• Nenhum resultado encontrado

CHÂTEAU DU LOUVRE

PRODUCED BY AN AUTODESK EDUCATIONAL PRODUCT

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS [ver anexo 1 e 2]

As mesmas condições que possibilitaram a reconversão do Louvre de Charles V numa residência pautada pelo conforto das suas peças habitacionais, conjugadas pela articulação entre peças e dispositivos de aparato - a escada e a respetiva galeria, e as salas de parada - e as peças privadas encaixadas numa sequência longitudinal, foram as mesmas que permitiram a construção e adaptação de uma série de outras residências urbanas, tais como o hôtel

Saint-Pol, o hôtel de Clisson, o hôtel de Bourbon e até do château de Vincennes,

às novas exigências residenciais. Os primeiros três são um exemplo ilustrativo do desenvolvimento das peças em corpos longitudinais, onde a separação entre a vida privada e oficial era articulada por meio de pátios, jardins e galerias.

Demonstrámos como a estrutura de propósitos defensivos, o donjon, se adaptou às novas exigências e como essa estrutura tão familiar foi utilizada para a construção de residências rurais onde se procurava um equilíbrio entre o conforto e a interação funcional entre diferentes peças e a procura de um certo resguardo defensivo face à envolvente local. Mostrámos também como o conceito de corpo longitudinal articulado por uma torre de escada começou a ser desenvolvido em estruturas rurais que não eram protegidas por qualquer muralha ou cidade. Era a escada o principal elemento organizador do espaço doméstico, proporcionando uma articulação simultaneamente vertical e longitudinal. Vertical porque permitia articular as peças de serviço, de receção e privadas. Horizontal porque eram os seus patamares que articulavam as peças de um mesmo piso.

Assim, as peças sociais, como as salas de recepção, as peças privadas, como a antecâmara, câmara e trascâmara dispostas numa perspetiva de aposentos desenvolvidos com dependências como gabinete, oratório e guarda-roupa, seriam as peças chave do, propriamente dito, espaço habitável da residência.

Os dispositivos como a torre da escada em espiral, a galeria, o pátio e o portal (por vezes conjugado com átrios cobertos), e o conceito de corpo longitudinal com peças em sequência tornaram-se parte dos recursos arquitetónicos das residências parisienses (e não só) a partir de meados do séc. XV. O hôtel Jacques Coeur, de Sens, Cluny e le Gendre, são casos paradigmáticos no que toca a exemplificar o domínio desses recursos.

O que estava ainda para ser efetivamente introduzido na cultura arquitetónica francesa eram os valores clássicos reavivados no Renascimento. As novas residências, principalmente as urbanas, eram ainda pautadas por um gosto Gótico flamejante que revelava, a momentos, uma certa regularidade a espaços, mas que ainda não atingia uma ideia do todo. Por exemplo, verificámos como a decoração flamejante se concentrava sobretudo nas partes onde se queria que o aparato fosse maior, quer nos portais, nos torreões ou nos portais da torre da escada, não existindo um conceito do todo, mas mais uma soma de partes.

As grandes influências do Renascimento fizeram-se notar primeiramente nas grandes residências de iniciativa real das primeiras décadas do séc. XVI. Todo o saber adquirido ao longo de toda a tradição medieval francesa - as peças, o corpo desenvolvido longitudinalmente e os dispositivos de articulação - foram experimentados em conjugação com novos princípios de regularidade e simetria - uma ideia do todo - que podia ser transmitida à composição das fachadas. Por exemplo, em Chambord verificámos como o corpo central era constituído por aquilo que foi a justaposição de dois donjon, de duas peças, articulados por uma escada em espiral, de dupla revolução paralela, que agora se encontrava no interior, mas igualmente no centro do corpo, articulando aposentos desenvolvidos. Nos châteaux de de l’Orme,

Serlio e até de du Cerceau, conjuga-se a distribuição das peças em enfilade

articuladas por escadas nos cantos, unificadas pelo uso de elementos clássicos na composição das fachadas, onde não faltavam as lucarnas, o telhado inclinado, as chaminés e a prática disposição alternada dos altos

198 | Arquitetura Residencial Parisiense Considerações Finais |3

vãos das fachadas correspondentes de cada corpo para melhorar as condições de luz interior tão características do vocabulário medieval francês. Não podemos atribuir a esses três nomes a ‘invenção’ do Renascimento francês, mas a sua contribuição para uma síntese distributiva, no seguimento de uma inércia que vinha de trás, onde se dava particular destaque à articulação e hierarquização das peças sociais, privadas e de serviço, numa lógica tendencialmente horizontal, articuladas por pátios, escadas e átrios, foi fundamental.

