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URBANAS DO SÉC

5. O CLÁSSICO NA CIDADE

Além das grandes residências rurais construídas no Val de Loire, o séc. XVI foi talvez o século mais importante na democratização dos grandes desenvolvimentos habitacionais em Paris que, como vimos, vinham a acontecer desde o Louvre. A passagem de François I para Paris, traria consigo novas exigências para corresponder às necessidades residenciais aristocráticas [fig.134].

As primeiras grandes empreitadas urbanas, onde se começa a notar o gosto pelo novo modo, acontecem de um modo geral a partir da reconstrução da

Pont Notre Dame (1507-1513) [fig.135]. Pelo menos no que se refere ao uso de

uma certa regularidade e proporção das formas, ainda que se tratasse de uma repetição das casas medievais com telhados de duas águas conjugadas com alguns elementos do vocabulário clássico. Estas distribuíam-se em duas longas fileiras com terraço no tardoz [fig.136], numa das vias principais de Paris, que consistiam numa união horizontal de escala sem precedentes, com dois estratos e ático idênticos, destacando-se a longa arcada com arcos de volta perfeita, no primeiro estrato, e as altas janelas intercaladas com pilastras em forma de cariátides, no segundo estrato. Contudo, a opção tomada procurou dar mais respostas a necessidades construtivas e económicas, do que propriamente clássicas. A antiga ponte, já centenária, tinha colapsado e era necessário dar resposta às sessenta casas de madeira que lá existiam e que desapareceram com ela. Assim, a nova construção foi feita em pedra, respondendo às exigências construtivas da época, e de forma padronizada, respondendo aos custos.

Mas o exemplo mais imponente deste século, antes do novo Louvre, é o hôtel

de Ville, atribuído a Domenico da Cortona, o dito Boccador. A estrutura que se

ergueu na Place de Grève sobre a Maison des Pilliers, é em parte um reflexo daquilo que vimos nas obras rurais de grande escala patrocinadas por

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Fig. 138 Hôtel de Ville. 2013.

François I. Pouco se sabe sobre a data da sua construção, mas dada a

atribuição da autoria, cremos que ronde a década de trinta.

A fachada virada à praça que se conhece hoje [fig.138] não difere muito do seu estado inicial [fig.139], embora tenham sido acrescentados, posteriormente, dois corpos laterais ao corpo central original. Este apresenta uma arcada com frontões emoldurados por arcos em relevo ladeados por colunas coríntias com pedestal e entablamento projetados. Esta só poderia ser uma obra de um mestre das repúblicas italianas, muito embora a grande ordem apareça logo no primeiro estrato, contrariamente ao que tinha ‘ensinado’ de l’Orme no frontispício de Anet com a sequência das ordens dórica, jónica e coríntia. Por isso, esta era mais uma obra maneirista, que almejava ser um dos primeiros ícones arquitetónicos de Paris, do que propriamente do puro clássico antigo.

Por sua vez, o segundo estrato apresenta simulações de entablamentos, projetados, que suportam mísulas em voluta situadas na base de estátuas (ao invés de nichos escavados na pedra) sob baldaquinos com frontões circulares. A simetria axial deste corpo e ritmo regular seriam então perfeitos, não fosse a profusão de chaminés e lucarnas, numa atitude muito francesa, ao gosto dos châteaux de François I. Aliás, como eles, mantém também o plano e as formas volumétricas, onde não faltam os torreões, os pavilhões laterais e os telhados íngremes.

Mais tarde, já na década de quarenta, vemos uma aproximação da corte a Paris com a construção das novas residências em Fontainebleau, que se concretiza efetivamente com as novas residências do Louvre resultantes de novas exigências a que o château de Charles V já não conseguia dar resposta. Embora a reconstituição de algumas partes seja incerta, como aquela que nos chega a partir das ilustrações de du Cerceau, e os seus planos tenham sofrido avanços e recuos, nomeadamente com os vários planos que se conhecem do séc. XVI - o corpo Oeste e pavilhão central do rei, de Pierre

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Fig. 140 Desenhos da proposta de Serlio para o Louvre. Por S. Serlio (Plano - Avery LXII; Alçado -

Avery LXXII; Perfil - Avery LXXIIa). Os desenhos não estão à mesma escala. Sem escala.

O Clássico na Cidade |3

Lescot (c.1510-1578), Jean de Goujon (c.1510-c.1572) e do sucessor Jean Baptiste Androuet du Cerceau (c.1544-1590); a residência das Tuileries para Catherine de Médicis (1519-1589), viúva de Henri II (1519-1559), de Philibert de l’Orme; a Petite Galerie que Charles IX (1550-1574) quis para ligar à Tuileries; e

a Galerie du Bord de l’Eau sob Henri IV (1553-1610) -, as intervenções sucederam-se tão longe quanto ao reinado de Louis XIV (1638-1715) que acaba por se mudar para Versailles.

