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Arquitetura Residencial Aristocrático Parisiense - Do período Medieval ao Clássico

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Academic year: 2021

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(1)DISSERTAÇÃO DE MESTRADO INTEGRADO EM ARQUITETURA. JOÃO BRANCO. ORIENTADOR: PROFESSOR DOUTOR JOSÉ QUINTÃO. 2012/2013.

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(3) AGRADECIMENTOS. Agradeço ao Professor Doutor José Quintão a quem muito devo não só pelo interesse, disponibilidade e rigor com que acompanhou esta dissertação desde o primeiro momento, mas também pelo despoletar do interesse sobre o tema apresentado enquanto regente da unidade curricular de História da Arquitetura Moderna.. Neste âmbito, estendo os meus agradecimentos ao Professor Doutor José Miguel Rodrigues enquanto co-regente da referida unidade curricular.. Agradeço a todos os Professores que contribuíram para a minha formação académica..

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(5) para a Juliana.

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(7) RESUMO Tendo em conta a evolução distributiva do espaço doméstico das residências aristocráticas parisienses desde finais do séc. XIV até meados do séc. XVII, estrutura-se um discurso que procura demonstrar um fio condutor através das práticas construtivas e dos modos de habitar ao longo desse período. São abordadas as residências desde a transformação do Louvre em residência real no final do séc. XIV, onde o conforto passou a estar a par com as preocupações defensivas. As residências um pouco por toda a França passaram a adoptar as mesmas premissas. Estruturas medievais de vocação original defensiva foram adaptadas ou construídas de raiz tendo em conta as necessidades habitacionais durante o século seguinte. Sem descurar uma certa. atitude. defensiva,. utilizaram. o. donjon. desenvolvendo-o. longitudinalmente em peças articuladas por uma torre de escada em espiral. As residências urbanas parisienses do mesmo século, sob a proteção das muralhas, utilizaram corpos longitudinais articulados por torres de escadas, pátios e galerias para organizar o seu espaço residencial decorado ao gosto do Gótico flamejante. Com as iniciativas reais do séc. XVI, sobretudo de François I, estabeleceramse as condições para a introdução dos princípios do Renascimento. Grandes residências. rurais. foram. construídas,. verificando-se. uma. tendência. distributiva mais horizontal e uma síntese do conhecimento da tradição medieval francesa e dos reavivados princípios clássicos. A distribuição experimentada e as novas soluções construtivas utilizadas contribuíram. para. a. definição. dos. corpos. longitudinais. dispostos. ortogonalmente em redor de um pátio, onde imperava uma união formal da composição das suas fachadas, que carateriza a tipologia da residência aristocrática parisiense do séc. XVI e XVII..

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(9) ABSTRACT Taking into account the distributive evolution of the domestic space of the aristocratic Parisian residences since the end of the fourteenth century until the mid-seventeenth century, a discourse is structured to seek to establish a common thread through the construction practices and ways of living over that period. Residences are addressed from the transformation of the Louvre in royal residence at the end of the fourteenth century, where comfort had to be at par with the defensive concerns. The residences slightly throughout France have adopted the same assumptions. Medieval structures with an original defensive vocation were upgraded or built from scratch taking into account the housing needs over the following century. Without neglecting certain defensiveness, the donjons were used and develop lengthwise with it´s pieces being articulated by a tower spiral staircase. The Parisian townhouses of the same century, under the protection of the ramparts, have used longitudinal bodies articulated by towers of stairs, courts and galleries to organize their living space decorated to the taste of Gothic flamboyant. With the royal initiatives of the sixteenth century, especially by François I, conditions for the introduction of the principles of the Renaissance were set up. Large rural residences were built, where there was a more horizontal tendency for the distribution of the pieces and synthesized knowledge of French medieval tradition and revived classical principles. The experimented distribution and the new constructive solutions contributed to the definition of longitudinal wings positioned orthogonally around a court, where a formal union prevailed in the composition of its facades, featuring the typology of the sixteenth and seventeenth century Parisian aristocratic residence..

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(11) ÍNDICE. 1. INTRODUÇÃO. 13. 2. PARIS MEDIEVAL:. 19. contexto temporal e espacial 2.1 HABITAÇÃO MEDIEVAL:. 25. constrições construtivas, sociais e urbanas 2.2 AS RESIDÊNCIAS REAIS:. 33. novas necessidades de habitar e de receber 2.3 RESIDÊNCIAS SENHORIAIS:. 49. do donjon ao corps de logis; distribuição e articulação. 3. RESIDÊNCIAS SENHORIAIS URBANAS DO SÉC. XV:. 65. assentamento de uma inércia para os princípios clássicos vindouros. 4. O SABER ADQUIRIDO E O CLÁSSICO:. 101. uma tratadística ‘francesa’ 4.1 CHÂTEAUX DO SÉC. XVI:. 105. plataformas de experimentação clássica 4.2 TRÊS REFERÊNCIAS:. 115. Philibert de l’Orme, Sebastiano Serlio, Jacques Androuet du Cerceau. 5. O CLÁSSICO NA CIDADE. 141. 5.1 HÔTELS CLÁSSICOS:. 151. assentamento de uma inércia para a definição de uma tipologia 5.1.1 Democratização da tipologia e do clássico francês: condicionantes. 177. de dois tipos de lotes; bases para o futuro residencial. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 195. 7. FONTES. 205.

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(13) 1. INTRODUÇÃO.

(14) 14 | Arquitetura Residencial Parisiense.

(15) Introdução | 15. 1. INTRODUÇÃO A habitação é uma vertente da arquitetura que melhor caracteriza uma sociedade. O modo como se habita está intimamente ligado ao modo de vida, à cultura, ao tempo, etc., de cada um e de todos. Tudo isso tem reflexos na arquitetura, mas não só. A própria arquitetura tem moldado a forma de habitar desde os primórdios da cabana primitiva. Por isso, a relação entre o indivíduo(s) e a habitação não se estabelece segundo um princípio de causaefeito, mas segundo um mutualismo. De facto, o que é o Homem sem o seu abrigo? Não é ele que nos separa do resto dos seres? A ‘casa’, hoje, é um direito adquirido para quase todos. É dotada de espaços e divisões mais ou menos específicos e estabilizados, ainda que conheça várias derivações distributivas em constante evolução, e é uma das unidades fundamentais de composição do tecido urbano. Parte do ofício do arquiteto é,. continuadamente,. testar. as. novas. possibilidades. e. conjugá-las,. reciprocamente, com as necessidades do seu tempo. Esta democratização e acessibilidade ao conhecimento distributivo das peças que compõem uma habitação nem sempre foi um dado adquirido. Aliás, muito embora a diferença entre abrigo e, por exemplo, as casas da Europa romana seja abismal, até os romanos ocuparam mais o seu saber com a construção de infraestruturas urbanas e edifícios públicos. Nesse seguimento, o império romano e os povos que se seguiram à sua dissolução, particularmente no território europeu, viram a arquitetura vanguardista ter como base as estruturas religiosas. Nesse campo, é sabido como as técnicas construtivas possibilitaram novas tipologias e como as ideologias da Igreja e das ordens religiosas tiveram quase sempre a palavra na sua evolução. Uma relação recíproca, portanto, entre a arquitetura e os ideais. Se o Renascimento possibilitou a democratização do saber arquitetónico no que diz respeito a esse tipo de obras, numa retoma daquilo que tinham sido os valores da antiguidade grega, a novidade introduzida foi que tal se.