A produção tratadística veio finalmente possibilitar a disseminação de todo o saber arquitetónico onde já era bem evidente a permanência medieval de formas - como os torreões e os pavilhões laterais - e de distribuição - as peças e a posição articuladora das escadas - conjugada com a racionalidade e regularidade distributiva e de composição das fachadas. Os autores que a produziram, conjuntamente com a sua obra prática, permitiram uma síntese arquitetónica de todo o conhecimento tal como estava a ser praticado naquele momento. Independentemente das influências medievais francesas ou das clássicas vindas do território italiano, a arquitetura tornou-se clássica no sentido em que se afirmou em algo passível de ser transmitido através da escrita e da ilustração. O conhecimento tinha sido democratizado, possibilitando que os arquitetos e mestres construtores anónimos pudessem seguir princípios com um mesmo fio condutor. Com a importação de novos gostos e do novo papel do arquiteto como figura importante no processo de desenho, a divulgação dos ‘sabores’ arquitetónicos em voga pôde ser realizada.

Os arquitetos e mestres construtores dos hôtels e residências particulares do séc. XVI e XVII, fizeram do clássico um instrumento para atingir uma organização espacial regular, de onde retiraram a proporção das suas fachadas, recorrendo também, para tal, ao seu vocabulário construtivo (arcos e arcadas, pilastras, frontões e figuras antropomórficas clássicas), acrescentando, inclusivamente, novos elementos ao mesmo (as aduelas de

pedra dispostas verticalmente, as estruturas bastante inclinadas dos telhados, as altas janelas que apresentavam, em certos casos, diferentes larguras), resultando numa arquitetura que não perdia a sua vertente funcional mas que ganhava uma nova unidade em si e na relação com outras obras. A hierarquização das peças, consoante a sua função e natureza, era apenas dada através da sua disposição em relação aos átrios de entrada, pátios, galerias e escadas, de tal forma a que os percursos resultantes se tornavam tão óbvios e articulados quão o era a composição geral de todo o conjunto residencial. Este era, portanto, um modo de fazer diferente dos hôtels do final do séc. XV aqui abordados, onde a decoração flamejante era mais densa consoante a importância do espaço na hierarquia da residência. Pode- se então afirmar que nos mais antigos a presença dos elementos mais decorativos e de aparato estavam dispostos em partes, enquanto que os posteriores, do séc. XVI, estavam presentes de uma forma mais unificada e, por isso, monumental.

A certo momento a disposição das peças era um dado adquirido. Apenas ocorre a adaptação aos lotes urbanos mais condicionados, uns mais do que outros, desenvolvendo-se uma maior unificação e uma base tipológica. Nuns casos, esta era acompanhada pela unificação das fachadas viradas ao pátio, noutros a fragmentação por vezes resultante da tentativa de ‘animar uma fachada’ era maior. Em todos nota-se um gradual domínio do vocabulário clássico na composição das fachadas, embora não fosse esse o aspeto fundamental para a definição de uma tipologia urbana. O que de facto interferiu foi o modo como a renascença ‘ensinou’ a articular e desenvolver os corpos longitudinais, com as suas ‘enfilades’ de peças, numa relação mais sintética, simples e até pacífica.

A Place Royale pode ser considerada uma síntese daquilo que clássico francês vinha a desenvolver, à escala urbana, nomeadamente desde Anet. O

hôtel de Sully, d’Aumont, Lambert e Saint-Aignan, representam um ‘à vontade’

200 | Arquitetura Residencial Parisiense Considerações Finais |5

domínio compositivo das fachadas através de princípios clássicos e da concepção monumental pelo do todo e não pelas partes.

Em suma, o conhecimento provido pelo clássico do Renascimento permitiu aos arquitetos e mestres franceses adquirir ferramentas e um reavivado vocabulário arquitetónico para a definição da residência aristocrática parisiense que se iria prolongar, de forma mais ou menos estabilizada, até aos finais do séc. XIX.

As peças, a colocação das escadas e o desenvolvimento do corpo longitudinal foram conceitos utilizados. Contudo, o seu desenvolvimento e a noção de conforto doméstico remontam ao período compreendido entre o séc. XIV e meados do XV. O pátio, as galerias e a distribuição hierarquizada das diferentes peças em corpos distintos articulados por escadas, onde estavam muito bem definidos os espaços e dispositivos de aparato, privados e de serviço, começaram a surgir nas residências urbanas nos finais do séc. XV. A disposição desses elementos foi experimentada e sintetizada nas residências rurais do final do séc. XV e das primeiras décadas do séc. XVI de acordo com os reavivados recursos e vocabulário do Renascimento, permitindo a transposição desse conhecimento para o lote urbano da residência aristocrática parisiense do séc. XVI e XVII.

Assim se justifica a permanência de certas formas, peças e modos de distribuir medievais conjugados com os reavivados e desenvolvidos princípios clássicos que dizem respeito à distribuição, estrutura e decoração.