Antes de todos eles, Serlio vê uma proposta sua ser recusada em 1546 no mesmo ano em que François I nomeia Lescot como arquiteto do Louvre. Talvez porque o seu plano [fig.140] “[...] in its massive scale took none of the

topographical conditions of the western end of the city into account, and would have required drastic clearances in a populous quarter [...]”. Independentemente

disso, nota-se a tentativa de Serlio que assenta sobre uma ideia de todo, conferindo uma unidade a todo o conjunto, de princípio a fim, num reflexo daquilo que terá lido de Alberti - “será, pues, de tal modo que de sus miembros

nada se desee más de lo que hay y nada de lo que hay en parte alguna sea desaprobado”83 - e, certamente, do seu hábito em realizar planos ideais sem

limitações topográficas.

A sucessão de pátios, quadrangulares, octogonais e circulares surge não só para cumprir a fundamental função de cour d’honneur, como também por uma necessidade de conforto e salubridade das imensas peças dispostas em

enfilade. Não faltam também os pórticos, os jardins, fontes e a escadaria

exterior de aparato. Mas é na composição das fachadas que se vê o uso do modo próprio francês, que se vinha desenvolvendo. As altas lucarnas na cobertura inclinada, as altas janelas (características um pouco por toda a Europa do Norte, nomeadamente em Inglaterra), o uso moderado das ordens, a simetria da composição simples, mas não austera, são exemplo disso mesmo.

83 ALBERTI, Leon Battista Apud AMO, Joaquin Arnau; La Teoria de la Arquitectura en los tratados, vol. 2; Madrid, 1987-88; p.121.

Lescot (c.1510-1578), Jean de Goujon (c.1510-c.1572) e do sucessor Jean Baptiste Androuet du Cerceau (c.1544-1590); a residência das Tuileries para Catherine de Médicis (1519-1589), viúva de Henri II (1519-1559), de Philibert de l’Orme; a Petite Galerie que Charles IX (1550-1574) quis para ligar à Tuileries; e

a Galerie du Bord de l’Eau sob Henri IV (1553-1610) -, as intervenções sucederam-se tão longe quanto ao reinado de Louis XIV (1638-1715) que acaba por se mudar para Versailles.

Antes de todos eles, Serlio vê uma proposta sua ser recusada em 1546 no mesmo ano em que François I nomeia Lescot como arquiteto do Louvre. Talvez porque o seu plano [fig.140] “[...] in its massive scale took none of the

topographical conditions of the western end of the city into account, and would have required drastic clearances in a populous quarter [...]”. Independentemente

disso, nota-se a tentativa de Serlio que assenta sobre uma ideia de todo, conferindo uma unidade a todo o conjunto, de princípio a fim, num reflexo daquilo que terá lido de Alberti - “será, pues, de tal modo que de sus miembros

nada se desee más de lo que hay y nada de lo que hay en parte alguna sea desaprobado”83 - e, certamente, do seu hábito em realizar planos ideais sem

limitações topográficas.

A sucessão de pátios, quadrangulares, octogonais e circulares surge não só para cumprir a fundamental função de cour d’honneur, como também por uma necessidade de conforto e salubridade das imensas peças dispostas em

enfilade. Não faltam também os pórticos, os jardins, fontes e a escadaria

exterior de aparato. Mas é na composição das fachadas que se vê o uso do modo próprio francês, que se vinha desenvolvendo. As altas lucarnas na cobertura inclinada, as altas janelas (características um pouco por toda a Europa do Norte, nomeadamente em Inglaterra), o uso moderado das ordens, a simetria da composição simples, mas não austera, são exemplo disso mesmo.

83 ALBERTI, Leon Battista Apud AMO, Joaquin Arnau; La Teoria de la Arquitectura en los tratados, vol. 2; Madrid, 1987-88; p.121.

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

Jacques Androuet du Cerceau, Le Louvre, la tribune des musiciens, plume sur vélin, 513 x 746 mm (Londres, The British Museum, Prints and drawings, Inv. n° 1972, U.799). Le Louvre, la tribune des musiciens, détail de la planche ci-contre.

La tribune des musiciens (Le Premier Volume des Plus excellents bastimens de France, 1576), gravure. Apparaît ici la balustrade, qui est absente du dessin pour avoir été copiée sur un dessin de Lescot ne fixant encore sa forme. On observera aussi que l’interprétation des formes des cariatides est toute différente dans le dessin et dans la gravure.

Marché pour la sculpture des quatre cariatides de la salle de Bal du Louvre par Jean Goujon ; 5 septembre 1550 (Archives nationales, Minutier central des notaires de Paris, CXXII, 249).

