• Nenhum resultado encontrado

2 CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E NOVAS TECNOLOGIAS

2.2 CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E COMPUTADOR: TUDO A VER!

2.2.2 Ciência da Informação e Ciências Cognitivas: os usos diferenciados do computador

A Ciência Cognitiva (CC) é um campo interdisciplinar que busca, conforme Johnson-Laird (apud SARACEVIC, 1996, p.11) “explicar como funciona a mente”. Ela tem intersecções com a Psicologia, a Filosofia, a Antropologia, a Neurofilosofia, a Ciência da Computação e a Lingüística, e utiliza-se do computador como ferramenta para extrair os “segredos do cérebro e da mente” (CASTI, apud SARACEVIC, 1996, p. 11).

Rozado (2003, p. 92) assim como Saracevic, salienta que “as Ciências Cognitivas já nascem num âmbito totalmente interdisciplinar”. A autora também afirma que um dos objetivos principais da CC é o esforço em “entender a forma como se dá a apropriação do conhecimento pelos indivíduos.”

A partir do ponto de vista da interdisciplinaridade e das conexões entre a CC e a CI, fica evidenciado o interesse de ambas nos processos cognitivos de busca, aquisição e assimilação da informação, especialmente porque “a cada nova informação, uma nova reestruturação acontece na cadeia pessoal de conhecimentos. A abordagem cognitivista na Ciência da Informação percebe e busca trabalhar com esta constante reestruturação do conhecimento individual do usuário, especialmente na busca da satisfação de suas necessidades de informação” (ROZADO, op.cit., p. 93)

A autora desenvolve seu raciocínio enfatizando o conceito de “necessidades de informação” como um dos mais importantes aspectos de intersecção entre CI e CC.

Em sua análise, utiliza os conceitos de Brookes (1980 apud ROZADO, op.cit., p. 94), que inaugura o uso de idéias cognitivstas na CI, ao apresentar, segundo a autora, “um jeito de entender o que é informação, o que são necessidades de informação, o que é transferência de informação, disseminação.”39 Em sua proposta, Brookes aponta para três elementos principais que devem ser entendidos:

a) o que são estruturas do conhecimento;

b) o que são modificações nas estruturas do conhecimento;

39 Outra abordagem característica da CI em sua perspectiva cognitivista reside no chamado sense

making, de origem norte-americana (DERVIN; MILAN, 1986, apud ROZADO, 2003), na qual o foco é

o conceito de relevância enquanto produção de sentido da informação para seu usuário. De acordo com esta teoria, a busca da informação é produto da verificação de um gap, de uma falha que deve ser preenchida na estrutura de conhecimento do usuário. Produzir sentido significa, então, criar uma ponte para solucionar este gap.

c) o que é esta informação que modifica as estruturas do conhecimento.

Rozado apresenta o sense making como uma proposta que se caracteriza pelos seguintes aspectos:

a) é uma tentativa de conceituar e definir os termos da busca ou do problema a partir do usuário, refinando-os;

b) o problema do interesse deixa de ser o sistema e passa a ser o usuário; c) deixa-se de observar explicitamente o usuário (quando ele usa a biblioteca e seus instrumentos de busca) e passa-se a considerar o comportamento não diretamente observável do usuário;

d) há a tendência para acreditar que a informação é um fenômeno subjetivo, construído pelo menos até certo ponto pelo usuário, e não um fenômeno objetivo.

Em termos de prática profissional, Lima (2003, p. 7) apresenta uma síntese das atividades de processamento da informação, nas quais ficam evidenciadas as intersecções entre a CI e a CC. Ressalte-se aqui que estas atividades são constituintes de todo o processo que envolve a RI, assumindo especial importância para o seu sucesso. Vale a pena nomeá-las.

a) Categorização

Também conhecida como Classificação, compreende um processo cultural e social de construção da realidade, que organiza conceitos baseando-se parcialmente na psicologia do pensamento, onde o reconhecimento das similaridades e diferenças leva à criação de um conhecimento novo, pelo agrupamento das entidades, de acordo com as similaridades e diferenças observadas. O processo de categorização estaria no bojo das questões de interesse das áreas da CI e da CC no que se refere à estratégia de se classificar objetos da cognição como coisas, fatos e fenômenos.