(16) 16 | Arquitetura Residencial Parisiense. propagou de igual forma ao campo da habitação, passando esta a integrar um dos ofícios dos arquitetos como qualquer outro. E isso aconteceu com particular incidência em França, mais concretamente nos territórios feudais entre Tours e Paris, onde as grandes estruturas defensivas conheceram uma adaptação da sua vocação de fortaleza para se adaptar às novas exigências habitacionais. Naturalmente, seria a aristocracia a permanecer na frente da vanguarda das novidades habitacionais. As suas residências seriam o campo de trabalho dos ‘novos’ arquitetos e são o objeto de um estudo que se efetua em duas vertentes. Uma que visa compreender a introdução dos elementos clássicos nas estruturas e decoração dessas residências, cuja construção se compreende entre o séc. XIV e XVII, e outra que procura compreender a evolução da distribuição das peças que compõem a organização do espaço residencial. As duas não são independentes. Os hôtels particuliers - residências urbanas aristocratas - parisienses são um exemplo da integração de elementos da arquitetura clássica da antiguidade, reavivados no Renascimento, na arquitetura doméstica em França, mais concretamente em Paris. A sua planta, corte e alçado são muito particulares na adaptação ao lote urbano. A disposição em ‘U’ com alas a circundar um pátio que faz a transição entre o espaço público e privado, e um corps de logis com um jardim no tardoz, não teve uma génese isolada em si mesma. Para tal, foi percorrido um caminho no qual o conhecimento arquitetónico e construtivo medieval foi evoluindo e novos conceitos surgiram com o Renascimento. Os primeiros exemplos datam de meados do séc. XV, sendo que procuraremos estender o seu estudo até meados do séc. XVII. Período no qual acontece uma certa estabilização de uma tipologia habitacional e na transição e no diálogo entre a particular tradição arquitetónica medieval francesa e as influências da arquitetura clássica, para a qual contribuiu uma.

(17) Introdução | 17. aquisição quase académica do conhecimento arquitetónico que possibilitou aos arquitetos o seu completo domínio. O hôtel é, portanto, um testemunho da evolução da arquitetura, quer como peça urbana conformadora de parte de uma cidade, quer como organismo do espaço doméstico. Deste modo, temos como objetivo montar um discurso evolutivo sobre as residências compreendidas no período referido, atendendo naturalmente às obras bibliográficas de referência, pretendendo-se a compreensão sobre a transição entre a arquitetura medieval, com claras manifestações tardogóticas, e a inclusão gradual, não só de elementos decorativos e estruturais clássicos, como também de conceitos de distribuição do espaço decorrentes desse mesmo modo. A evolução que aqui se coloca como objeto de estudo não será, certamente, alheia à grande produção no que se refere a livros e tratados de arquitetura que ocorreu em França em meados do séc. XVI. Tratados esses da autoria não só de arquitetos franceses, nomeadamente Philibert de l’Orme (c.15101570) e Jacques Androuet du Cerceau (c.1510-1585) , como também da autoria de arquitetos italianos, como é o caso de Sebastiano Serlio (1475-1554). Este último, com uma franca contribuição para introdução dos valores do classicismo em França, sempre com a preocupação de os adaptar à particularidade da tradição arquitetónica francesa. Por conseguinte, o método aplicado é não só a procura de interações entre casos práticos, mas também entre estes, a tratadística e as precedentes casas fortes medievais, os châteaux. Será importante compreender o tipo de relação existente entre os últimos e as residências urbanas, tendo em conta, por exemplo, as limitações topográficas inerentes a um lote urbano, ou até, a simples diferença relativamente à função e simbolismo que desempenhavam. Outra relação importante a explorar é também entre os hôtels e o tipo de habitação urbana medieval recorrente, já que os primeiros seriam o reflexo da vanguarda no que toca à arquitetura doméstica parisiense e não o tipo.

(18) 18 | Arquitetura Residencial Parisiense. mais comum. Assim, este estudo comparativo servirá como contexto e introdução ao objetivo principal que aqui se propõe como tema de dissertação: a transição entre o hôtel medieval e o hôtel clássico, compreendendo o quanto ela terá de tradição arquitetónica francesa e de clássico do Renascimento. Num primeiro momento, revelam-se determinantes o hôtel de Sens (14751507), o hôtel de Cluny (1485-1498) e o hôtel Legendre (1490-1506). No caso dos exemplos clássicos, o hôtel Carnavalet (1547), o hôtel d’Angoulême Lamoignon (c. 1585) e o hôtel de Sully (c. 1625) são os exemplos mais significativos para a definição de uma tipologia urbana que se prolongaria a partir de meados do séc. XVII. No entanto, em qualquer um dos casos, o estudo não se extinguirá apenas nestes exemplos. Deste modo, a estruturação do discurso, que é simultaneamente objeto, objetivo e método desta dissertação, abordará dois tópicos principais: as residências rurais e urbanas, quer medievais, quer já evidentemente fruto de uma interação com o clássico do Renascimento..

(19) 2. PARIS MEDIEVAL.

(20) 20 | Arquitetura Residencial Parisiense. Fig. 2 Termas de Cluny. 2013 Vista do frigidarium e da estrutura da cobertura com abóbadas de aresta que descarregam em mísulas.. Fig. 3 Paris. C. séc. III A.D. Reconstituição de perspetiva aérea desde Sudoeste. As estruturas que se destacam são os equipamentos romanos. Mairie de Paris.. Fig. 1 Termas de Cluny. 1845. Perspetiva do frigidarium por Pierre-Achille Poirot. Óleo sobre tela.. 1. 4. 3. 2 5. Fig. 4 Paris. Planta atual com sobreposição de partes romanas. Legenda: 1 direção do cardus maximus; 2 direção do decumanus secundário; 3 ponto zero e localização do Forum; 4 termas de Cluny; 5 anfiteatro romano. Sem escala..

(21) ParisMedieval Medieval| 21 |1 Paris. 2. PARIS MEDIEVAL: contexto temporal e espacial São naturalmente poucos os vestígios da presença dos povos que habitaram a. parte. do. território. francês. que. hoje. conhecemos. como. Paris,. nomeadamente da presença gálico-romana na Lutetia Parisiorum, a cidade fundada (e renomeada) pelos romanos a partir do séc. I a.C. naquela que é agora a Île de la Cité. Daqueles que ainda persistem e que se conhecem, destacam-se as termas de Cluny (ou de Constantius Chlorus c. 250-306) [fig.1-2] localizadas na margem esquerda do rio Sena, a Sul do decumanus agora formado pela boulevard Saint-Germain e a poente do cardus maximus agora formado pelo eixo composto pelas rue Saint-Martin, rue de la Cité (Île de la Cité) e rue Saint-Jacques [fig.4], e também as Arènes de Lutèce (anfiteatro romano) [fig.3]. Como era comum nas cidades romanas, não faltavam o aqueduto e o fórum, localizados no centro da grelha romana a Sul do rio Sena, para onde a cidade entretanto havia crescido e onde foi construído o maior número de instalações públicas. Relativamente à habitação, os dados existentes são mais escassos e a sua análise requereu um maior exercício de arqueologia1. A habitação urbana era de tamanho variado e ocupava as parcelas resultantes da grelha romana, sendo o pátio uma peça comum nas maiores [fig.5]. A rural (fora da referida grelha) relacionava-se mais com o exterior através do seu pórtico de madeira [fig.6]. Em ambos os casos eram utilizados dois tipos de estrutura: uma estrutura parietal realizada por prumos de madeira verticais, assentes num perímetro composto por plintos de pedra e estabilizados por ripas horizontais e pequenas escoras diagonais, que era depois coberta com argila [fig.7]; com a progressiva densificação da cidade, a estrutura de madeira passou a ser preterida em relação à alvenaria (embora coexistissem), dado que esta permitia não só elevar um piso superior como eram mais adequada para resolver melhor a questão das paredes de meação que, como sabemos,. 1 Mairie de Paris - www.paris.culture.fr; 2013.

(22) 22 | Arquitetura Residencial Parisiense. Fig. 5 Reconstituição de perspetiva aérea de casas urbanas. Mairie de Paris. Fig. 6 Reconstituição de perspetiva aérea de casa rural. Mairie de Paris.. 3. 1. 4 5. 2 Fig. 7 Reconstituição de segmento de paredes. Mairie de Paris. Legenda: 1 prumos, 2 plintos de pedra; 3 ripas horizontais; 4 escoras; 5 argamassa.. Camadas de pedra. 0m. 300. Fig. 8 Pormenor da parede e fundação. Mairie de Paris. Sem escala. Fig. 9 Paris. C. 1150. Legenda de SAALMAN, Howard. Note-se o papel das estruturas religiosas no desenvolvimento urbano e a ausência dos vestígios romanos..

