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A mensagem de saúde descrita por Ellen, embora possua proximidades com os escritos dos reformadores pró saúde de sua época, traz seu diferencial na junção de uma teologia à uma reforma de saúde. Ainda que em seus escritos White traga muitos outros conceitos que dizem respeito a alimentação, hábitos e comportamentos, pesquisadores como:

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Darius (2014) e Zukowski (2010), destacam que ela não traria nada de “inovador”4. As quatro “visões” que a autora teve foram norteadoras, e quando exploradas abrangem muitas outras áreas da vida saudável. É importante salientar que até o momento a IASD sequer possuía compromisso com qualquer visão acerca da alimentação saudável, hábitos e outras questões ligadas a vida saudável. Foram as visões de Ellen que trouxeram à tona a necessidade de se ter como mensagem a questão da saúde.

Ao que tudo indica a primeira “visão” de Ellen G. White aconteceu em 1842. Neste mesmo ano os EUA estavam ratificando o tratado de Webster-Ashburton, que propunha as fronteiras entre EUA e Canada. Também neste ano aconteceria a ocupação de San Antonio, Texas, pelas tropas mexicanas de Rafael Vasquez. Também, neste ano aconteceu a primeira cirurgia usando anestesia feita pelo Dr. Crawford Long, em Danielsville, Georgia. Essas são apenas para citar algumas das transformações pelas quais passavam a recente e ainda frágil nação estadunidense, no ano em que White teve sua primeira visão acerca do tema referenciado anteriormente.

White baseou suas instruções, no que seus crentes acreditam ser “visões”. E Segundo Zukowski (2010, p.98) a primeira “visão” tinha que ver com a utilização de produtos como o tabaco e bebidas alcoólicas. Ele relata que: “O anjo lhe orientou que todos aqueles que não abandonassem o tabaco não receberiam o selamento, pois o uso de tabaco é idolatria”. Interessante é observar que o tabaco foi desde cedo uma das maiores produções das colônias do sul dos EUA. Karnal (2007, p.49) destaca que: “A planta implicou permanente expansão agrícola por ser exigente, esgotando rapidamente o solo e obrigando a novas áreas de cultivo. O fumo tomou-se um produto fundamental no Sul”. Mesmo depois da guerra civil norte americana que aconteceu entre 1861-865, a produção não findaria – afinal essa tinha como principal personagem da produção o escravo. O que aconteceria de fato seria apenas um retardo na produção, que após equilibrar-se, com a mecanização do processo, voltaria ao normal, mas agora tendo a disposição maquinário para a produção, e não mão de obra escrava.

White embora fosse a principio contra a escravidão, não critica a utilização e produção de produtos como o tabaco por conta do que se fazia aos escravos, mas pelo que esses produtos representavam para a vida espiritual. Zukowski (2010, p.98) esclarece que:

4 Segundo Darius (2014, p. 177), White se utilizou de meios e recursos de seu tempo para elaborar tais

afirmações. “Assim, observa-se que em seus primeiros panfletos temáticos, ela citou extensivamente outros reformadores da saúde de seu tempo, embora com ressalvas: ao não apresentar uma mensagem genuinamente nova, mas contextualizar os princípios de saúde dentro do escopo divino, ela optou por evitar ideias de reformadores de saúde da sua época que estavam em conflito com os princípios que ela recebera em visão.

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A visão estabelece uma teologia escatológica onde há uma ligação íntima entre o viver saudável, a espiritualidade e a preparação para a segunda vinda. Muito embora a visão claramente condenasse o uso do tabaco, esse foi tolerado entre a membresia adventista até 1853, sendo somente em 1855 votado excluir do rol de membros aqueles que não abandonassem este vício.

Vale sublinhar que a aceitação das instruções whiteanas deu-se de forma lenta gradativa. O próprio pensamento de White de que não se devem fazer transformações radicais faz referência a essa forma de proceder da instituição. A questão dos alimentos considerados impuros pode ser um bom exemplo dessa forma de proceder com cautela da instituição, que procura não provocar dissensões. Em 1858, White repreendeu S. N. Haskell a respeito de suas polêmicas sobre as carnes impuras, como a de porco. Disse que se ele considerasse a utilização de alimentos como o porco como algo impuro, que conservasse esse pensamento apenas para si, para não provocar ruptura (KNIGHT, 2005, p.20).

