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2. O ADVENTISMO E A MENSAGEM DE SAÚDE NO BRASIL

2.5 Um adventismo nativo, a criação do CAB, e a Superbom

A construção de uma fábrica de produtos alimentícios não é uma proposta nova na denominação. Ainda em solo australiano, muitos perceberam a necessidade de estabelecer uma instituição alimentícia que estivesse atrelada ao projeto missionário saudável. Observe por exemplo o caso da Sanitarium Health Food. Hardy (2008), em seu estudo Socialising Accountability for the Sacred: A Study of the Sanitarium Health Food Company, destaca que: existem evidências de que, com o passar do tempo, as igrejas desenvolveram atividades que vão além de suas funções religiosas centrais tradicionais. No caso do Adventismo, tais empreendimentos são abordagens de difusão da mensagem de saúde da denominação. A Granix e a Superbom são reflexos dessa proposta denominacional ligada à mensagem de saúde na América do Sul.

Até 1930, a denominação pregava a mensagem de saúde pelas maneiras possíveis. Cartilhas e livretos oferecendo dicas de saúde e higiene, e também pelas conferencias, onde os pastores buscavam oferecer essas dicas de saúde. Até então as instituições de publicações e de colportagem foram as que mais auxiliaram a mensagem de saúde a ser expandida. Mas as instituições de educação parecem ter uma responsabilidade maior na criação de uma fábrica de produtos saudáveis. Greenleaf (2011, p. 473) “A produção de alimentos na Argentina e no Brasil teve origens semelhantes: ambas começaram dentro de um campus escolar antes de se tornarem instituições independentes”.

Uma vez que as instituições de educação traziam um ideal de educação integral, isto é, educar o corpo, alma e espírito, as atividades do campus favoreceram a criação desta fábrica. Muitos estudantes que ali estudavam, neste caso, o CAB, encontravam nas atividades disponibilizadas pelo colégio uma forma de custear os estudos. Assim, é razoável afirmar que, em princípio, a Superbom tinha em seu corpo de funcionários, muitos alunos. Aí estava uma ótima maneira de alavancar a Superbom, manter a organização e manutenção do CAB, e proporcionar ao aluno uma experiência que trabalhava diversos aspectos da vida humana.

Ainda que, como Afirma Greenleaf (2011, p. 473) “A transição no Brasil não foi tão rápida quanto na Argentina, nem envolveu mudança para uma grande cidade”. A Superbom, pouco a pouco, ganharia notoriedade e excelência reconhecida no plano nacional. As

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dificuldades encontradas para a expansão desse gênero de instituição eram, basicamente, as mesmas enfrentadas pelas demais, com exceção de uma. A Superbom ficou muitos anos com seu cardápio bastante invariável, tendo como seu principal produto o suco de uva. Diante dessas circunstâncias é compreensível a posição da denominação em não investir grandes quantidades de dólares nesse gênero de instituição. Além do público que daria valor a esse tipo de alimentação ser uma minoria para época, o retorno financeiro não era dos mais satisfatórios. “Das principais instituições da igreja, as fábricas de alimentos eram as mais novas e existiam em menor quantidade. No início dos anos 1940, a denominação contava com somente 29 centros de produção de alimentos no mundo inteiro” (GREENLEAF, 2011, p. 473).

De qualquer forma, vale lembrar as dificuldades que antecederam o estabelecimento do CAB. Até 1910, a denominação havia concentrado seus esforços na parte sul do país. Quando, em 1904, John Lipke assume a direção da escola de Taquari, Rio Grande do Sul, viriam as primeiras críticas. “John Lipke começou a enfrentar problemas a partir dos constantes comentários de que, à semelhança de Gaspar Alto, o Colégio Superior estava muito descentralizado em relação às outras regiões do Brasil. E [...] o campo gaúcho, não possuía recursos financeiros” (STENCEL, 2006, p. 38). Em vista destas dificuldades, os dirigentes da missão no Brasil, recomendaram a transferência dos esforços para um lugar que possivelmente teria números mais expressivos. E foi em “fevereiro de 1910, que a Conferência do Rio Grande do Sul da IASD, recomendou a transferência do Educandário de Taquari para um ponto mais central do país” (RABELLO, 1990, p. 41).

Com o fechamento da escola de taquari, e a iminente venda do terreno em que ficava a escola, o valor adquirido foi rapidamente transferido para a Conferência da União Brasileira, que se localizava em São Paulo. Não demoraria muito para que o plano de instituir um instituto de ensino superior “vingasse” no campo paulista. Como relata Stencel (2006, p. 39):

Depois da venda do Educandário de Taquari, em 1915, a assembleia da Missão Paulista se reuniu logo após o planejamento das Organizações Superiores. Nesse encontro foi enfatizado de um modo especial a necessidade de se fundar um colégio que preparasse obreiros para todo campo nacional, uma vez que a Igreja estava sem uma instituição educacional há mais de 5 anos.