(23) ParisMedieval Medieval| 23 |2 Paris. são necessárias para a divisão dos lotes. Esta estrutura caracterizava-se pelo uso de uma parede dupla de pedra calcária, com enchimento de pedras mais pequenas, colada com argamassa [fig.8]. Com as invasões bárbaras e o colapso do império romano no séc. V A.D.2, grande parte dos assentamentos ‘parisienses’3 ficaram em ruínas. No entanto, “[...] there was little in a way of a town to burn. A sometime royal residence, the nearby cathedral church of an episcopal see, and a few flourishing monasteries in the neighbourhood, each surrounded by a small settlement, may yield choice plunder, but they do not make a city”4, pelo que só a partir do séc. X, com a coroação de Hugh Capet (938-996), o primeiro rei dos francos, e dos seus sucessores, é que a construção aumentou consideravelmente, sofrendo Paris uma significativa mudança urbana nesse período [fig.9]. A residência real colocava-se estrategicamente na ilha, na margem esquerda do rio Sena prevaleciam as abadias fortificadas ligadas à subsistência agrícola, mas seria num terreno plano e arenoso - como o próprio nome indica (Grève) - junto à margem direita, perto da principal via que atravessava a cidade - cerca de 200m a nascente - resultante do cardus maximus, que iria nascer o primeiro núcleo comercial. Aí instala-se um porto e um mercado, dando origem à place de Grève quando o hôtel de Ville é construído. Novos mercados, igrejas e ruas multiplicaram-se graças às novas condições oferecidas pela construção da muralha [fig.10] do último rei dos francos e primeiro rei de França, Philippe Auguste (1165-1223). Destacam-se a nova basílica de Saint-Denis (onde nasce o Gótico; reconstrução entre 1135-1144 ao modo Gótico; reconstrução ao modo Gótico flamejante entre 1231-1281), a nova catedral de Notre-Dame (iniciada em 1163 com influências do Gótico inicial de Saint-Denis e terminada no séc. XIII já com influências 2 As datas a seguir apresentadas respeitarão sempre o Anno Domini, salvo quando mencionado. 3 Entre o séc. IV e V é recuperado o nome de original (Paris) resultante da ocupação da área correspondente à Île de la Cité por parte da tribo celta (os Parisii) do séc. III a.C. 4 SAALMAN, Howard; Haussmann: Paris transformed; New York: George Braziller; 1971; p. 29..

(24) 24 | Arquitetura Residencial Parisiense. 1. 3. 2. 4 2’. Fig. 10 Paris. 1223. Note-se a localização da fortaleza do Louvre (1) na parte ocidental da muralha de Philippe Auguste (2), a futura localização da Place de Grève (3) e a catedral de Notre Dame (4). Sem escala. Por Jean- Baptiste Bourguignon d’ Anville..

(25) ParisMedieval Medieval| 25 |3 Paris. flamejantes) e a Saint-Chapelle (1243-1246), são o reflexo de uma nova ambição em termos de métodos construtivos e de escala apenas comparável com o, originalmente, château Louvre. A fortaleza mandada construir por Philippe Auguste em 1190, a poente da muralha, era constituída por um plano rectangular de 72m por 78m [fig.10], que se adaptava consoante a direção das maiores ameaças anglo-normandas que provinham sobretudo de Norte e Oeste, com torres cilíndricas nos cantos e no centro dos muros Norte e Oeste, e torres laterais que defendiam as portas a Sul e Este. Quanto ao donjon central, “il ne reste qui des descriptions très-laconiques et des figures fort imparfaits; nous savons seulement qu’il était cylindrique, que son diamètre extérieur était de vingt mètres et sa hauteur de quarante mètres environ”5. O Gótico torna-se assim, em plena Paris e com particular destaque para as obras religiosas, no modo arquitetónico que desenvolve a tecnologia da pedra ao seu máximo, tornando a arquitetura que produz, característica da sua cidade, “[...] as Romanesque had been the architecture of feudalism. Not surprisingly, nearly all the Romanesque churches of Paris had been replaced by Gothic buildings before the end of the sixteenth century”6.. 2.1 HABITAÇÃO MEDIEVAL: constrições construtivas, sociais e urbanas A par dessas novas construções ao redor das quais a cidade se ia reorganizando, esta continua a crescer e a densificar-se até ao ponto em que, “[...] by the thirteenth century, Paris was the largest city in western Europe [...]. Intensive building with cramping fortifications produced a congested, incoherent city. Paris was dominated by individualistic architectural forms representing religion, power, great wealth and military strength, while the houses of the people were built of such flimsy materials that lengthy survival rarely ensued”7. Se por 5 VIOLLET-LE-DUC, Eugène; Dictionnaire raisonné de l’architecture française du XIe au XVIe siècle; Paris: ed. 18581868; Tomo V, p. 72. 6 SAALMAN, Howard; Haussmann: Paris transformed; New York: George Braziller; 1971; p. 31. 7 SUTCLIFFE, Anthony; Paris: an architectural history; Yale University Press; 1996; p. 8..

(26) 26 | Arquitetura Residencial Parisiense. Fig. 11 Paris, 12 rue des Barres. 2013. Casa do séc. XIV recuperada.. Fig. 12 Paris, 15 rue des Barres. 2013. Casa do séc. XIV. Note-se a estrutura de madeira a ser recuperada.. Fig. 13 Paris, 11 e 13 rue François-Miron. 2013. Casas do séc. XIV recuperadas.. Fig. 14 Paris, 13 rue François-Miron. 2013. Casa do séc. XIV recuperada. Note-se o embasamento de pedra inclinado..

(27) ParisMedieval Medieval| 27 |4 Paris. um lado, as grandes construções reais e religiosas faziam uso da pedra e da tecnologia construtiva mais recente, por outro, a construção da habitação corrente, mais modesta, ainda utilizava materiais e métodos que pouco tinham evoluído. A estrutura de madeira, apenas diferenciava daquela do tempo dos romanos pela maior secção dos seus barrotes, permitia erguer até três ou quatro pisos. Visíveis pelo exterior [fig.11-14], os barrotes eram dispostos na vertical, horizontal e diagonal, e os espaços resultantes eram preenchidos com pequenas pedras, coladas com argamassa, para completar as paredes, perfazendo na totalidade uma estrutura que por vezes assentava numa base de pedra que inclinava para fora - debaixo para cima. Tal facto, aliado à projeção sucessiva dos pisos superiores face à rua, justifica-se pelo aumento do espaço interior que daí resultava. A fraca qualidade de alguns dos materiais constituintes explica porque motivo até à “[...] l’époque antérieure au XVIe siècle nous avons peu de traces de l’habitation urbaine modeste”8. Como iremos ver, a informação sobre os palácios reais e residências senhoriais é muito superior, comparativamente com a habitação corrente mais modesta. Se, para os primeiros, são vários os exemplos que chegaram até aos dias de hoje (com maior ou menor grau de reabilitação e reconstrução. hipotética),. para. habitação. medieval. mais. corrente,. permanecem poucos exemplos em que escasseiam dados originais quanto à sua distribuição, nos quais apenas permanece a estrutura principal. Deste modo, para compreender a distribuição e organização das peças interiores dessas casas - maisons9 [fig.15-16] - teremos que recorrer a reconstituições. 8 DEBARRE, A. e ELEB, M.; Architecture de la vie privée: maisons et mentalités: XVIIe - XIXe siècles; Bruxelles: AAM; 1999; p. 20. 9 Como são designadas em VIOLLET-LE-DUC, Eugène; Dictionnaire raisonné de l’architecture française du XIe au XVIe siècle; Paris: ed. 1858-1868; Tomo VI. Viollet-le-Duc refere alguns exemplos de construção em madeira do séc. XIV e XV que, apesar de situados fora de Paris, poderão fornecer algum contexto. O mesmo se passa para os seus exemplos do séc. XII, onde refere que, apesar de serem construídos em pedra, existiam indicações de que a estrutura a partir do piso térreo seria anteriormente em madeira..

(28) 28 | Arquitetura Residencial Parisiense. Fig. 15 Maison, ville d’Annonay (Sul de França) do séc. XIV. Por Violletle-Duc.. piso térreo. piso térreo. piso 1. Fig. 17 Maisons du XIIe siècle, Orléans. Por G. Guicestre. Sem escala.. Fig. 16 Maison, nord de la France do séc. XIV. Por Viollet-le-Duc.. piso térreo. piso térreo.

