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RESIDÊNCIAS SENHORIAIS URBANAS DO SÉC XV: assentamento de uma inércia para os princípios clássicos vindouros

URBANAS DO SÉC

3. RESIDÊNCIAS SENHORIAIS URBANAS DO SÉC XV: assentamento de uma inércia para os princípios clássicos vindouros

Antes de retonarmos à cidade de Paris, importa abordar a verdadeira residência senhorial do séc. XV, ou o verdadeiro hôtel, como lhe chamou

Viollet-le-Duc, que pertenceu a Jacques Coeur. A síntese de todos os

princípios e de todas as peças e recursos que presenciámos, até ao momento, obrigam-nos a continuar fora de Paris.

A noção de corpos longitudinais independentes e das escadas salientes estava já perfeitamente adquirida na residência construída em Bourges pelo burguês em ascensão, entre 1443 e 1453, a cerca de 200km a Sul de Paris, justaposta a três torres da muralha da cidade, duas cilíndricas e uma quadrada. “Jacques Coeur, en utilisant les tours gallo-romaines des remparts,

n’avait peut-être pas été fâché de donner à son hôtel un aspect de domaine féodal, et c’est, en grande partie, la conservation de ces tours qui a nécessité les irrégularités

de ce plan”42. Já aqui foram abordados planos mais regulares, mas isso em

nada prejudicou a articulação das diferentes peças43.

Após a entrada por um dos dois portais de arcos apontados emoldurados por arcos conopiais com cogulhos [fig.52-53], um para a entrada a cavalo e outro pedonal, o pátio de honra e os dois pórticos organizavam a distribuição das peças [fig.54]. À esquerda, imediatamente após a entrada, podia-se aceder à capela situada logo em cima, no primeiro piso, sem entrar nas peças habitáveis da residência [fig.55]. Tal como na manoir de Vaux, o acesso à capela era de aparato, independente dos restantes corpos. No entanto, embora igualmente de aparato, dada a presença de um baldaquino decorado ao modo flamejante - com finos colunelos, arcos conopiais e relevos de

42 VIOLLET-LE-DUC, Eugène; Dictionnaire raisonné de l’architecture française du XIe au XVIe siècle; Paris: ed. 1858- 1868; Tomo VI; p. 280.

43 GAUCHERY, Robert; L’hôtel Jacques Coeur; Congrès archélogique; 1931; pp. 130-141; Apud ROSENFELD, Myra,

La distribution des palais et des hôtels à Paris du XIVe au XVIe siècle in Architecture et vie sociale: l'organisation intérieure des grandes demeures a la fin du moyen âge et a la renaissance / actes du colloque; études réunis par Jean Guillaume; Paris: Picard; 1994 ; p. 214.

3. RESIDÊNCIAS SENHORIAIS URBANAS DO SÉC. XV: assentamento de uma inércia para os princípios clássicos vindouros

Antes de retonarmos à cidade de Paris, importa abordar a verdadeira residência senhorial do séc. XV, ou o verdadeiro hôtel, como lhe chamou

Viollet-le-Duc, que pertenceu a Jacques Coeur. A síntese de todos os

princípios e de todas as peças e recursos que presenciámos, até ao momento, obrigam-nos a continuar fora de Paris.

A noção de corpos longitudinais independentes e das escadas salientes estava já perfeitamente adquirida na residência construída em Bourges pelo burguês em ascensão, entre 1443 e 1453, a cerca de 200km a Sul de Paris, justaposta a três torres da muralha da cidade, duas cilíndricas e uma quadrada. “Jacques Coeur, en utilisant les tours gallo-romaines des remparts,

n’avait peut-être pas été fâché de donner à son hôtel un aspect de domaine féodal, et c’est, en grande partie, la conservation de ces tours qui a nécessité les irrégularités

de ce plan”42. Já aqui foram abordados planos mais regulares, mas isso em

nada prejudicou a articulação das diferentes peças43.