Visto a necessidade que o campo brasileiro apresentava, Stencel destaca ao menos dois aspectos que foram determinantes para a implantação/ estabelecimento de um instituto

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de ensino superior na região paulistana. A primeira foi o apelo que a Sra. Isadora R. Spies faria para os ministros que presidiam a assembleia. Em suas palavras: “precisamos prosseguir pela fé. Eu creio que chegou o tempo no qual devemos prosseguir e estabelecer o nosso sistema de escolas como em outros campos. Quando chegar o tempo de avançar, Deus achará seus homens e providenciará o dinheiro necessário” (PEVERINI, 1988, p. 127). Ainda que o discurso com tons emotivos da esposa do pastor, Frederico W. Spies, tenham comovido os congressistas, não bastaria para a tomada de atitude. A administração da denominação sempre foi conhecida por sua cautela administrativa (GREENLEAF, 2011).

O segundo aspecto destacado, diz respeito à vinda do pastor John H. Boehm para o Brasil. Stencel (2006, p. 39), destaca que, Boehm ficou sensibilizado quanto à urgente necessidade de se fundar um colégio superior. Ao analisar o assunto com a esposa, decidiu conversar com os líderes da Igreja Adventista do Brasil. Rabello (1990, p. 92) vai dizer depois a este respeito, como “os irmãos querem que nossos jovens permaneçam na Igreja se não temos um colégio para educá-los?”.

Diante dessas condições, os dirigentes concordariam com a ideia de estabelecer uma instituição de ensino superior na região de São Paulo. Afinal, os problemas de localização e acesso estariam resolvidos. Embora os problemas financeiros ainda fossem uma realidade para a denominação adventista no Brasil, segundo Rabello (1990, p. 94), os dirigentes comprariam algumas porções de terra dos irmãos Teisen. A propriedade localizada no Capão Redondo, região de Santo Amaro, São Paulo, seria o alvo dos investimentos da denominação adventista.

Com o dinheiro proveniente do fundo de educação da Conferência da União Brasileira, somado a uma doação conseguida por F. W. Spies na quadrienal da Conferência Geral da IASD em Washington, DC, em 1909, fora assinada a escritura da propriedade pela quantia de vinte contos de réis. No dia 28 de abril de 1915, em nome da Associação dos Adventistas do Sétimo Dia. No Brasil, estava adquirido o terreno do atual UNASP Campus São Paulo (STENCEL, 2006, p. 39).

E foi no dia 1 de agosto de 1915, que foram lançadas as bases fundamentais do que seria um dos maiores empreendimentos do Adventismo no Brasil. Nesta época, diante da primeira guerra mundial, havia apenas 12 alunos, e segundo Rabello (1990, p. 104), os professores eram John Liepke, John Boehm e Paulo Hening. Sua localização privilegiada era também, um ponto positivo. Hosakawa (2003, p.39) afirma que era “próxima de meios de transporte modernos para a época como: trens ou bondes interligados a partir de Santo

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Amaro, acessível ao Capão Redondo por uma estrada de terra, somente asfaltada em 1959, onde circulavam carretas e automóveis”. Parecia ter sido uma boa escolha feita pela denominação. Os próprios documentos oficiais destacavam a grande oportunidade que haviam adquirido na representação das terras no Capão Redondo. “O ambiente puro e oxigenado de suas colinas e florestas activas sensivelmente os pulmões, purificando o sangue e favorecendo a digestão, numa palavra, dando a saúde” (CAB, 1941).

Desde o princípio, a necessidade de sustentar esse empreendimento remetia à necessidade de produção de alimentação diferenciada. “Os alunos tinham apenas 3 horas de aulas por dia. [...] a carga horária em sala de aula era reduzida, pois havia a necessidade de se produzir alimento. Os alunos passavam o restante do dia plantando e cultivando a terra”. (STENCEL, 2006, p. 39).

Ainda que pareça desviar-se do caminho, ao comentar sobre o estabelecimento do CAB na cidade de São Paulo, leva a observar que foi por essa instituição que o projeto da Superbom veio a existir. Esta, que foi a responsável da década de 1915 em diante, pela expansão da mensagem de saúde no Brasil.. Kuntze (2010, p. 35) confirma tal pensamento quando afirma que: “ainda com a mesma proposta de cunho salutar, a escola possuía um departamento agroindustrial, do qual surgiu uma pioneira empresa nacional de alimentos tidos como saudáveis, a Superbom”. Não é de se admirar que, pelo regime ovolacto vegetariano implantado nos refeitórios, as necessidades fossem duas.

Primeiramente, a incidência de indústrias alimentares voltadas a uma dieta como a que a denominação adventista propunha nos colégios do Brasil era mínima, senão inexistente. Portanto, para atender às necessidades dos internos, não parecia ser uma escolha viável a compra de produtos de uma empresa, afinal, não se tinha grandes quantias de dinheiro para sustentar todos esses internos, que, em sua maioria, custeavam os cursos com os serviços disponíveis no campus. Logo, fornecer uma forma de custear os estudos e ao mesmo tempo manter a produção de alimentos da instituição de educação foi uma das receitas do sucesso da instituição, CAB.

