URBANAS DO SÉC
67 De meados do séc XVI.
4.2 TRÊS REFERÊNCIAS: Philibert de l’Orme, Sebastiano Serlio, Jacques Androuet du Cerceau
Após as grandes empreitadas promovidas por François I nas primeiras décadas do séc. XVI, chegamos ao tempo em que Philibert de l’Orme regressava do território italiano desde que para lá tinha ido em 1533. Por lá, travara conhecimentos com “[...] o cardeal Jean du Bellay (1492-1560),
embaixador de Francisco I no Vaticano. O cardeal, que era homem de requintada cultura humanista, integrou Delorme na sua casa de Roma quando aí se instalou em 1535, e manteve-o ao seu serviço nos anos seguintes, pelo menos a partir de 1536 quando regressou a Lyon [...]”69. Por lá, terá feito uso do contato que teve em
Roma com a arquitetura clássica, quando acompanhou Antonio da Sangallo (1485-1546) em diversas fortificações e na Basílica de S. Pedro, quando executou a loggia do pátio da residência Bullioud, em 1536 [fig.112]. Nela podemos observar os vãos enquadrados por pilastras com pedestais e frontões que saem diretamente do vocabulário clássico, mas também os torreões laterais construídos à ‘boa maneira de construir’, como consta no
68 MONTCLOS, J. P. Pérouse de; Histoire de l’Architecture Française: de la Renaissance à la Revolution; Paris: Mengés; 1989; p. 60.
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Fig. 114 Residência Grand Ferrare. Desenhos. Por S. Serlio (Avery nº XI). Planta do piso (em cima) - Escala 1.400. Alçado da fachada Sudeste (em baixo) - Sem escala. O portal rusticado ainda se encontra em Fontainebleau.
10 0m
Premier Tome de l’Architecture 70 [fig.113]. Um conhecimento clássico
suportado pelo “[...] domínio do latim e na leitura dos clássicos, de Vitrúvio (séc. I
a.C.) a Francesco di Giorgio Martini (1439-1502) [...]”71.
As considerações que de l’Orme tece na sua obra publicada em 1567, e até antes, com as Nouvelles inventions pour bien bastir, editada em 1561, foram feitas tendo em conta a sua própria experiência profissional “[...] and much of
his descriptions of building techniques is useful in an account and description of Parisian houses of the last quarter of the sixteenth century, in particular the complicated masonry of suspended cabinets and his carpentry ideas for economical pitched roofs [...] [nomeadamente] the house he had built for himself in the rue de la Cerisaie [...] here he addressed himself to the limitations and an appropriate architectural style for a house on a typical plot [...]” dos loteamentos realizados
em Paris a partir de meados do séc. XVI onde iria ocorrer a definição da tipologia urbana da residência aristocrática parisiense.
Um pouco mais tarde do que o seu retorno a Lyon, seria também o tempo da chegada de Sebastiano Serlio a convite de François I (c. 1540) para integrar a equipa do château de Fontainebleau. É certo que esta importante obra, marco do desenvolvimento da arquitetura francesa, é o melhor exemplo da autoria coletiva que muito a caracteriza. Grande parte da realização desta empreitada é atribuída ao mestre construtor e pedreiro Gilles le Breton (?- 1553), contando com a contribuição de Serlio para a residência Grand
Ferrare [fig.114-117] do cardeal Ippolito d’Este (1509-1572).
Mas Serlio não era, e é, tão conhecido pela sua obra prática, como o era pela sua obra teórica, nomeadamente em França. Em 1545 “ [...] his First and
Second Books of Architecture were published in Paris with a French translation. A Fifth Book followed in 1547. They were widely consulted, probably because their fidelity to the best Italian practise [...]. Meanwhile, Serlio had come to the French
70 Edição de 1567, p. 89.
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Fig. 115 Residência Grand Ferrare. Axonometria.
