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2. O ADVENTISMO E A MENSAGEM DE SAÚDE NO BRASIL

2.1 A chegada do adventismo no Brasil

Antes de contar a clássica história a respeito da chegada do Adventismo no Brasil, deve-se considerar que a religião adventista surgiu no mesmo período e forma que nos outros países da América do Sul. A questão da imigração mostrou ser algo de vital importância para o desenvolvimento da denominação em solo brasileiro. Como já se afirmou anteriormente, a missão na América do Sul teve como principal objetivo, compartilhar a mensagem com os

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imigrantes que falavam língua inglesa e alemã. E a partir daí que se conta a história de Borchard e Carlos Dreefke e a “divina providência” na propagação da mensagem adventista. Schwarz e Greenleaf (2009, p.222) dizem que: “As primeiras sementes do advento no Brasil foram semeadas quando alguns missionários adventistas do sétimo dia enviaram literatura para o pai de um jovem alemão que eles conheciam a bordo de um navio que ia para a “Europa”. Existem alguns que argumentam que os primeiros adventistas no Brasil remontam à 1880 em Santa Catarina, sul do país. Frutos do crescente fluxo de imigração que existiu na América do Sul no período. Dentre os imigrantes, estava o alemão, Friedrich Wilhelm Kümpel e sua família. Mas, os nomes que mais aparecem nas produções acadêmicas sobre o Adventismo no Brasil, sem dúvida, são os de Dreefke e Borchard.

A história começa quando o alemão Dreefke, recebeu de maneira não programada, alguns exemplares do periódico publicado por Louis Conradi em Battle Creek, Michigan. Stimme der Warheit, que seria uma tradução de "Voz da verdade", auxiliava no plano missionário da instituição. Naquela época, principalmente nas regiões portuárias, as encomendas e correspondências da Europa e EUA, ficavam na loja e Bar onde David Hort trabalhava e era proprietário. Com receio de ser taxado ou cobrado por aquelas publicações, que continuavam chegando, Dreefke transmitiu a responsabilidade dos pacotes e periódicos a um conhecido, que não demorou muito e perdeu o interesse neste material. Depois de certo tempo, aquele material parado, e que continuava chegando, foi passado a um bêbado, que ao ver o estoque de material, concordou em pegar e vender, a fim de sustentar seu vício. Mas como dirá Greenleaf (2011, p.25) “mais por acidente do que propósito, Stimme der Warheit, chegou aos lares dos imigrantes alemães em Brusque e na localidade vizinha de Gaspar Alto.

Mesmo que a história possua algumas questões inconstantes, fato é que a partir daí a mensagem do Adventismo seria difundida no Brasil. Ainda assim, foi somente em 1889 que a Associação Geral nos Estados Unidos, veria a necessidade de acelerar a obra a ser feita pelas terras estrangeiras. E diante dos diversos métodos empregados para espalhar a mensagem do segundo advento, a IASD viu como melhor investimento colocar dinheiro na obra de publicações. Mas, a educação e saúde que se mostravam como excelentes bandeiras da denominação foram deixadas de lado, por quais motivos? As justificativas giravam em torno do alto investimento inicial necessário. O Brasil apresentava um forte mercado para a disseminação de publicações. A experiência de Stauffer pode ser apontada como bom motivo para o investimento da Associação Geral na área de publicações. O missionário, no segundo trimestre “relatou 91 entregas, num total de 298,42 dólares, com preço de custo de 58,51

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dólares, uma margem de lucro superior à que os colportores7 obtinham nos Estados Unidos” (GREENLEAF, 2011, p.33). Com uma experiência positiva da colportagem, Stauffer, reconheceria a importância que a literatura adventista teria para o avanço da denominação no Brasil. No entanto, a obra ainda continua restrita a estrangeiros, a maioria falantes de alemão, e ingleses. As recomendações de Stauffer, para a Associação Geral, eram para que fosse feita a confecção de literatura no idioma nativo, afinal, isso garantiria o crescimento da denominação, “Quer ele soubesse disso, ou não, já havia planos estabelecidos por parte da igreja oficial de dar mais atenção ao Brasil. Quando Frank e Mary Westphal partiram de Nova York [..], a família W. H Thurston, os acompanharam com propósito de vender literatura [...] no Rio” (GREENLEAF, 2011, p. 33).