(29) ParisMedieval Medieval| 29 |5 Paris. hipotéticas com base em inventários ‘pós-morte’ que indicam que até ao séc. XVI a sua evolução em termos distributivos foi pouco significativa10 [fig.17]. Estas casas, construídas em lotes estreitos e compridos, eram então caracterizadas pela presença de uma sala, que poderia servir de loja caso o senhor da casa fosse um comerciante, e uma cozinha no tardoz, por vezes separada da primeira por meio de um pátio, afastando os maus odores, permitindo também separar as duas divisões dos pisos - ou piso - superiores onde, entre outras funções, se dormia. Deste modo, a sala, peça por onde se entrava diretamente da rua por meio de alguns degraus, acumulava as funções de recepção, de estar e de local de refeições, o pátio, dada a reduzida largura dos lotes, passa a desempenhar pouco mais do que funções de serviço. Assim, “l’aspect de la maison de ville française [...] ne rappelle pas la maison romaine. Les vues ne sont plus reprises, ainsi que dans la maison antique, sur des cours intérieurs, mais sur la voie publique, et la cour, s’il en existe, n’est réservée qu’aux services domestiques”11. Era comum que estas casas fossem partilhadas pelo proprietário com inquilinos. A lógica de partilha era vertical e não horizontal, sendo que “[...] une même famille pouvait avoir une salle à une étage et des chambres réparties à d’autres étages. Il était donc quelque fois nécessaire de laisser son voisin traverser certaines pièces”12. Quando isso acontecia, era natural que a sala e a divisão especificamente atribuída à cozinha ficassem reservadas ao proprietário, resultando que um inquilino realizava todas essas funções no espaço que lhe respeitava. Por exemplo, as chaminés da lareira da sala, e da cozinha, que necessariamente seguiam verticalmente até ao telhado, eram utilizadas para cozinhar nas divisões dos pisos superiores pelas quais atravessavam.. 10 DEBARRE, A. e ELEB, M.; Architecture de la vie privée: maisons et mentalités: XVIIe - XIXe siècles; Bruxelles: AAM; 1999; p. 19. 11 VIOLLET-LE-DUC, Eugène; Dictionnaire raisonné de l’architecture française du XIe au XVIe siècle; Paris: ed. 18581868; Tomo VI; p. 219. 12 DEBARRE, A. e ELEB, M.; Architecture de la vie privée: maisons et mentalités: XVIIe - XIXe siècles; Bruxelles: AAM; 1999; p. 21..

(30) 30 | Arquitetura Residencial Parisiense. 1’. 1 perfil transversal. 2. 2’. 3 piso 1. 5m. piso térreo. perfil longitudinal. Fig. 18 Maison Tubeuf, Paris. Edição 1647. Por Le Muet. Uma distribuição para um lote de cerca de 15m de largura com três corpos em torno de um pátio e jardim no tardoz. Note-se a posição da escada principal, anunciada pelos degraus exteriores, separando o corpo principal (1) do 5m 5m corpo que reúne cozinha (2) e estábulos (3). Uma distribuição típica e perfeitamente estabilizada em meados do séc. XVII em Paris, como iremos verificar. Escala 1.500.. 5m. 5m. 5m. 1’. 1. 2. 3. piso térreo. piso 1. Fig. 19 Second estage de la deuxieme distribvtion de la nevfiesme place. Edição 1647. Por Le Muet. Uma distribuição para um lote de cerca de 19m de largura com dois corpos paralelos à rua e dois laterais. Uma das variações distributivas que acontecem quando o lote varia de tamanho. Legenda: idêntica à figura anterior. Escala 1.500.. Fig. 20 Second maniere de construir uma cobertura de madeira. Edição 1647. Por Le Muet..

(31) ParisMedieval Medieval| 31 |6 Paris. Deste modo, as questões de intimidade e de privacidade não se colocavam da mesma forma que hoje, nem tão pouco era uma preocupação nestas habitações a articulação entre áreas sociais, privadas e de serviço, que veremos ser introduzida na transição do séc. XV para o XVI nos châteaux e residências senhoriais em parte abordados pela tratadística produzida em França no séc. XVI, da qual destacamos as obras teóricas de Sebastiano Serlio (1475-1554), Philibert de l’Orme (1510-1570) e Jacques Androuet du Cerceau (1515-1585)13. Se estes autores abordam, de uma maneira geral, várias escalas e contextos habitacionais, haveria um que se iria concentrar nos tipos de habitação ordinária. Ainda que naturalmente influenciado pelos seus predecessores mencionados14, Pierre le Muet (1591-1669), na sua Manière de bien bastir pour toute sortes de personnes (primeiramente editado em 1623), trata a ‘boa forma’ de habitar consoante os princípios de comodidade distributiva que considerava adequados e a classe social do proprietário - tal como o próprio título indica -, adaptados consoante as dimensões dos lotes urbanos [fig.18-19]. Apenas na segunda edição de 1647 acrescentaria “six édifices prestigieux, trois hôtels ainsi que trois églises”15. A sua obra teórica descreve tipologias à data já estabelecidas em Paris, sendo por isso uma referência para se compreender a habitação do séc. XVII. Le Muet dedica também uma parte da sua obra ao modo como ‘bem construir’ estruturas de madeira, na sua Manière de construire les combles qui se font pour la couverture, mas apenas no que se refere às coberturas, dada a pressão por parte da Coroa para substituir as casas com estrutura de madeira nos pisos que teve início já no séc. XIV [fig.20]. Esta predileção pelo uso da pedra para fins meramente habitacionais em contexto urbano, além de reduzir o risco de propagação do fogo pelas casas. 13 A tratadística produzida por estas três referências da arquitetura será abordada mais à frente. 14 DEBARRE, A. e ELEB, M. (1999) Op. Cit.; e BOUDRIOT, Pierre-Denis; in Histoire, économie et société; 1985, 4e année, n°1; pp. 29-41. 15 BOUDRIOT, Pierre-Denis; in Histoire, économie et société; 1985, 4e année, n°1; p. 30..

(32) 32 | Arquitetura Residencial Parisiense. 2. 3. 1. Fig. 21 Paris. 1383. Note-se a localização da fortaleza do Louvre (1) ‘entre-muros’, a Bastille (2) e a muralha de Charles V (3). Sem escala. Por JeanBaptiste Bourguignon d’ Anville..

(33) ParisMedieval Medieval| 33 |7 Paris. vizinhas, não seria certamente alheio ao contexto arquitetónico que se vivia nesse período, no qual o seu domínio era cada vez mais avançado.. 2.2 AS RESIDÊNCIAS REAIS: novas necessidades de habitar e de receber É em meados do séc. XIV, com o crescimento da cidade para fora dos limites da muralha de Philippe Auguste, que o Louvre vê perder os seus propósitos iniciais de fortificação defensiva e é transformado em palácio real. “Tratar-se-ia de um típico castelo feudal, não fora a imagem emergente do interior do recinto que dobrava em altura a dimensão dos muros exteriores. Pela profusão de janelas subindo nas fachadas e torreões desse corpo principal até aos inclinados telhados negros recobertos de uma profusão de chaminés e agulhas de remate, somos colocados perante a ideia de uma enorme residência, vulgo palácio [...]”16. Isso acontece com o término da construção da muralha de Charles V (13381380) que incorporava a nova fortificação da Bastille (1370-completada provavelmente no reinado de Charles VI) que resultou do reforço das torres defensivas da porta de Saint-Antoine, localizada a Norte do rio e a Nascente da cidade. A nova estrutura defensiva [fig.21], resultante da resposta à crescente ameaça inglesa na sequência das campanhas da Guerra dos Cem Anos (1337-1453), passou a englobar o Louvre dentro dos seus limites. Em 1364, Charles V responsabiliza o arquiteto Raymond du Temple (?-c. 1404) de o transformar numa das suas residências parisienses da qual não mais restam do que descrições textuais hipotéticas e alguns registos gráficos [fig.22]. A grande vis17, escada em espiral aberta que servia os novos aposentos reais dispostos à volta do pátio, era o elemento mais inovador do novo conjunto construído e de todos o que mais informação reúne. Já se havia visto na 16 TAVARES, Domingos; Philibert Delorme: profissão de arquitecto; Dafne Editora; 2004; p. 15. 17 “Le grand escalier, ou plutôt la grande vis du Louvre (pusqu’en cet temp-là le nom d’ escalier n’estait pas connu) [...]” - SAUVAL, Henri; Histoire et recherches des antiquités de la ville de Paris; Paris, Charles Moette & Jacques Chardon: 1724; Tomo II; p. 23; Apud VIOLLET-LE-DUC, Eugène; Dictionnaire raisonné de l’architecture française du XIe au XVIe siècle; Paris: ed. 1858-1868; Tomo V, p. 300..