A segunda visão sobre o tema da saúde aconteceria em 1854. Nesta época a jovem nação já buscava solucionar os atritos entre norte e sul que mais tarde desencadeariam a guerra civil norte americana. Neste mesmo ano seria fundado em Ripon, Wisconsin, o partido republicano nos EUA, sobre as bases do conservadorismo, abolicionismo, liberalismo e federalismo. O conteúdo desta mensagem referia-se à: necessidade de controle do apetite, profanação, negligência paterna, casamentos não recomendados, falta de pureza do corpo entre adventistas e adultério na igreja. Zukowski (2010, p.98) a respeito dessa segunda visão argumenta que: “Novamente é realçado que saúde e espiritualidade estão conectados e para ser um cristão puro, o mesmo deve ser temperante”. Flandrin e Montanari (1998, p.630) lembram queo movimento de reforma alimentar que surgiu entre os anos 1830 e 1840 parecenos hoje tipicamente americano por sua mistura de conselhos pseudocientíficos [...] com aspirações à pureza moral. A relação entre os hábitos alimentares e a pureza moral era algo específico deste período, como por exemplo a pregação do pregador protestante Sylvester Graham a respeito da saúde. Que mesmo sem critérios científicos, desconfiava de qualquer alimentação que tivesse seu estado natural alterado por processos mecanizados. A esse respeito, Flandrin e Montanari (1998, p.630) consideram que, esses ideais “inscreviam- se igualmente nas tendências intelectuais românticas de sua época. No entanto, essa segunda visão de White dizia respeito mais aos hábitos e comportamentos do ser humano, do que a abstinência de algum alimento especifico.

É preciso recorrer a teologia de White neste momento. Esta considerava o ser humano como um ser holístico, indissociável em suas partes, que são: alma, corpo e espirito (DARIUS, 2014). Assim, priorizar uma parte deste trinômio em detrimento de outros é

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promover a desarmonia do próprio ser. Assim, é razoável afirmar que White considerava a boa saúde, como constituída pela harmonia e equilíbrio dessas três partes essenciais.

A terceira visão de White aconteceu em Ostego, Michigan. Em 1863 enquanto estavam hospedados na casa da Aron Hilliard. Essa é considerada por muitos como a mais expressiva, ou que se apresenta maior clareza (ZUKOWSKI, 2010, p. 98), (DOUGLASS, 2001). Zukowski (2010, p. 98) afirma que:

Ela e seu marido estavam hospedados na casa de Aaron Hilliard participando de um encontro evangelístico liderado pelos pastores R. J. Laurence e M. E. Cornell. Nessa casa, apenas dezesseis dias depois da Conferência Geral dos Adventistas do Sétimo Dia ter sido organizada em Battle Creek, ao por do sol, Ellen G. White levanta- se para orar e é tomada em visão por quarenta e cinco minutos.

Essa visão teve como alvo a recuperação de James White, esposo de Ellen, todavia, seu conteúdo foi dirigido à toda igreja. Zukowski (2010, p.98-99) separa essa terceira visão em pelo menos em dez tópicos. Sendo: (1) o primeiro tópico estabelece o cuidado com a saúde como sendo um dever religioso. “Deus requer que seu povo O glorifique através de corpos saudáveis”. (2) as enfermidades são vistas como consequência da violação das recomendações de saúde. (3) recomenda diligência na vigilância dos hábitos, afim de não cair na intemperança, como no uso de: bebidas estimulantes, tabaco, alimentos condimentados e trabalho em excesso. (4) apresenta a dieta vegetariana como sendo a mais recomendada e ideal para os seres humanos. (5) diz respeito aos hábitos saudáveis que todo cristão deveria cultivar, como: controlar o apetite, não comer excessivamente, não comer entre as refeições, e outros problemas de apetite ligados a gula. (6) o sexto tópico destaca que muitas doenças provem de uma má saúde mental, neste caso considerou-se que essas doenças não provinham de origem externa. (7) coloca os remédios naturais como sendo um presente de Deus ao homem, que são: ar, agua, luz solar, exercício físico, descanso, boa alimentação. (8) fala sobre a importância dos hábitos de higiene e pureza, seja no aspecto externo e interno. (9) esclarece os melhores locais para habitação, como: “ os lugares mais altos e uma própria ventilação são destacados como pontos chave”. (10) partilhar essas instruções com os outros, afim de que gozem da mesma sorte.