A chegada dos Thurston no Brasil, em 1894, marcou um período de missão adventista voltada à propagação de literaturas. Embora o responsável pela distribuição de literatura denominacional adventista na América do Sul, fosse feita por Craig, Stauffer e Thurston faziam a maior parte do trabalho com os livros na região brasileira. Mesmo Thurston não sendo obreiro ordenado, viria ao Brasil por conta própria e auxiliaria Stauffer na disseminação da mensagem do segundo advento. Não demoraria muito e a Associação Geral enviaria pastores ordenados para o campo brasileiro. O alemão H.F. Graf, que estava na Argentina, foi transferido ao Brasil com o objetivo de dar suporte ao campo. E em 1896, F. W. Spies, nascido nos Estados Unidos, foi também transferido para o Brasil.

Vale lembrar que, a IASD, sempre esteve incansavelmente procurando melhores formas para abordar a população em que se inseria. Westphal, quando chega ao Brasil, após alguns dias de quarentena promove uma série de pregações em Santa Catarina e São Paulo. Depois de um mês de trabalho, 20 pessoas foram ao batismo, em 1895. Dentre os quais estava o primeiro batizado pelo Adventismo no Brasil, Guilherme Stein Jr., que era filho de imigrantes alemães. “Stein havia se preparado para o Adventismo por meio da leitura de Der Grosse Kampf (O Grande Conflito), livro vendido para avó de sua esposa “por dois homens que não tomavam café”, conforme se recorda da história da avó Maria Krähenbühl Stein” (GREENLEAF, 2011, p. 41).

E foi com o Batismo de Stein, que a mensagem do segundo advento viria a influenciar na cidade de São Paulo, mas de qualquer forma a mensagem ainda continuava restrita a estrangeiros. Afinal, Stein, mesmo sendo falante nativo, tinha como recurso a língua alemã.

7 Os colportores fazem parte de um segmento do Adventismo, no qual procuram difundir a mensagem do

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[...] colportores também são conhecidos como: “evangelistas da página impressa, [...] são missionários autônomos que utilizam uma variedade de métodos para vender e distribuir literatura com o objetivo de evangelizar”. Para mais informações ver: White (1923), O Colportor Evangelista. Nesta obra White descreve as questões pertinentes a quem pretende se dedicar a este segmento da denominação.

Uma questão interessante é perceber que, no final da década de 1890, a denominação já havia estabelecido uma serie de instituições de educação e saúde espalhado “entre os oceanos Atlântico e Pacífico”. Mas, no que diz respeito à América do Sul, ainda existia bastante resistência quanto aos investimentos na área da educação e saúde. Greenleaf (2011, p.55) confirma a “negligência” da denominação em investir nas instituições de saúde e educação, quando diz que “concentraram sua atenção em reforçar a obra realizada pelas vendas de literatura por meio do evangelismo direto, fazendo palestras doutrinárias intensivas que duravam desde poucos dias até várias semanas”. E assim, os outros braços da denominação permaneceram, por algum tempo, longe do campo brasileiro.

Os dirigentes da IASD no Brasil esperavam um crescimento maior da mensagem adventista para propor uma maior diversificação nas metodologias missionárias. Afinal, os primeiros anos do Adventismo no Brasil conheceram apenas um lado das abordagens evangelísticas da denominação, a literatura. Deve-se lembrar que, para a Associação Geral, a obra de saúde, bem como a de educação, “tratava-se de um item caro na agenda adventista, mas, ao mesmo tempo, inevitável, pois diversificação da obra e a construção de instituições eram características marcantes dos adventistas” (GREENLEAF, 2011, p. 55). Ainda assim, deve-se sublinhar que Schwarz e Greenleaf (2009) fazem menção à carência que muitos obreiros, missionários, e mesmo pastores, sentiam em relação a diversidade de abordagens para evangelizar.

As poucas iniciativas que existiam em direção a formação de instituições que incrementassem ao impacto da mensagem do advento no Brasil, foram feitas por membros. Stein, como exemplo, abriria a primeira escola com orientação adventista em Gaspar Alto, Santa Catarina.

John Lipke, converso nascido na Alemanha que havia estudado em Battle Creek College, chegou dos Estados Unidos para dirigir outra escola em Taquari, Rio Grande do Sul, onde um membro havia doado terras e prédios para uma escola e um centro médico. Com a missão de supervisionar a clínica, A. L. Gregory, médico norte-americano recém-formado, chegou com sua esposa, Lula, em 1904.