(34) 34 | Arquitetura Residencial Parisiense. Fig. 22 Louvre, Les très riches heures du Duc de Berry, séc. XV.. Fig. 23 Perron du Palais de la Cité, no séc. XIV. Por Viollet-le-Duc.. 0m Fig. 24 L’ escalier romain plus ordinaire. Por Viollet-le-Duc. Sem escala. 5. Fig. 25 Reconstituição hipotética da escada do Louvre. Por Viollet-le-Duc..

(35) ParisMedieval Medieval| 35 |8 Paris. cidade uma escadaria exterior (perron 18 ) de aparato no Palais de la Cité (residência da corte entre o séc. X e o séc. XIV) que dava acesso a uma sala que participava da vida urbana [fig.23], no sentido em que possibilitava o acesso ao corpo que fazia a ligação entre a Saint-Chapelle e a Sala Grande19 do palácio onde se administrava a justiça real do alto da sua posição - esse tipo de escada, ou escadaria, exterior que ligava a uma sala administrativa era comum nos châteaux medievais. Talvez o arquiteto, ou o rei, tivesse em mente essa escadaria quando desenhou aquela peça visível do exterior que servia os novos edifícios verticalmente, mas a “[...] idée de faire de la modeste vis qui taraudait les édifices anciens un motif d’ostentation était nouvelle. Jusqu’alors, l’escalier seigneurial était le grand degré extérieur montante du sol de la cour au plain-pied du premier étage”20. De facto, se a escada em espiral remonta ao tempo dos romanos e o seu uso se tornou comum nos tempos medievais, como refere Viollet-le-Duc (1814-1879), ainda de acordo com os seus escritos, os romanos utilizavam a escada não mais do que como um elemento que realizava a comunicação vertical entre pisos, guardando as disposições monumentais para os degrès extérieurs21. A escada interior mais comum, seria a de dois lanços paralelos e um patamar intermédio [fig.24]. Assim, a escada em espiral com contrafortes do Louvre não era uma novidade como peça ou elemento em si, mas sim pelo modo como foi disposta. Um pouco destacada no corpo Norte [fig.25], estava inserida numa galeria sobreposta a uma arcada, realizadas por arcos apontados que descarregavam em pilares retangulares e cuja cobertura era em abóbadas de. 18 Perron - sobreposição de plataformas horizontais (degraus) que constituem uma escadaria exterior; Violletle-Duc distingue o termo perron de escadas exteriores (em rampa), mas apenas no que se refere à sua forma, dado que tinham a mesma função, possibilitando o acesso (público e visível) às ‘salas principais’ dos châteaux e palácios, onde ocorriam as grandes assembleias na Idade Média; VIOLLET-LE-DUC, Eugène, Op. cit., tomo V (escalier), tomo VII (perron) e tomo VIII (salle). 19 Viollet-le-Duc refere-se a essa peça como “grand’salle” - VIOLLET-LE-DUC, Eugène, (ed. 1858-1868) Op. cit.; Tomo VII; p. 118. 20 MONTCLOS, J. P. Pérouse de; Histoire de l’Architecture Française: de la Renaissance à la Revolution; Paris: Mengés; 1989; p. 20. 21 Traduza-se ‘degraus exteriores’..

(36) 36 | Arquitetura Residencial Parisiense. 13 14 12’ 15. Fig. 26 Perfil hipotético do Louvre. Perfil longitudinal da figura 25, mas respeitando apenas a galeria e a ligação ao donjon. Por Viollet-le-Duc.. 4 5 6. 3. 2. 8. 7. 9 12 3 2. 6. 10. 5. 11 1’ 1 0m. Fig. 28 Axonometria hipotética do Louvre. Por Viollet-le-Duc.. 50. 1. 1. Fig. 27 Reconstituição do Louvre. Piso X (em cima); Piso X + 1 (em baixo). Por Viollet-le-Duc. Legenda: 1 appartement d’honneur; 1’ salle de parade; 2 antecâmara; 3 câmara de dormir; 4 oratório; 5 gabinete; 6 sala de banho; 7 chambre des comptes; 8 capela; 9 salle des joyaux; 10 segunda salle de parade; 11 sala grande; 12 capela alta; 12’ capela baixa, 13 peças dos aposentos da rainha (eventualmente semelhantes às do rei); 14 vestíbulo da sala de guardas; 15 fonte..

(37) ParisMedieval Medieval| 37 |9 Paris. cruzaria quadripartida, permitindo a ligação ao primeiro piso do donjon22 [fig.26]. Mas o seu propósito principal era o acesso ao appartement d’honneur com salle de parade do primeiro piso do corpo Norte [fig.27]. Do lado contrário, no mesmo piso, localizavam-se os aposentos do rei, com o seu chambre à coucher (câmara de dormir) precedido de antecâmara, oratoire (oratório) privado, cabinet (gabinete) e salle de bain (sala de banho), justapostos à grande câmara destinada à administração financeira (chambre des comptes). No extremo oposto do mesmo corpo, ficava a salle des joyaux (sala das jóias ou tesouros), próxima da salle des gardes (sala dos guardas localizada em baixo). Contudo, os aposentos reais espalhavam-se um pouco por todo o palácio fortificado [fig.28]. O rei tinha também aposentos no corpo nascente, entre a chapelle haute (capela alta) - com chapelle basse (capela baixa) no piso inferior - e a salle de parade, constituídos por antecâmara, câmara de dormir, oratório, sala de banho e gabinete; a rainha tinha os seus aposentos no piso inferior dos aposentos do rei, a Norte [fig.27]. Sabe-se ainda, através da informação que Viollet-le-Duc nos faz chegar a partir das reconstituições hipotéticas de le comte de Clarac23 (1777-1847), que existiria ainda uma fonte no pátio, perto do jardim criado a Norte. Quanto à faustosa decoração interior, resta imaginar, com o auxílio dos dados disponíveis24, como seria esta residência real que, “[...] au milleu du XIVe siècle, amène la multiplication de nouvelles résidences aristocratiques”25.. 22 Segundo VIOLLET-LE-DUC, Eugène, (ed. 1858-1868) Op. cit.; Tomo V; p. 34 a 95, o donjon era essencialmente feudal, distinguindo-se do castellum romano e das torres por ser independente dos muros fortificados do perímetro. A estrutura que comandava todas as defesas dos châteaux feudais, mantinha uma distribuição idêntica em todos os pisos, tendo evoluído para uma estrutura cilíndrica em meados do séc. XII. Em tempo de paz, as suas peças eram utilizadas para armazenar tesouros, arsenal e arquivos. 23 VIOLLET-LE-DUC, Eugène, (ed. 1858-1868) Op. cit.; Tomo V, p. 300 - mostra um plano do Louvre de Charles V produzido a partir da obra Musée de sculpture antique et moderne ou Description historique et graphique du Louvre et de toutes ses parties par le comte de Clarac; Paris; 1826-1841; 6 Vol. 24 Nomeadamente as iluminuras do séc. XIV das Grandes Chroniques de France e das très riches heures du duc de Berry. 25 GADY, Alexandre; Les Hôtels Particuliers de Paris: du Moyen-Age à la Belle Époque; Paris: Parigramme; 2011; p. 26..

(38) 38 | Arquitetura Residencial Parisiense. 10. 3. 4. 2. 1. 5. 9. 8. 7. 6. Fig. 29 Planta do château de Vincennes. Data não identificada. Por J. A. du Cerceau. Legenda: Torre da rainha; 2 Torre Bois; 3 Torre do rei; 4 Torre de Paris; 5 Torre da Cidade; 6 Torre Réservoir des Fontaines; 7 Torre do Diabo; 8 Torre do Governador; 9 Torre da Surintendance; 10 donjon. Sem escala.. Fig. 30 Axonometria do château de Vincennes. Data não identificada. Por J. A. du Cerceau.. Fig. 31 Château de Vincennes. Estado atual..