Sem dúvida, esta “visão” foi a que mais trouxe informações acerca do tema hábitos saudáveis. A quarta visão acerca do tema saúde aconteceu em 25 de dezembro de 1865, dois anos depois da institucionalização da IASD. E os EUA encontrava-se em guerra civil acerca dos problemas na economia, abolicionismo, advento tecnológico, que inclusive possuía um

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aspecto religioso. Ainda assim, essa última “visão” teve como objetivo, nas palavras de Zukowski (2010, p.99): “providenciar lugares onde pessoas pudessem ser curadas e aprender sobre medicina natural preventiva”. Flandrin e Montanari (1998, p.632) acrescentam dizendo que:

O primeiro alvo dos reformadores não era o mais visível — esses grandes burgueses barrigudos que não cessavam de se queixar de dispepsia, constipação e outros problemas digestivos. No início, também não se fez caso da classe média ou dos fazendeiros abastados que engoliam prodigiosas quantidades de alimentos indigeríveis, sobretudo carnes fritas e tortas. De fato, os reformadores privilegiaram a classe operária, composta em grande parte por imigrantes que tinham ido para a América com a esperança de tirar partido das fabulosas riquezas de suas mesas. As teorias científicas em matéria de dietética foram completamente modificadas com a descoberta de que a energia dos alimentos se media por calorias e de que eles eram compostos por diferentes elementos — proteínas, hidratos de carbono e gorduras — que pareciam ter uma função fisiológica bem definida.

É interessante que ao recomendar a construção de uma indústria de alimentos saudáveis, White observava que a dinâmica desta fábrica não deveria ser de caráter exploratório como eram as que em seu tempo existiam. É importante lembrar que mais tarde, White (Manuscrito 33, 1899) enfatizou a importância que é pregar para esses que estavam nas cidades e estavam à mercê de uma condição de vida degenerativa. “Não se deve trabalhar apenas por aqueles que se encontram em níveis respeitáveis da sociedade, é necessário que os caídos e degradados sejam recolhidos. É nos caminhos e valados que se encontrarão pessoas precisando de salvação. Muitas são mentalmente cegas, mentalmente feridas”.

Deve-se lembrar, novamente, que a aceitabilidade das instruções dadas por White, foram ganhando espaço gradativamente. Mesmo os reformadores que não eram adventistas sofreram com a pressão pública acerca de seus conselhos. Essas reformas dietéticas, que tinham como objetivo promover o bem-estar social perceberam nessa nova proposta de nutrição uma melhor forma de combater as “terríveis pragas engendradas pela industrialização e urbanização” (FLANDRIN E MONTANARI ,1998, p. 632).

A cartilha chamada de New Nutrition, teve como finalidade fazer com que o operariado gastasse menos dinheiro com alimentação e reservasse esse valor excedente para aspectos menos essenciais da vida, como: artigos de luxo, vestuários arrojados, melhor alojamento. Flandrin e Montanari (1998, p.632) nos contam que:

Seguir-se-ia uma elevação do nível de vida, o que os levaria a suplantar os extremistas, partidários do anarquismo, socialismo, sindicalismo e de outras

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ideias perniciosas. Infelizmente, tendo chegado à América com a esperança de comer carne de boi e não feijão seco, a maioria dos membros da classe operária não morderam a isca. Não deram ouvidos aos reformadores, zombaram deles e, inclusive, chegaram a atacá-los.

White, não estaria isenta dessa desconfiança pública. Grande parte dos personagens do Adventismo nos primeiros anos de desenvolvimento da instituição tinham suas instruções como semelhante às outras correntes, que eram comuns no período. No entanto o diferencial de White estava na conexão entre as questões de físicas e espirituais. A respeito desta conexão, Zukowski (2010, p.101) nos conta que:

Esta conexão entre físico e espiritual faz da reforma de saúde algo não apenas essencial para o cristão ao demonstrar o real caráter de Cristo em seu estilo de vida, mas também dá um sentido especial de missão ao movimento, promovendo a saúde física que habilitará os seres humanos alcançarem uma melhor comunicação com Deus e preparo para a crise final.

