o séc. XIV) que dava acesso a uma sala que participava da vida urbana [fig.23], no sentido em que possibilitava o acesso ao corpo que fazia a ligação entre a Saint-Chapelle e a Sala Grande19

do palácio onde se administrava a justiça real do alto da sua posição - esse tipo de escada, ou escadaria, exterior que ligava a uma sala administrativa era comum nos châteaux medievais. Talvez o arquiteto, ou o rei, tivesse em mente essa escadaria quando desenhou aquela peça visível do exterior que servia os novos edifícios verticalmente, mas a “[...] idée de faire de la modeste

vis qui taraudait les édifices anciens un motif d’ostentation était nouvelle. Jusqu’alors, l’escalier seigneurial était le grand degré extérieur montante du sol de la cour au plain-pied du premier étage”20. De facto, se a escada em espiral

remonta ao tempo dos romanos e o seu uso se tornou comum nos tempos medievais, como refere Viollet-le-Duc (1814-1879), ainda de acordo com os seus escritos, os romanos utilizavam a escada não mais do que como um elemento que realizava a comunicação vertical entre pisos, guardando as disposições monumentais para os degrès extérieurs21. A escada interior mais

comum, seria a de dois lanços paralelos e um patamar intermédio [fig.24]. Assim, a escada em espiral com contrafortes do Louvre não era uma novidade como peça ou elemento em si, mas sim pelo modo como foi disposta. Um pouco destacada no corpo Norte [fig.25], estava inserida numa galeria sobreposta a uma arcada, realizadas por arcos apontados que descarregavam em pilares retangulares e cuja cobertura era em abóbadas de

18 Perron - sobreposição de plataformas horizontais (degraus) que constituem uma escadaria exterior; Viollet-