Após a entrada por um dos dois portais de arcos apontados emoldurados por arcos conopiais com cogulhos [fig.52-53], um para a entrada a cavalo e outro pedonal, o pátio de honra e os dois pórticos organizavam a distribuição das peças [fig.54]. À esquerda, imediatamente após a entrada, podia-se aceder à capela situada logo em cima, no primeiro piso, sem entrar nas peças habitáveis da residência [fig.55]. Tal como na manoir de Vaux, o acesso à capela era de aparato, independente dos restantes corpos. No entanto, embora igualmente de aparato, dada a presença de um baldaquino decorado ao modo flamejante - com finos colunelos, arcos conopiais e relevos de

42 VIOLLET-LE-DUC, Eugène; Dictionnaire raisonné de l’architecture française du XIe au XVIe siècle; Paris: ed. 1858- 1868; Tomo VI; p. 280.

43 GAUCHERY, Robert; L’hôtel Jacques Coeur; Congrès archélogique; 1931; pp. 130-141; Apud ROSENFELD, Myra,

La distribution des palais et des hôtels à Paris du XIVe au XVIe siècle in Architecture et vie sociale: l'organisation intérieure des grandes demeures a la fin du moyen âge et a la renaissance / actes du colloque; études réunis par Jean Guillaume; Paris: Picard; 1994 ; p. 214.

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5 m 10

0m

Fig. 55 Hôtel Jacques Coeur. Piso 1. Por Viollet-le-Duc. Legenda: 1 sala de aparato; 2 capela ou oratório; 3 peças dos aposentos; 4 galeria; 5 peças dos aposentos (recepção); 6 sala; 7 câmara do tesouro; Escala 1.400

Fig. 57 Hôtel Jacques Coeur. Axonometria. Por Viollet-le-Duc. Note-se o claro destaque do corpo principal, articulado pelas torres de escada, e as arcadas que se estendem até ao corpo da entrada.

Fig. 56 Hôtel Jacques Coeur. Escada de acesso à capela. Note-se a decoração mais concentrada.

1 2 3 3 3 3 4 4 5 5 5 6 7

figuras humanas [fig. 56] -, o mesmo tinha aqui um carácter mais reservado, uma vez que também era acessível através da galeria do primeiro piso que ligava aos aposentos privados.

O grande aparato estava de facto reservado (no exterior) ao pátio e às arcadas no piso térreo. À esquerda, uma arcada permitia desafogar a vista para Sul, onde se abria um pátio murado com poço, e aceder às peças oficiais da residência, isto é, onde Jacques Coeur desempenhava as suas funções profissionais [fig.57].

À direita, por uma escada em espiral, acedia-se às peças privadas do primeiro piso e às peças de serviço, tais como, as duas cozinhas - uma delas dotada de forno - e latrinas. Mas isto não significa que os dois tipos de percurso tinham que se misturar necessariamente. Não só porque a escada em espiral permitia aceder aos pisos superiores sem entrar no corpo, como também pela presença de um pátio de serviço (com poço) num dos topos da outra arcada, o que permitia articular o acesso da entrada de serviço com o corpo formado pelas peças de serviço. Como iremos ver, a entrada de serviço será uma comodidade repetida em algumas residências aristocráticas de Paris. Neste caso, esta permitia que o pátio reservasse para si, apenas e só a função e o simbolismo do verdadeiro cour d’honneur.

Entre as peças privadas e as peças oficiais encontram-se as peças que outrora funcionaram como salas de aparato. Uma, ao alcance do primeiro lanço de aparato da escada em espiral - se assim se pode chamar aos primeiros degraus de uma escada deste tipo -, funcionava como sala de refeições, sendo servida pela galeria de serviço, através da escada, ou pela estreita passagem por “on faisait passer les plats dressés dans la salle”44. Outra,

localizada no piso superior, além de ser acedida através da escada de aparato, também o era a partir dos aposentos privados.

44 VIOLLET-LE-DUC, Eugène; Dictionnaire raisonné de l’architecture française du XIe au XVIe siècle; Paris: ed. 1858- 1868; Tomo VI; p. 278.

70 | Arquitetura Residencial Parisiense

Fig. 58 Paris. Planta atual. Localização hôtel de Sens. Sem escala.

Este hôtel exemplifica a distribuição das peças de natureza diferente por corpos horizontais distintos, dispostos em redor de um pátio, que se articulam em pontos chave. As escadas eram os dispositivos que realizam essa função, assumindo posições diferentes na hierarquia residencial. As galerias auxiliavam nessa tarefa, ocupando também todo esse espectro residencial.