O que definiria o sucesso do projeto de saúde whiteano, tem como agente principal o “ministério profético de White”. Mesmo que a obra médica missionária e o desenvolvimento teológico tenha auxiliado no sucesso do projeto da reforma de saúde, esses compõem uma parcela pequena do montante que foi e ainda é a mensagem de saúde adventista.

White desde cedo frisava a importância que as leis naturais deveriam ter relevância semelhante às leis descritas no decálogo. Que quando violadas, configura pecado contra Deus.

Zukowski (2010, p. 102) nos conta que:

Para a igreja adventista, a terceira mensagem angélica é o evangelho a ser pregado hoje. Uma parte dessa mensagem descrita em Apocalipse 14:12 chama os adoradores à obediência da lei de Deus. Essa conexão feita por Ellen G. White entre a transgressão das leis do corpo humano e o decálogo fez a mensagem de saúde tornar-se verdade presente.

Compreender a mensagem de saúde, isto é, as leis naturais como sendo orientação divina, seriam determinantes para implantação da instrução Whiteana de saúde no desenvolvimento denominacional. Mas a compreensão acerca da natureza humana, também foi essencial para a implantação do projeto de saúde whiteano. Para White, assim como para a IASD, o ser humano é um ser holístico, composto pelas esferas: espiritual, mental e físico (ver acima).

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Segundo Zukowski (2010, p. 102) “os adventistas entenderam que a comunicação entre Deus e o homem é feita através dos nervos cerebrais”. E foi o estabelecimento deste pressuposto que a atitude da denominação foi a de considerar a saúde física necessária tanto quanto a espiritual. Desta forma, o exercitar dessas áreas, segundo White, fazem com que o ser humano utilize o máximo de sua potencialidade para a missão. Por outro lado, o negligenciar das leis de saúde/naturais, representam a formação de “barreiras na comunicação entre Deus e o homem” (ZUKOWSKI, 2010, p. 102). Em outras palavras, cultivar hábitos alimentares e saudáveis, que contradigam a lei natural, significa fortalecer a barreira de comunicação que existe entre Deus e o homem.

Não obstante, é importante lembrar o papel escatológico da mensagem de saúde Whiteana. A teologia adventista declara uma íntima conexão entre a mensagem de saúde, santificação e missão. Zukowski (2010, p. 103) observa que: “Esta conexão traz luz a dois pontos importantes do evangelho eterno para os últimos dias, que é a terceira mensagem angélica: santificação e missão. Ela também conecta a reforma de saúde com a salvação do homem”. E quando observado os escritos de White, percebe-se que a pretensão da mensagem de saúde, era de fortalecer a formação de caráter e restauração da humanidade. Além de que, do ponto de vista adventista, a mensagem de saúde também pode funcionar como uma solução dada por Deus, para seu povo resistir às investidas do mal.

Do ponto de vista missionário, a mensagem de saúde é importante porque ela pode vencer o preconceito quanto a mensagem cristã e ganhar pessoas. Por esse motivo, White, aponta a mensagem de saúde como sendo o carro chefe de entrada do Adventismo nas cidades, e que ela deve ser pregada em todos os lugares. De qualquer forma, White relembra que o foco da mensagem deve ser o de salvação em Cristo e de nenhuma maneira deve ser um fim em si mesma. “A reforma pró-saúde, [...] demonstrará ser uma cunha de entrada onde a verdade pode seguir com acentuado êxito. No entanto, apresentar a reforma pró-saúde de forma insensata, fazendo desses assuntos tema principal da mensagem tem [..] suscitado preconceitos” (WHITE, Manuscrito5, 1882, p. 105).

Algumas conclusões podem ser tiradas já nesta parte. (1) a mensagem de saúde descrita por White, possui uma justificativa em eventos extra-sensoriais chamados de visão. (2) a aceitabilidade das instruções da mesma deu-se de forma lenta e gradativa. (3) o alvo da mensagem saudável era não apenas os crentes adventistas, mas pretendia alcançar um EUA imerso em hábitos alimentares degenerativos. (4) não foi a única a perceber o estilo de vida estadunidense nocivo. (5) seu projeto de saúde, não é um fim em si mesmo, mas um eixo que auxilia na mensagem do advento.

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