(39) Paris Medieval Medieval || 10 Paris 39. Independentemente de novas premissas do habitar se terem ou não estabelecido com ‘este’ Louvre, mais concretamente aquelas que dizem respeito às residências aristocráticas, as quais, de maneira geral, são a fonte principal para se perceber a vanguarda, o certo é que o tomaremos como ponto de partida para percorrer as residências que se estabelecem em Paris (e não só), paralelamente e mais tarde, dado que a sua transformação em residência, consequência das novas necessidades residenciais da coroa, revela-nos o ‘como’ se habitava. O château de Vincennes (a reconstrução e aumento a partir de c.1360) é um desses exemplos. O “[...] pavillon de chasse, devenu grâce à Philippe Auguste une forteresse, s´était transformé au XIII siècle en résidence royale”26. Apesar de retornar “[...] à un type ancien de château tombe en désuétude au début du XIIIe siècle, il répond en même temps à tous les besoins de la famille royale”27. É compreensível que esse retorno a formas anteriores mais fortificadas se tenha devido ao facto de este se localizar a cerca de 5km a nascente da Bastille, mas o retorno às formas quadradas das nove torres da sua muralha, mandada construir por Charles V, tinham um “contenu symbolique [...]. [...] les tours de la fortification moderne étaient rondes, et les antiques donjons carrés de l’époque romane remontaient sans doute au roi Arthur. L’archaisme de Vincennes a valeur de citation des récits légendaires”28. Se é evidente que as preocupações defensivas ainda persistiam, as necessidades residenciais progrediam, pois todas as nove torres continham aposentos reais em cada um dos seus pisos, assim como o donjon de 52m de altura [fig.29-30]. Mais impressionante do que a sua altura e do que a marcação horizontal dos estratos por meio de um friso saliente [fig.31], são as câmaras interiores - ainda hoje acessíveis -, 26 ERLANDE-BRANDENBURG, A. e MÉREL-BRANDENBURG, A.; Histoire de l´architecture française: du Moyen Âge à la Renaissance: IVe siécle début XVIe siécle; Paris: Mengés; 1995; p. 387. 27 ALBRECHT, U., Le petit château en France et dans l’Europe du Nord aux XVe et XVIe siècles in Architecture et vie sociale: l'organisation intérieure des grandes demeures a la fin du moyen âge et a la renaissance / actes du colloque; études réunis par Jean Guillaume; Paris: Picard; 1994; p. 193. 28 MONTCLOS, J. P. Pérouse de; Histoire de l’Architecture Française: de la Renaissance à la Revolution; Paris: Mengés; 1989; p. 21..

(40) 40 | Arquitetura Residencial Parisiense. Fig. 32 Château de Vincennes, câmara de dormir do rei. Estado atual.. Fig. 33 Château de Vincennes. Alçado e perfis. Sem escala..

(41) Paris Medieval Medieval || 11 Paris 41. nomeadamente as salas altas (salle haute - neste caso o termo é apropriado tanto para a cota de soleira como para o pé-direito), com abóbadas de cruzaria que descarregam num pilar central, com delgados colunelos prismáticos, e em mísulas nas espessas paredes [fig.32]. Em termos distributivos, como era normal neste tipo de estruturas, a distribuição das peças 29 nos cinco pisos principais não variava em altura (isso acontecia apenas na função de cada uma) [fig.33]: no piso térreo, ficava a cozinha - nos donjons. fortificados. era. comum. este. piso. ficar. reservado. para. o. armazenamento, nomeadamente do arsenal de defesa, o que demonstra a sua adaptação à função residencial -; no primeiro piso, ficava a sala de aparato, gabinete, guarda-roupa e a sala de guarda; o segundo piso era ocupado pelos aposentos do rei que contava com o mesmo número de dependências, uma delas o oratório; os aposentos da família real ficavam no piso. imediatamente. superior;. nos. pisos. superiores. poder-se-iam. desempenhar funções semelhantes àquelas do chambre-haute (quarto alto), peça que evoluiria mais tarde para o gabinete ou sala privada dos senhores nas residências. Através do corte, percebe-se ainda que existem duas escadas em espiral, cuja colocação e largura evidenciam propósitos distintos. Uma, mais larga, permitia o acesso desde o piso térreo até aos aposentos do rei e a uma peça, certamente privada, colocada a meio piso. Outra aparenta ser mais adequada para percursos mais reservados, privados ou de serviço, e/ou defensivas, dado que percorre toda altura e é mais estreita. A primeira, uma vez que liga o térreo às peças de recepção, fazia parte do percurso de aparato, embora sem a ostentação vista no Louvre. De qualquer modo, embora este percurso se iniciasse ao mesmo nível da cozinha, é provável que esta não fosse visível no momento da entrada.. 29 De acordo com o dossier Le château de Vincennes do Centre des Monuments Nationaux http://www.monuments-nationaux.fr; 2013..

(42) 42 | Arquitetura Residencial Parisiense. 1. Fig. 34 Paris. C. 1600. Por Claude Chastillon. Legenda: 1 Place de Grève; 2 Bastille.. 2.

(43) Paris Medieval Medieval || 12 Paris 43. Se as residências ‘deste’ Louvre e ‘deste’ château de Vincennes são, portanto, derivações de superestruturas defensivas, o hôtel 30 Saint-Pol (1361-1380), construído num vasto terreno perto dos jardins dos abades de Sens na margem direita do rio Sena, entre Grève e a Bastille [fig.34], beneficiou da proteção da muralha do séc. XIV e da localização fora da muralha de Philippe Auguste, onde se situava o núcleo urbano mais denso e caótico, para se tornar numa residência com, segundo o próprio Charles V, um “[...] climat convenait mieux à sa santé, sa vie familiale et plus intime”31. Ainda que a nova residência mantivesse também funções administrativas, para as quais o Louvre parecia mais talhado com as suas peças de aparato, a sua vocação aproximava-se mais de um refúgio dentro da própria cidade. Embora não existam desenhos para o comprovar, existem documentos escritos que auxiliam nessa tarefa32. No terreno que viria ser loteado no séc. XVI, foram construídos vários corpos ligados por meio de galerias, ao piso térreo e ao primeiro piso, sustentadas por uma estrutura que não se sabe se era de pilares, tal como no do Louvre, ou se de colunas, num gesto mais clássico, chegando a atingir os 160m de comprimento. No entanto, como ainda se estava a cerca de cem anos dos tratados do Quattrocento, como por exemplo, o de Leon Battista 30 Importa tomar uma nota para se entender o termo hôtel. Embora este esteja associado ao termo ostel ou hostel que viria a dar origem ao conhecido termo hôtel, o seu uso está ligado a edifícios de carácter público, remontando ao hôtel de Dieu (séc. VIII) ou ao hôtel de Ville (séc. XVI - antes Maison des Piliers). No entanto, a sua conotação na Idade Média é também aos palácios e às casas aristocráticas, ligadas ao rei, à nobreza e ao clero, começando a abranger casas particulares de ricos burgueses no séc. XVII, disseminando-se assim o seu emprego numa evolução do termo - hôtel particulier. Mas melhor do que esta explicação, fica uma citação de Viollet-le-Duc (ed. 1858-1868; Op. Cit. Tomo VI; p. 88): “On donnait le nom d’hôtel aux habitations qui, dans les villes, appartenaient à des seigneurs ou à de riches particuliers, mais qui n’avaient point le caractère d’un château, c’est-à-dire qui ne possédaient point de droits féodaux. La résidence des souverains dans Paris, s’appelait le palais. Le Louvre, bâti hors les murs, était un château. On désignait les autres résidences souveraines établies dans Paris, mais qui n’avaient point un caractère féodal, non plus sous le nom de palais, mais sous celui d’hôtel. On disait l’hôtel Saint-Pol, l’hôtel des Tournelles. On dissait aussi l’hôtel Cluny, l’hôtel de Sens, l’hôtel de Bourbon, l’hôtel de Nevers, l’hôtel de la Trémoille [ou melhor, hôtel Legendre]. A Bourges, l’habitation de Jacques Cœur est un véritable hôtel”. 31 ERLANDE-BRANDENBURG, A. e MÉREL-BRANDENBURG, A.; Histoire de l´architecture française: du Moyen Âge à la Renaissance: IVe siécle début XVIe siécle; Paris: Mengés; 1995; p. 389. 32 ROSENFELD, Myra, La distribution des palais et des hôtels à Paris du XIVe au XVIe siècle in Architecture et vie sociale: l'organisation intérieure des grandes demeures a la fin du moyen âge et a la renaissance / actes du colloque; études réunis par Jean Guillaume; Paris: Picard; 1994 ; p. 208 - refere dois documentos fundamentais: “Un inventaire de 1463 et une description d’Henri Sauval d’après des documents de la Chambre des Comptes [...]”..