Os três exemplos que se seguem, embora também recorram ao modo do Gótico flamejante na maior parte da sua concepção, por analogia à residência anterior, já incorrem em alguns aspectos dos novos princípios recuperados do clássico antigo, afastando-se um pouco da aparência feudal. Relativamente à distribuição, apresenta também como adquiridos o saber experimentado nos exemplos já estudados.

O hôtel de Sens, localizado no limite da margem direita do rio Sena [fig.58], na atual rue du Figuier, fazia parte do contexto urbano da Paris medieval entre muros. O seu aspecto geral aparenta à primeira vista ter resultado de grandes preocupações defensivas. Mas, as mesmas resultam não mais do que de circunstâncias idênticas à do hôtel de Bourbon, mantendo o mesmo simbolismo no aparato provocado pela presença de alguns dispositivos exteriores.

A sua construção, entre 1475 e 1507, ‘passou pelas mãos’ de Tristan de

Salazar (c.1431-1516), nomeado Arcebispo de Sens sob Louis XI (1423-1483),

“[...] sur un terrain donné [...] par Charles V aux archevêques de Sens”45.

Segundo as plantas de reconstituição do estado original, o lote estava delimitado, em todo o seu perímetro, por meio de muros e pelo próprio corpo do edifício. Três alas encerravam um pátio e uma quarta prolongava- se para o jardim, a poente. A última não existe atualmente e as outras diferenças relativamente ao seu estado atual dizem respeito à parte do jardim,

45 GADY, Alexandre; Les Hôtels Particuliers de Paris: du Moyen-Âge à la Belle Époque; Paris: Parigramme; 2011; p. 316.

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10 0m

Fig. 60 Hôtel de Sens. Reconstituição do piso térreo. Legenda: 1 pátio; 1’ entrada de aparato com átrio coberto; 1’’ átrio de chegada coberto; 2 entrada de serviço; 2’ portaria (?); 3 estábulos; 4 cozinha; 4’ despensa; 5 sala de aparato; 6 câmara; 7 adega (?); 8 jardim; Escala 1.400

Fig. 62 Hôtel de Sens. Portal Sul. 2013.

1’ 1 2 2’ 3 3 3 1’’ 4 4’ 4 3 5 6 7 8

Fig. 61 Hôtel de Sens. Séc. XVIII. Por L.

Boudan. Note-se a estrutura do oratório (não corresponde exatamente à estrutura pontual que se vê na planta) à esquerda da arcada e a decoração da bandeira dos portais (aspecto que não se pode ver hoje).

que hoje é delimitada por um gradeamento bastante permeável ao olhar, ao canto Norte do pátio, e à distribuição generalizada das peças interiores.

O pátio trapezoidal é o elemento que cumpre a função primordial de organização dos diferentes corpos que compõem o volume construído e de transição entre o espaço exterior e interior do lote. Embora seja possível justificar a sua forma pela irregularidade da envolvente medieval, esta permite concentrar o acesso principal num dos vértices, o nascente, proporcionando um maior controlo nessa transição, o que seria vantajoso na altura. Esta é feita por meio de dois portais, um maior, para a entrada de aparato a cavalo, e um menor, para entrada pedonal - ambos circunscritos por um arco apontado com altos tímpanos [fig.59; 63].

A presença de um segundo ponto de acesso [fig.60], localizado sensivelmente a meio do corpo Sul, garantia o acesso ao pátio, e a uma pequena peça, através do corpo onde estavam colocados os serviços, tais como os estábulos, a cozinha e a despensa. O que permite colocar a hipótese de que ali seria uma entrada de serviço [fig.62]. É também interessante verificar que o acesso ao pátio não se dá diretamente pelo portal do perímetro exterior, nem o acesso às peças de serviço se dá a não ser através do pátio. No entanto, a presença de uma estreita passagem, com ligação a uma pequena câmara, sugere que estes seriam espaços de preparação (relativamente às áreas de serviço) para a transição entre o pátio e o exterior e vice-versa. Aí, era possível carregar e descarregar veículos, funcionar uma portaria de serviço e até uma câmara de dormir dos criados. Seria então um dispositivo de transição da entrada de serviço (um pouco como vimos no hôtel Jacques

Coeur) que também denotava preocupações defensivas no acesso de serviço.

No corpo Norte, as áreas para os serviços eram mais generosas. Existia igualmente uma cozinha46 e três peças para estábulos, sendo que uma delas

46 Não nos podemos alongar sobre a relação desta cozinha com o resto das peças, dado que não é conhecida