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Enfilade termo que se refere à disposição das peças interiores, de um corps de logis, em sequência e

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Fig. 43 Château de Sarzay. Estado atual. Vista Noroeste. Note-se as chaminés.

Fig. 44 Château de Sarzay. Estado atual. Vista Nordeste. Note-se a torre da escada ao centro.

5 m

Fig. 45 Château de Sarzay. Planta do piso tipo. Escala 1.200. 5

torre em hors oeuvre40 com uma escada em espiral, que apresenta uma

distribuição de duas peças e quatro dependências, idêntica em todos os pisos, tal como no donjon de Vincennes. Mas este não é um donjon tipicamente fortificado, pois a sua forma longitudinal, a cobertura inclinada - quer cónica nas torres, quer de quatro águas no corpo - com chaminés, remete para um corps de logis e também para o ‘aspecto’ residencial do

Louvre [fig.43-44]. Assim como a posição destacada da escada, que permite a

entrada no corpo através do pátio murado, sem ponte levadiça. Embora não seja visível do exterior, é a escada que articula todas as peças [fig.45]. Mais concretamente, permite aceder ao interior, sem entrar no corpo propriamente dito. Deste modo, era possível aceder à enfilade das duas peças, que funcionavam como sala e câmara, sem entrar em qualquer outra peça. A distribuição era, por isso, idêntica em todos os pisos com exceção do térreo, onde se encontrava a cozinha, podendo-se entrar e circular pela residência sem entrar nas peças. A escada era, portanto, a peça articuladora por excelência. Todas as transições entre as peças sociais, privadas e de serviço, e mesmo entre as peças situadas num mesmo piso, tinham obrigatoriamente que passar pela escada e os seus sucessivos patamares.

Ou seja, se a posição das peças se aproximava mais de Vincennes, o que não seria alheio ao facto de se tratar também de uma estrutura vertical, ainda assim aproximava-se mais do Louvre e das outras residências urbanas já abordadas que fazem uso da escada e da distribuição das peças por corpos longitudinais, setorizando as de diferente natureza. Assim, havia três tipos de sequência: a de aparato, ou social, com entrada, escada, sala (provavelmente no primeiro piso, tal como em Vincennes); a privada, com entrada, escada, câmara de dormir e dependências; a de serviço, com entrada, cozinha e dependências. Em sentido ascendente as peças tornavam- se cada vez mais privadas, a cozinha, peça de serviço, só se poderia localizar

40 Hors oeuvre - o termo, em arquitetura, significa algo que está fora da ordem geral do conjunto. Neste caso, embora a torre não aparente estar volumetricamente fora ‘da ordem’, uma vez que existem mais quatro, a escada que contém encontra-se fora da enfilade composta pelas duas peças interiores.

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Fig. 46 Château de Gayette. Planta do piso térreo (em cima) e do piso tipo (em baixo). Note-se os mesmos princípios distributivos e a mesma orientação solar do exemplo anterior. Escala 1.200.

5 0m

Fig. 47 Château de Gayette. Estado atual. Vista Nordeste.

no térreo, dado o mais fácil acesso às terras cultivadas e às dependências agrícolas em seu redor.

Começava, então, a perspetivar-se uma concepção do corpo longitudinal também nas estruturas que derivam dos châteaux fortificados, aproximando- se daquilo que se pode chamar de “[...] donjon-logis de la fin de la guerre de

Cent Ans”41.

No mesmo raio de afastamento de Paris, mas mais a Este (Allier), situa-se a residência construída pelos irmãos Jean e Ymbaud Nesmond (dados biográficos desconhecidos) em c.1430, cuja ocupação só foi efetivada pelo filho do segundo. O donjon de Gayette, se assim lhe podemos chamar, é de facto um corpo retangular com duas torres quadradas salientes [fig. 46]. Embora seja volumetricamente diferente de Sarzay, a distribuição é idêntica, apenas muda a presença de uma peça que faz a ligação entre a escada e as outras peças no piso térreo, como se fosse um corredor, e o facto das peças dos pisos superiores se relacionarem com mais hierarquia, sendo óbvio que umas são peças principais e outras dependências. No entanto, a escada em espiral não perde a sua função de chegada e de articulação, destacada do resto das peças.