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Aos poucos a denominação deixava sua fragilidade de lado, dando lugar ao crescimento a curtos passos. Mesmo que a Associação Geral transmitisse apatia diante das necessidades apresentadas, Stauffer continuava indagando a Comissão de Missões Estrangeiras, a respeito de suas colocações quanto à necessidade de instruir os nativos brasileiros. A presença de um obreiro ou pastor ordenado no campo brasileiro, era visto como responsável por transmitir, à medida do possível, as questões de saúde e educação. Greenleaf (2011, p. 59) lembra que, a competência dos colportores, embora fosse aceitável, precisavam de maior comprometimento para melhor espalhar a mensagem do segundo advento, e também para aplacar as necessidades de subsistência dos mesmos. Com esse intuito, muitas das escolas construídas tinham como objetivo formar missionários. Um caso específico, embora não seja no campo brasileiro, fazendo referência à instrução da mensagem adventista acerca da saúde, aconteceu na Argentina, onde 21 alunos tiveram a oportunidade de ter contato com um cardápio sem carne e chá mate, alimentos fortemente presentes na dieta Argentina.

Schwarz e Greenleaf (2009) apresentam a mensagem de saúde, na figura da obra médico missionária, com mais dificuldades do que a mensagem de educação. O orçamento dos obreiros era demasiado baixo, e investir em clínicas ou unidades de saúde, não se mostrava como uma opção viável. “Muitas vezes, a atenção médica que a igreja oferecia provinha de pregadores e leigos corajosos com treinamento em enfermagem missionária” (GREENLEAF, 2011, p. 63). Deve-se lembrar que, a validação do curso de medicina na América do Sul, sempre se mostrou como um empecilho para a expansão da obra de saúde nesta parte do continente. Assim, a melhor forma de espalhar a mensagem de saúde era com a atuação de agentes capacitados na divulgação de uma medicina preventiva. O Dr. Habenicht, pode ser um bom exemplo dessa dificuldade que existia na implantação da obra médico missionária na América do Sul em geral.

Habenicht chegou a Buenos Aires em dezembro de 1901. No mês seguinte em Entre Rios, ele descobriu que, em vez de passar em um único exame e, assim, se qualificar para a prática da medicina, os médicos estrangeiros precisavam fazer provas completas em todas as áreas, como se ainda estivessem na faculdade. Ainda mais chocante era a informação de que era necessário pagar uma taxa equivalente a 360 dólares para fazer um teste (GREENLEAF, 2011, p. 65).

Desta forma, além da obra missionária adventista de uma maneira geral, ser demasiado incipiente no campo nacional, as complexidades em exercer as práticas médicas também se mostravam como empecilho para o estabelecimento e expansão da obra médico

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missionária da denominação no Brasil, que buscava aos poucos, visibilidades diante do cenário missionário construído. Um exemplo da necessidade que a sociedade brasileira possuía da execução das práticas médicas pode ser destacado na trajetória do Dr. Gregory. Quando se mudou para Taquari, Rio Grande do Sul, com uma população de 1.500 habitantes, pensou que fosse ficar tranquilo; mas, seu trabalho se mostraria enfadonho.

A agenda lotada do médico o mantinha ocupado até tarde da noite. Às vezes, só conseguia almoçar quase na hora de dormir. “Muitas noites”, revelou, “sinto-me cansado demais para estudar e vou dormir logo depois das oito”. Em vez de reclamar das exigências excessivas do trabalho, procurava maneiras de melhorar seus serviços. Ao observar o péssimo estado dos dentes dos brasileiros, e as leis indulgentes que regulavam a prática odontológica, começou a atuar também como dentista, dividindo igualmente o tempo com a prática médica (GREENLEAF, 2011, p. 66).

Embora a necessidade fosse tamanha, em solo brasileiro, pouco era feito para melhorar a qualidade de vida dos mesmos, por parte do estado. Não é de se estranhar que todas as revoltas que aconteceram no início do período republicano, tenham como interesse em comum, a melhora na qualidade de vida. Com as últimas notícias a respeito da validação do curso de medicina, a denominação se veria com mais uma complexidade para o avanço da mensagem de saúde, a questão financeira. Como lembra Greenleaf (2011, p.67), “A obra de saúde tinha foco externo, pois se tratava, em primeira instância, de um serviço público. Uma obra médica bem-sucedida exigia altos investimentos, mas os líderes da igreja consideravam que tais despesas valiam a pena”. Os sanatórios construídos nos Estados Unidos pela denominação denotaram a complexidade que existe em se manter um. Mesmo assim, muitos consideravam que a obra médica era uma porta de entrada para o Adventismo.

De qualquer forma, a posição da Associação Geral em auxiliar as empreitadas missionárias continuou a mesma, ou seja, concentrar os esforços na venda e distribuição de literatura denominacional. Afinal, mesmo sendo um processo menos eficiente que a obra médica-missionária, “era um processo que poderia ser ao mesmo tempo vantajoso em termos econômicos e espirituais recompensadores” (GREENLEAF, 2011, p. 67). Portanto, as ações da denominação pareciam ser justificáveis, afinal, eram momentos difíceis mesmo no contexto Norte-americano.