Fig. 116 Residência Grand Ferrare. Portal de entrada. Por D.
court [...]. He stayed until 1547 [...]. In his later years Serlio prepared drawings for an unpublished ‘Sixth Book of Architecture’. Which appears to have been intended to disseminate designs deemed especially appropriated for France”72. Nos seus
Livros constam desde grandes residências e châteaux rurais até residência urbanas burguesas, onde o pátio tem uma posição predominante. Neles, a proporção, regularidade e a simetria, assim como o destaque dado ao piano
nobile, são aspectos presentes por vezes conjugados com altas lucarnas e
coberturas inclinadas, bem ao modo francês.
Jacques Androuet du Cerceau foi, podemos dizer, uma versão francesa de Serlio, no que se refere à produção teórica. O seu Livre d’Architecture de 1559,
publicado em Paris, “[...] owes its format but few of its fifty designs to the
Italian”73, espelhando o ideal da arquitetura residencial, conforme o contexto.
Os seus planos e alçados, espelham também uma simetria geral, mas diferem dos de Serlio pelo seu toque francês.
Mas os primeiros trabalhos de ilustração de du Cerceau remontam a 28 de Junho de 1545 “[...] for which he sought protection of copyright in a petition to
Francis I. The historical, social and artistic significance of this collection is very considerable, especially when is remembered that no pattern book of domestic architecture had yet been published in Europe. Sebastiano Serlio’s ‘true’ sixth book on domestic architecture was in preparation at Fontainebleau at this time, but remained in manuscript. It is certain that Androuet du Cerceau had access to Serlio’s unpublished work, and the distinctively French character of these châteaux
[que constam nesses primeiros trabalhos] can be interpreted as an adaptation
or corrective of Serlio’s patterns. [Ou seja] The impetus to systematise and schematise the French manner of architecture was triggered by Serlio, and became a compulsion throughout du Cerceau’s long and prolific career of drawing and
72 SUTCLIFFE, Anthony; Paris: an architectural history; Yale University Press; 1996; p. 13.
73 THOMSON, David; Renaissance Paris: Architecture and Growth, 1475-1600; Berkeley: University of California Press; 1984; p. 18.
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Fig. 118 Residência Saint-Maur. Planta. Por Philibert de l’Orme. Escala 1.400. 10
0m
Fig. 119 Residência Saint-Maur. Alçado da fachada do corpo principal virada ao pátio. Por
publishing”74 da qual destacamos também o Le Premier (Second) Volume des Plus Excellents Bâtiments de France (1576-1579) que trata do que o próprio
título indica.
Assim, os tratados destes autores são uma importante fonte onde se podem basear as propostas ideais para aquele tempo para a arquitetural residencial francesa. Nela podemos encontrar exemplos cuja distribuição espacial iria, de certo modo, ser adaptada ao contexto urbano parisiense, ainda que o contexto desafogado para o qual foram projetados ou idealizados tornasse a sua escala maior. Uns são edifícios de facto construídos, outros espelham propostas ideais.
O projeto que se encontra no Premier Tome de l’Architecture de Philibert de
l’Orme é “semblable à celuy que seu monsieur le Cardinal du Bellay me feit faire començant le chasteau de Sainct Maur des fossez pres Paris”75 [fig.118]. Embora
seja apenas publicado em 1567, o início da sua construção (1541) antecede a publicação dos livros de Serlio em França. Ainda assim, não se pode excluir as influências do “[...] renascimento em Itália, tomando a ideia do pátio central
como organizador do espaço interno da residência e ordenando as formas em quadrado com o estabelecimento de um ritmo modelado por elementos do vocabulário clássico [...]. Esta fórmula foi naturalmente seguida nos palácios atribuídos ao italiano Sebastiano Serlio, alguns anos mais tarde, tanto em Ancy-le- Franc, como na Grand Ferrara de Fontainebleau [...]”76 detentor de um plano
quase idêntico ao que apresenta no Libro Settimo, do tratado Tutte Opere
d’Architettura et Prospetiva, apenas publicado em 1621. O que não significa
que o mesmo não fosse conhecido até a data. Pelo contrário, era do conhecimento do meio da arquitectura (e de outros) que Serlio estava a produzir desenhos, nomeadamente de Grand Ferrare, para incluir mais tarde