De todo modo, foram as condições que se faziam presentes no CAB que dariam margem ao embrião que, futuramente, seria chamada de Superbom. É importante lembrar que a educação, para White, tinha um valor notadamente importante e, incluía a necessidade do ser humano em desenvolver todas as suas capacidades, sejam elas, mentais, espirituais, sociais e físicas. Não esquecendo que a própria mensagem de saúde, possuindo um viés escatológico, seria um importante pilar da denominação. É observando a íntima relação entre educação e alimentação saudável, que se estabelecem os serviços disponíveis no CAB.

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Outra formação de indústria de produtos alimentícios adventistas advindos de uma instituição de educação, ou melhor, surgindo simultaneamente, aconteceu na Austrália. Após a Assembleia de Minneapolis, em 1888, algumas mudanças drásticas aconteceriam. Dentre estas, estava a mudança de White para a Austrália, em 1891. A autora seria, diretamente, responsável por influenciar na construção e estabelecimento do que, futuramente, seria o Avondale College. O centro educacional construído na zona rural australiana tinha como objetivo dar uma ênfase na vida espiritual. Inevitavelmente, essa instituição educacional serviria como modelo para todas as outras que viriam após ela, em todo o mundo. Segundo Kuntze (2010, p. 59), a importância da educação cristã foi acentuada nos escritos de Ellen White, que servem até hoje para direcionamento de projetos pedagógicos e pilastras filosóficas e conceituais de todas as escolas pertencentes à IASD no mundo”. Schwarz e Greenleaf (2009, p. 197) reiteram dizendo que:

A escola de Avondale para Obreiros Cristãos constituiu-se um exemplo que influenciou decisivamente o desenvolvimento de futuras escolas adventistas do sétimo dia. Entre outras coisas, ela demonstrou: (1) a praticabilidade e vantagens de um campus amplo, localizado em um ambiente rural; (2) a viabilidade de um sólido programa trabalho-estudo; (3) o valor das indústrias escolares como uma fonte de trabalho estudantil e como auxílio ao orçamento operacional da escola; (4) a necessidade de fundos sistemáticos para “auxilio estudantil”; (5) o sucesso do envolvimento estudantil em atividades beneficentes e missionárias em lugar de extensos programas recreativos e esportivos; (6) a praticabilidade dos conselhos de Ellen G. White sobre educação. Talvez o mais forte testemunho quanto ao valor do tipo de educação iniciada em Avondale seja o de que durante as sete décadas que se seguiram à sua fundação, mais de 80% dos seus graduados ingressaram no serviço denominacional.

Assim como dizem, Schwarz e Greenleaf (2009), o projeto estabelecido em Coorabong demonstrou para os projetos denominacionais em outras partes do mundo, a confiabilidade das instruções de White. Quando a instituição educacional de Avondale foi construída, a oferta de trabalho-estudo foi sendo implantada. Após a construção do colégio, passados alguns anos, “os alunos ceifaram uma abundante colheita de pêssegos, laranjas, limões, tangerinas e nectarinas. Com aração [...] a fazenda produziu muitos tipos de legumes e cereais e uma leiteria e uma fábrica de alimentos saudáveis foram abertas” (SCHWARZ& GREENLEAF, p. 196). E é interessante perceber que simultaneamente ao projeto de estabelecimento do Avondale College estava a construção de uma fábrica de produtos alimentícios.

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A íntima relação existente entre a educação e as instituições de alimentação saudável foi uma observável forma das instituições adventistas sobreviverem, se manterem e progredirem. Afinal, em todas as partes do mundo, com exceção do campo estadunidense, a construção de centros educacionais viu como uma solução e necessidade, produzir sua própria comida. Assim, o estabelecimento de instituições de alimentos saudáveis surgiu como resultado desta busca por autonomia, tanto da Associação Geral na questão financeira, quanto da alimentação produzida por outras fábricas não adventistas. Os problemas de produção de missionários nativos e, da manutenção da instituição, e, por conseguinte a obras a serem realizadas no campo, viram como excelente acordo o trabalho do estudante. Enquanto este fazia seus estudos, trabalhavam e mantinham o funcionamento da instituição, pregavam a mensagem do segundo advento e, não menos importante, davam passos rumo à autonomia e independência financeira dos dirigentes da Associação Geral.

Essa mecânica pode ser observada no estabelecimento do CAB e, Superbom. Mesmo que o campo brasileiro apresente uma série de dificuldades, não apresenta ser um projeto dissociado de experimentação. As características que são, em princípio, particulares do desenvolvimento brasileiro serão apresentadas no próximo capitulo. Mas já é possível observar como o estabelecimento do CAB e Superbom, possui similaridades com o projeto whiteano, que segundo Schwarz e Greenleaf (2009), possuem sua melhor aplicação no colégio de Avondale, Coorabong.