De qualquer forma, a situação econômica dos grupos de adventistas feitos até o momento preocupava a Associação Geral, e até comprometiam o avanço da obra, afinal, “a necessidade de aproveitar cada dólar exigia um controle mais rígido, colocado em prática por

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autoridades com maior força administrativa” (GREENLEAF, 2011, p. 75). A organização rigorosa da Associação Geral, sem dúvida, definiu o progresso da instituição.

Uma das principais justificativas para essa gestão controlada, por parte da Associação Geral, tinha que ver com a resposta do campo às investidas adventistas. A este respeito, Greenleaf (2011, p.75) afirma que: “era raro um adventista muito rico com condições de fazer doações generosas aos projetos da igreja”. E considerando essas circunstâncias, e a crise que acometeria os Estados Unidos na década de 1890, resultou nesta reação por parte da denominação. A própria formação de Associações e Uniões, tinha como objetivo fazer com que o campo fosse mais autônomo, e menos dependente dos recursos da Associação Geral.

Como exemplo, pode-se apontar para os lucros financeiros da obra que Westphal estava empreendendo na Argentina, embora o missionário considerasse a obra na Argentina como “caminhando a passos largos”. Preocupava-se com o retorno financeiro da obra, afinal, não era viável que aquele grupo argentino fosse dependente da sede nos Estados Unidos. Depois que Westphal descobriu que a Comissão Estrangeira de Missões, no ano de 1898, não auxiliaria a missão na América do Sul, observou tal ação como sendo um duro golpe nos crentes argentinos. “Mas as dificuldades financeiras só pareciam torná-los ainda mais comprometidos. A despeito dos danos que os gafanhotos trouxeram às plantações de trigo, o dízimo nos primeiros seis meses de 1898 totalizou cerca de 2.000 dólares” (GREENLEAF, 2011, p. 82). Essas poucas centenas de dólares, explicavam para os dirigentes estadunidenses que a obra na América do Sul, andava, mesmo que lentamente, para a formação de uma associação. Afinal, até 1987, os números em membros eram de pouco mais de 220 pessoas em Buenos Aires.

Quando se olha para o campo brasileiro, o cenário é ainda mais complexo e preocupante, do ponto de vista financeiro. Mesmo que naquela época, a maior assistência era direcionada para Argentina e afins, o Brasil apresentava um número mais satisfatório de conversão. Tendo Spies e Graf, como representantes diretos da Associação Geral, havia desempenhando um bom trabalho desde o Sul do país, até o Rio de Janeiro. E com a ajuda de Thurston e Stauffer e suas famílias, a mensagem do segundo advento foi largamente disseminada até 1897. Segundo Greenleaf (2011, p.83) Thurston, “informou a Battle Creek que os adventistas brasileiros haviam se multiplicado para cinco igrejas e quatro grupos menores, num total de 251 membros e 16 Escolas Sabatinas com quase 500 membros. Desse total, provinham mais 1.100 dólares em dízimos”. Para a denominação isso representava apenas uma coisa. Que a igreja no Brasil, não havia sido construída por uma classe social

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abastada, afinal, embora em número de conversos os brasileiros tivessem se mostrado mais efetivos, na questão financeira, deixava a desejar.

Todas essas complexidades deixavam a Associação Geral mais alerta para com as reais necessidades do campo missionário. O que se pode concluir até o momento, é que a abordagem evangelística e missionária da IASD na América do Sul deu-se de forma lenta e gradativa. E olhando para a mensagem de saúde, o cenário de expansão da mensagem do segundo advento parece mais crítica. Os problemas incluíam crise financeira, uma mensagem para alcançar estrangeiros, a validação das credenciais médicas, o auxílio financeiro a rédeas curtas por parte dos dirigentes da Associação Geral, e o clima. Esses, apenas para citar alguns, foram problemas para implantação do Adventismo, tanto no Brasil, quanto na América do Sul. Ainda assim, deve-se levar em consideração que a mensagem daria um salto de crescimento nos anos que viriam, isto é, século XX.

O que deve ser observado agora são as práticas/hábitos alimentares dos brasileiros na mesa, afinal esse tema é importante para compreender em que contexto a fábrica Superbom, se fez necessária. Para tanto, é necessário que se compreenda como eram, e se consistiam em costumes degenerativos do ponto de vista adventista. Embora a mensagem de saúde se desdobre em muitos braços, o que nos interessa é nortear a discussão para a questão alimentar.