Em Allier, o donjon, com o seu corpo longitudinal, acesso facilitado, cobertura inclinada de quatro águas com chaminés [fig.47]- assemelhando-se a um autêntico pavillon - aproxima-se bastante do corpo principal da manoir

de Vaux, construída já após a Guerra dos Cem Anos, onde se daria a

definitiva conversão do donjon numa residência senhorial. A nova estabilidade territorial permitiu que Jean Bourré (1424-1506), presidente da

Chambre des Comptes sob Charles VIII e Louis XII, erguesse a sua residência

com uma organização mais eficaz e cómoda das peças habitacionais em três

41 ALBRECHT, U., Le petit château en France et dans l’Europe du Nord aux XVe et XVIe siècles in Architecture et vie

sociale: l'organisation intérieure des grandes demeures a la fin du moyen âge et a la renaissance / actes du colloque; études réunis par Jean Guillaume; Paris: Picard; 1994; p. 193.

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Fig. 48 Manoir de Vaux. Planta do piso térreo. Legenda: 1 pátio; 2 sala grande ou de aparato; 3 capela; 4 cozinha; 4’ poço. Escala 1.200. 5 0m 5 m 5 0m 1 2 4 4’ 3

corpos ortogonais dispostos em ‘U’, localizada a cerca de 270km a Sudoeste de Paris, em Daumeray.

Atualmente, embora esteja recuperada, perdeu a sua configuração original. Passada a ponte levadiça [fig.48], chegava-se ao pátio pavimentado, a grande peça de aparato de chegada, um verdadeiro cour d’honneur. Em frente, ficava a torre poligonal da escada em espiral, que permitia a entrada no corpo principal constituído por duas peças e três dependências, cuja semelhança com os donjons anteriores é mais que óbvia. Já à direita, ficava a capela, com a sua janela flamejante, apenas acedida pelo pátio, através de um degrau. À esquerda, a cozinha, contendo um forno, chaminé, poço e eliminação das águas domésticas, podia servir discretamente o corpo principal.

O grande destaque era dado ao corpo principal longitudinal. Tendo a cozinha sido relegada para um corpo independente, a sala de aparato ficava agora no piso térreo, à distância de um degrau e do patamar da escada. Os aposentos privados, à imagem de todas as residências já abordadas, rurais e urbanas, ficariam certamente nos pisos superiores, mantendo a distribuição de duas peças e respetivas dependências. A escada em espiral, ou melhor, o seu primeiro patamar, era agora um dispositivo de aparato, permitindo simultaneamente aceder às peças privadas. Articulava duas vertentes habitacionais (aparato e privado) ao invés de três (aparato, privado e serviço), tornando-se dessa forma num dispositivo indissociável do ‘seu’ pátio de honra [fig.49].

Tratamos neste caso de um salto evolutivo, comparativamente aos exemplos rurais que já abordámos. O hôtel de Clisson, exemplo urbano, já manifestava esta independência do corpo principal em relação aos restantes, mas pouco se sabe sobre as peças de serviço além dos estábulos. Já no séc. XVI, o

donjon-logis, liberta-se completamente da planta quadrada, desenvolvendo a enfilade em mais peças. Mesmo quando ausentes outros corpos

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Fig. 50 Manoir de Chèmery. Planta do piso tipo. Escala 1.200. 5

0m

5 m

Fig. 51 Manoir de Chèmery. Vista Nordeste.

Paris Medieval |22 longitudinal. É um exemplo a manoir de Chémery, construída pela família

Husson, localizada a cerca de 200km a Sul de Paris (em Chémery). A

distribuição das peças é muito semelhante aos casos já abordados [fig.50-51], mantendo-se a cozinha no térreo e sucedendo-se nos pisos superiores as peças desde do nível social ao privado. Mas é evidente que já se havia dobrado o séc. XVI e, aí, outras razões existem para explicar o seu desenvolvimento.

longitudinal. É um exemplo a manoir de Chémery, construída pela família

Husson, localizada a cerca de 200km a Sul de Paris (em Chémery). A

distribuição das peças é muito semelhante aos casos já abordados [fig.50-51], mantendo-se a cozinha no térreo e sucedendo-se nos pisos superiores as peças desde do nível social ao privado. Mas é evidente que já se havia dobrado o séc. XVI e, aí, outras razões existem para explicar o seu desenvolvimento.