Jehan Goujon, sculteur en pierre demourant à Paris, confesse avoir fait marché et convenant comme il dit avec noble homme maistre Pierre Lescot, seigneur de Claigny, constructeur de l’ediffice que le Roy fait ediffier de neuf en son chastel du Louvre à Paris, absent, de tailler quatre figures de femmes de pierre dure de Trossy de dix piedz de hault ou environ façon de termes, servans de collonnes pour servir à ung petit portique dedans la grant salle du bal dud. chastel du Louvre au bout d’embas de lad. salle, soubz lequel portique est l’une des entrées de lad. salle, led. portique servant par hault au dessus de lad. entrée à recepvoir et mectre les haulboys et joueurs d’instrumens, lesd. figures taillées de taille ronde selon et en enssuyvant ung modelle de plastre par cy devant faict et à luy livré par led. seigneur de Claigny, lesd. figures bien et deuement faictes au dit de gens en ce congnoissans, à la charge que lesd. pierres luy seront livrées, et ce moyennant la somme de quatre vingtz escuz soleil d’or pour chacune piece, le tout montant troys cens vingt escuz soleil qui luy sera payée par maistre Jehan Gelée, clerc et payeur des euvres du Roy ad ce commis, selon et au feur qu’il besongnera à la taille desd. quatre figures qu’il promect tailler en toute dilligence à luy possible sans discontinuer […]. Faict et passé l’an mil VC cinquante, le vendredi cinquiesme jour de septembre.



Jacques Androuet du Cerceau, Le Louvre, façade sur cour du corps neuf, plume sur vélin, 511 x 741 mm (Londres, The British Museum, Prints and drawings, Inv. n° 1972, U.793).

Les sept dessins d’architecture qui suivent sont parmi les plus beaux produits alors en Europe. Pour atteindre cette perfection, Du Cerceau a très vraisemblablement bénéficié du concours de Pierre Lescot, l’architecte du Louvre, et cela d’autant plus facilement que son fils, Baptiste, travaille (ou travaillera, ce qui atteste d’une intimité professionnelle particulière) comme dessinateur auprès du vieux maître.

Le Louvre est le chantier le plus prestigieux du milieu du siècle. La reconstruction de l’aile est du vieux château de Philippe Auguste (transformé partiellement en résidence de luxe par Charles V, et dont la cour fut dégagée de son donjon par François Ier) occupa

les années -. Le projet confié à Pierre Lescot fut modifié et enrichi trois fois à la demande du roi. Le chantier commença en , sur un projet qui place l’escalier au centre de l’aile, entre la salle au nord et la chambre au sud. Un nouveau projet fut adopté en juillet  – projet qui place l’escalier à l’extrémité nord afin que les salles du rez-de-chaussée et du premier étage puissent occuper toute la longueur du bâtiment, ce qui entraîna la démolition des deux extrémités du rez-de-chaussée de la façade sur cour, déjà montée jusqu’à la corniche : on supprima de chaque côté la quatrième arcade pour créer une travée rythmique, triomphale, sur le modèle de l’avant-corps central. Après , nouveaux changements : à l’extrémité sud, sur les restes de la vieille aile et de la tour d’angle, on éleva le pavillon du Roi pour y placer les appartements du roi et les organes du gouvernement ; l’aile nouvelle fut surélevée d’un étage carré qui sera enrichi d’un décor sculpté commandé à Jean Goujon et couverte d’un toit brisé – une nouveauté –, les terrassons étant dissimulés par la crête ornée.

Pour l’« album », Du Cerceau a réalisé sept dessins à la plume sur sept vélins. Pour la version imprimée, il réalisa sur neuf planches de cuivre neuf gravures à l’eau-forte, par lesquelles s’ouvre Le Premier Volume des Plus excellents bastimens de France (), enrichissant le dossier des plans du rez-de-chaussée et du premier étage, et des élévations extérieures. Une dixième gravure pour le plafond de la chambre du Roi, chef-d’œuvre du menuisier Francisque Scibec de Carpi, circula en feuille volante. Elle ne fut intégrée au dossier que dans l’édition de Destailleur (/, ).

Les dessins s’attachent aux élévations uniquement à l’exclusion du plan. Du Cerceau connaît pourtant ce document, nécessaire pour comprendre le parti distributif de l’aile et des appartements du roi, pour en apprécier le caractère nouveau et juger de la relation établie entre plan et élévation. En , il en publie la gravure. Il y figure avec soin le détail des deux premiers niveaux. On y reconnaît l’état achevé du projet modifié en deux étapes par Henri II : l’escalier occupant depuis  l’extrémité nord de l’aile ; la grande salle, dite aussi salle de Bal, presque doublée dans sa longueur par rapport au projet de , prolongée au sud par le tribunal face à la tribune des musiciens ; le pavillon rectangulaire à l’extrémité sud abritant la chambre du Roi. Y figure également la « Petite Galerie », le portique de treize arcades ouvertes, couvert en terrasse accessible depuis le pavillon du Roi par un passage enjambant le fossé, bâti en  pour fermer le jardin établi entre l’aile sud et la Seine.

Nonobstant l’absence du plan, qui l’affaiblit, le dossier dessiné est de très grande qualité. Pour rendre la beauté de l’œuvre et sa monumentalité, Du Cerceau mobilise