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(45) Paris Medieval Medieval || 13 Paris 45. Alberti (De re aedificatoria - ed. 1483) ou o de Francesco di Giorgio Martini (Trattato di architettura, ingegneria e arte militare - 1482), e até das incursões francesas pelo território italiano nos reinados de Charles VIII (1470-1498), Louis XII (1498-1515) e François I (1515-1547), era provável que o Gótico se manifestasse de igual forma. Não menos importante, era a distribuição das peças nos corpos e galerias que se prolongavam por pátios, jardins e fontes, e a forma como se relacionavam entre si e com a igreja pré-existente, da qual resulta o nome deste hôtel. Os jardins, acessíveis aos aposentos destinados ao rei, à rainha e aos respetivos descendentes, podem ser descritos através do “fameux traité sur de Pierre de Crescent sur l’agriculture, en 1305, [...] traduit en français en 1373, par ordre royal. Un jardin plan, de forme carrée et clos de murs garnis d’espaliers, y est décrit. Les allées rectilignes sont couvertes de pergolas. On y trouve les espèces végétales, réparties suivantes des principes ordonnés: arbres exotiques, plantes odoriférantes, arbres fruitiers, arbres toujours verts... Animaux sauvages, poissons, oiseaux... Fontaines et piscine”33. Os aposentos estavam divididos em duas partes principais, isto é, em dois corpos independentes. Os do rei, eram compostos por uma sala baixa e uma alta, uma câmara de dormir com respetiva antecâmara, guarda-roupa, dois gabinetes, câmara de parada, câmara do rei, capela baixa e alta, chambre du retrait (câmara íntima), chambre du petit retrait, galeria, uma biblioteca e uma sala de banhos com respetiva câmara de fornos - a complementaridade entre peças altas e baixas, indica a existência de pelos menos dois pisos. Os da rainha, revelavam igualmente a mesma especificidade de peças de conforto, com a sua grande câmara de dormir e antecâmara, guarda-roupa, dois gabinetes, uma grande galeria e a sala de Theseus. Sabe-se ainda, que a rainha tinha o seu próprio oratório privado na igreja, ao qual acedia por. 33 ERLANDE-BRANDENBURG, A. e MÉREL-BRANDENBURG, A.; Histoire de l´architecture française: du Moyen Âge à la Renaissance: IVe siécle début XVIe siécle; Paris: Mengés; 1995; p. 394 - referem-se ao Liber ruralium commodorum escrito no principio do séc. XIV pelo bolonhês Pietro de Crescenzi (c. 1230-c.1320)..

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(47) Paris Medieval Medieval || 14 Paris 47. meio de uma galeria que fazia a ligação com o corpo dos seus aposentos. Era por isso provável que o mesmo acontecesse com os aposentos do rei. Em ambos, as manifestações decorativas revelavam-se nas paredes pintadas com murais, revestidas com lambris de madeira. Quanto. corpo. de. recepção. e. de. função. administrativa,. também. independente, era formado por duas peças, a grande câmara do Conselho, com 18m por 8m, e uma sala grande. Sobre a articulação entre este corpo e os aposentos privados, pouco se sabe, assim como sobre a existência ou não de dispositivos de aparato no cour d’honneur (pátio de honra ou aparato). No entanto, sabe-se que as peças sociais e de aparato estavam separadas da vida íntima e privada, promovendo desta forma o conforto nas peças habitáveis. Assim, diferentemente das fortificações, sobretudo dos altos donjons, verifica-se em Saint-Pol uma divisão horizontal entre as peças sociais e privadas. O conceito de corpo, ou corps de logis, aqui experimentado de raiz e ensaiado na adaptação do Louvre, traz consigo uma nova preocupação distributiva, ou seja, a necessidade de articular horizontalmente. Não que essa preocupação seja objetivamente nova, mas adaptação das estruturas defensivas que estavam a ser preteridas por novos paradigmas do habitar (conforme as circunstâncias já referidas), nomeadamente no que se refere ao conforto e etiqueta, de facto trouxe consigo uma tendência mais horizontal. E essa mudança, que se iria prolongar, não seria vazia de sentido ou de propósito, dado que à medida que as preocupações defensivas deixavam de estar na primeira linha das preocupações no campo do habitar, a distribuição horizontal, acrescentada à vertical, com os seus pátios, escadas e galerias, responderia mais eficazmente às novas demandas da habitação. Se nuns casos, se iria assistir a novas construções tendo como referência o plano de corps de logis, galerias, sem donjon ou muros fortemente fortificados do hôtel Saint-Pol, noutros iria ocorrer uma adaptação distributiva interior de estruturas pré-existentes, quer literalmente, quer naquela que foi decorrente.

(48) 48 | Arquitetura Residencial Parisiense. Fig. 35 Paris. Planta atual. Situação do hôtel de Soubise e do portal do hôtel de Clisson. Sem escala..

(49) Paris Medieval Medieval || 15 Paris 49. do uso de formas mais familiares que ‘habitavam’ a imagética mental dos seus proprietários.. 2.3 RESIDÊNCIAS SENHORIAIS: do donjon ao corps de logis; distribuição e articulação As novas noções introduzidas pela iniciativa real foram acompanhadas pelos grandes senhores aristocratas (nobreza, clero e burguesia), pois era “ [...] de bon ton de moderniser les anciennes forteresses, d’adapter leur décor au goût nouveau, et parfois, de construire à neuf [...]”34. E essa evolução, naturalmente, aconteceu não só em Paris, como um pouco por toda a França. Concentremo-nos por enquanto na cidade. O hôtel de Clisson (1371-1407), construído por Olivier de Clisson (1336-1407) num terreno próximo (a poente) do hôtel Saint-Pol, tinha as suas peças distribuídas em três corpos que envolviam um jardim, de acordo com um inventário que data de 150435. Se Saint-Pol foi uma referência, os corpos estariam dispostos ortogonalmente, algo também possibilitado pelo vasto terreno. No corpo Oeste, o da entrada, erguia-se uma torre com uma escada em espiral, provavelmente numa posição mais ou menos destacada, caso seguisse o exemplo do Louvre. Ao corpo principal, a Este, com sala grande e capela no piso térreo, câmara de dormir e sala pequena no primeiro piso, e com um jardim adjacente, acedia-se por meio de uma galeria situada a Norte. A Sul, encontravam-se os estábulos e a casa do jardineiro. Mesmo sem desenhos não é difícil imaginar como seria esplendorosa a chegada ao pátio desta residência após a entrada no portal que ainda hoje. 34 ERLANDE-BRANDENBURG, A. e MÉREL-BRANDENBURG, A.; Histoire de l´architecture française: du Moyen Âge à la Renaissance: IVe siécle début XVIe siécle; Paris: Mengés; 1995; p. 390. 35 ROSENFELD, Myra, La distribution des palais et des hôtels à Paris du XIVe au XVIe siècle in Architecture et vie sociale: l'organisation intérieure des grandes demeures a la fin du moyen âge et a la renaissance / actes du colloque; études réunis par Jean Guillaume; Paris: Picard; 1994 ; p. 211 - recorre a esse inventário (Archives nationales) para enumerar algumas peças do hôtel de Clisson..

(50) 50 | Arquitetura Residencial Parisiense. Fig. 36 O portal do hôtel de Clisson incorporado no hôtel de Soubise. 2013. Fig. 37 O portal do hôtel de Clisson. 2013..

(51) Paris Medieval Medieval || 16 Paris 51. persiste na rue des archives [fig.35-36] depois da demolição do séc. XVIII para dar lugar ao hôtel de Soubise (1704-1707), projeto do arquiteto Pierre-Alexis Delamair (c.1675-1745). Entrando sob a vigilância dos torreões36, um cenário de aparato (note-se a marcação do estatuto social através do escudo e do brasão) [fig.37], chegava-se ao pátio, peça que desempenhava um papel fundamental em termos distributivos. Nele chegava o senhor da casa, onde via o seu cavalo retirado para os estábulos, podendo recolher diretamente aos seus aposentos no primeiro piso através da galeria voltada ao Sol de Sul. Nele chegavam também os seus convidados, que acediam depois à sala grande (de aparato), gozando também das vistas sobre do jardim. Não se sabendo mais pormenores sobre as outras peças, nomeadamente as de serviço, pode-se verificar como a escada e a galeria funcionavam como elementos de articulação das áreas privadas e de aparato, e como o pátio as acompanhava nesse fulcral papel. O hôtel de Bourbon (1390-1413), ou Petit-Bourbon, construído num terreno a nascente do Louvre [fig.38] para a Casa dos duques de Bourbon, é outra das residências urbanas que se seguiram tendo em conta a trajetória que se está aqui a descrever. Por isso mesmo, este hôtel (quase completamente demolido em 1664) era constituído por vários corpos, galerias e pátios, com claro destaque para as grandes salas de aparato [fig.39] e a capela de Bourbon, onde ocorriam grandes reuniões. Não se sabe ao certo o número exato, ou a. 36 Tourelle (torreão), segundo VIOLLET-LE-DUC, Eugène (ed. 1858-1868) Op. Cit. Tomo IX, p. 189: “Diminutif de tour, petite tour, ou plutôt tour d’un petit diamètre. Les manoirs ne pouvaient être munis de tours, mais de tourelles seulement. On donnait aussi le nom de tournelles à de véritables tours flanquant des courtines, mais dont l’étroite circonférence ne pouvait contenir qu’un très-petit nombre de défenseurs; sortes de guérites ou d’échauguettes. Les portes, les châtelets, n’étaient souvent munis que de tournelles. Aujourd’hui, on désigne habituellement par le mot tourelles les ouvrages cylindriques, ou à pans, portés en encorbellement. Ces tourelles s’élevaient, soit sur un cul-delampe, soit sur un contre-fort ; elles donnaient un flanquement peu étendu et des vues sur les dehors d’une habitation, d’une porte ou d’une courtine. On ne commence guère à les employer que pendant le XIIe siècle ; les XIIIe, XIVe, XVe et XVI siècles même en font un grand usage, et certaines habitations du XVII siècle en possèdent encore. La tourelle est fermée et ne communique avec les logis ou chemins de ronde que par une porte. Elle forme ainsi intérieurement une petit pièce circulaire, un cabinet, une guérite, et est couverte le plus souvent par un cône de pierre ou de charpente, plomb et ardoise. Souvent les tourelles contiennent un escalier à vis pour communiquer d’un premier étage aux parties supérieurs de l’édifice”..

(52) 52 | Arquitetura Residencial Parisiense. Fig. 38 Paris. C. 1552. Posição do hôtel de Bourbon. Por J. A. du Cerceau.. Fig. 39 La salle du Petit-Bourbon... 1614. Por anónimo.. Fig. 40 Hôtel de Bourbon. 1390-1413..

(53) Paris Medieval Medieval || 17 Paris 53. disposição, das peças de aparato. O mesmo se passa com as restantes peças37. No entanto, há indicações da existência de um corpo perpendicular (não se pode afirmar com certeza que seria uma galeria), com pelos menos uma arcada no piso térreo, que fazia a ligação entre um corpo paralelo ao rio Sena e à referida capela [fig.40]. Existiriam também, no primeiro piso do corpo paralelo ao rio, a galeria dourada e uma câmara, que se crê serem as grandes peças de recepção das grandes festas e banquetes. Além das peças com vocação administrativa e social, grande importância foi também atribuída às peças privadas. Num pavillon38 (pavilhão) no canto de dois corpos, encontravam-se duas câmaras de dormir (interligadas - uma para o duque e outra para a duquesa), guarda-roupa, oratório, capela, câmara alta e baixa, que se articulavam com uma sala de aparato no piso inferior. O que significa que no próprio corpo privado, ou melhor, pavilhão, continuava presente a necessidade de articulação entre peças de aparato e peças privadas. Além disso, as peças de aparato também seguiam uma hierarquia, dado que havia aquelas que desempenhavam de facto funções oficiais de recepção e reunião, e aquelas cujo o carácter era mais privado. Quanto à entrada e ao papel desempenhado pelo pátio na organização da residência, não nos podemos alongar muito. De acordo com registos gráficos, verifica-se a presença de um portal e de um pátio murado a poente, mas nada sabemos sobre a sua articulação. Contudo, a presença de pequenos pátios a nascente, onde estavam localizadas as peças de serviço, tais como a cozinha e os estábulos, significa que o pátio era uma peça à qual se recorria para distribuir e articular todas as outras. 37 ROSENFELD, Myra, La distribution des palais et des hôtels à Paris du XIVe au XVIe siècle in Architecture et vie sociale: l'organisation intérieure des grandes demeures a la fin du moyen âge et a la renaissance / actes du colloque; études réunis par Jean Guillaume; Paris: Picard; 1994 ; p. 208 - refere vários documentos de referência, entre os quais destacamos um inventário de 1457 de P. Daignet (Archives nationales) que enumera 42 peças com funções específicas. 38 Vários autores, como J. Babelon, H. Ballon, A. Blunt, J. Pérouse de Montclos, A. Sutcliffe, D. Thomson, entre outros da bibliografia consultada, usam o termo para definir as estruturas quadrangulares de dois ou três pisos, normalmente encimadas por uma cobertura de ardósia bastante inclinada, geralmente de quatro águas. Esta estrutura parece ser uma derivação das torres defensivas quadrangulares localizadas nos ângulos exteriores dos châteaux, adaptadas à nova condição residencial..

(54) 54 | Arquitetura Residencial Parisiense. Fig. 41 Louvre sous Louis XIII. 1522. Note-se o hôtel de Bourbon à direita. Por anónimo.. Fig. 42 Parte do retábulo do Parlamento de Paris. C. 1450. Note-se o hôtel de Bourbon à direita. Por anónimo..

(55) Paris Medieval Medieval || 18 Paris 55. Deste modo, a distribuição em diferentes corpos, galerias e pátios, promovia a setorização entre as peças sociais, privadas e de serviço. A ausência de estruturas defensivas como o donjon e a muralha, por substituição pelos torreões, que mais não faziam do que promover a defesa contra atos isolados da população e manter um certo aparato exterior [fig.41-42], eram um sinal da sucessiva sobreposição das necessidades de comodidade habitacionais peças de recepção, intimidade da família e do individuo e dependências de serviço - sobre as de fortificação. O que mostra também como eram, de certo modo, incompatíveis. Se transpusermos os limites de Paris podemos mesmo verificar como essas estruturas defensivas, se adaptaram às novas tendências residenciais que se estabeleceram no Louvre. Além disso, a evolução distributiva ocorreu num duplo sentido. Isto é, se por um lado as novas necessidades residenciais da coroa, e consequentemente da aristocracia que a circundava, resultaram numa mudança na distribuição, por outro, a sala grande que remonta aos châteaux medievais fortificados, que já havíamos referido, em conjunto com o donjon, formaria a essência da enfilade39 característica do corps de logis da residência senhorial rural e urbana. Já referimos como o donjon de Vincennes se adaptou às novas comodidades residenciais da coroa. Um conjunto de donjons, mais modestos, mostram como evoluiu a enfilade das peças de aparato e das peças privadas, como se articulavam, conjuntamente com as peças de serviço, do corps de logis senhorial. O donjon de Sarzay (c.1440), localizado a cerca de 300km a Sul de Paris, em Indre, foi construído pelos Barbançois, uma família de cavaleiros que participaram nas batalhas da Guerra dos Cem Anos. A estrutura não é mais do que um corpo retangular com quatro torres cilíndricas nos cantos, uma. 39 Enfilade - termo que se refere à disposição das peças interiores, de um corps de logis, em sequência e longitudinalmente, com apenas uma unidade (peça) de largura..

(56) 56 | Arquitetura Residencial Parisiense. Fig. 43 Château de Sarzay. Estado atual. Vista Noroeste. Note-se as chaminés.. 0m. 5. Fig. 45 Château de Sarzay. Planta do piso tipo. Escala 1.200.. Fig. 44 Château de Sarzay. Estado atual. Vista Nordeste. Note-se a torre da escada ao centro..

Referências

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