b) Indexação

Processo intelectual que envolve atividades cognitivas na compreensão do texto e na composição da representação do documento, englobando três etapas: análise do documento e estabelecimento do assunto; identificação dos principais conceitos do documento e tradução destes em termos de linguagem de indexação. A análise cognitiva aparece na identificação de conteúdo do documento e no processo mental entre estímulo e resposta que transforma a informação. A indexação é um processo de categorização e, portanto, as habilidades intelectuais poderiam ser harmonizadas mais eficientemente se as atividades pudessem simular processos cognitivos ou percepções sensoriais, uma vez que, para interpretar o conteúdo do documento, o indexador passa por um processo cognitivo.

Após uma elaboração mental, o conceito pode ser modificado com base no conhecimento prévio sobre o assunto, transformando-se de unidade de informação em uma unidade conceitual com objetivo de comunicação, expresso por símbolos ou palavras que formam um termo geralmente com significado único.

c) Interação homem-computador

Destacam-se aqui as áreas da Inteligência Artificial - IA e da interação homem- computador. Na IA, ficam evidenciadas mais uma vez o padrão de representação e as atividades de processamento da informação. No que diz respeito à interação homem- computador, a abordagem cognitiva é usada para descobrir características do comportamento do usuário que busca a informação e para reprogramar a interface homem- computador capaz de acomodar essas características (Borgman et al, 1989, apud LIMA, op.cit, p. 9). Na interação homem-computador, Saracevic (1998) atribui especial importância às questões de feedback, por ser esta uma ferramenta essencial para a garantia do sucesso para a busca, apreensão e compreensão da informação processada.

A definição de IA estabelece, basicamente, que esta consiste na ciência da programação de computadores para a simulação da inteligência humana (LIMA, 2003, p.2). Num brevíssimo histórico da IA, Saracevic retoma o artigo de Alan Turing, Computing Machinery and Intelligence, que trouxe à tona a pergunta chave: “podem as máquinas pensar?”. A partir desta agenda, foram desenvolvidas muitas vertentes de estudos e atividades em IA, cada uma dedicando-se a pesquisa de diferentes problemas.

Saracevic aponta estudos de Waldrop sobre IA, para quem esta é “a arte de se programarem computadores para fazer coisas inteligentes” (WALDROP, 1987 apud SARACEVIC, 1995, p. 52). Waldrop classifica a IA em dois tipos:

IA fraca, que se apóia na engenharia de softwares e suas técnicas de programação e se apresenta como uma teoria da ciência da computação;

IA forte, uma ciência da mente, vista enquanto mecanismo processador de informações, atuando também como um ramo da Filosofia, através da Epistemologia Experimental, que busca entender o conhecimento e suas representações no computador e na mente.

As conexões mais evidentes entre a CI e a CC encontram-se nos estudos sobre IA. Saracevic (1996, p. 12) justifica essa importância ao afirmar que “A IA fraca é fonte de muitas inovações nos sistemas de informação, tais como sistemas inteligentes, hipertextos, bases de conhecimento, interfaces inteligentes e as questões sobre a interação homem- computador – todas elas de interesse para a CI e para as quais ela pode contribuir

diretamente. A IA forte é a fonte do modelo teórico da cognição, no qual a informação, enquanto fenômeno, desempenha o mais importante papel. Portanto, esse modelo pode contribuir também para a pesquisa básica em CI”.

Seguindo o raciocínio pela via deste modelo teórico, Lima (2003, p. 6), ao analisar as interfaces entre a CI e a CC, faz menção a um evento realizado na Bélgica em 1977, o Workshop Internacional sobre Ponto de Vista Cognitivo, onde o principal foco de pesquisa foram os sistemas de conceitos para usuários. A autora dá destaque a uma importante afirmação de Marc de Mey: “o ponto de vista cognitivo da ciência da informação implica que cada ato de processamento da informação, seja ele perceptivo ou simbólico, é mediado por um sistema de categorias e conceitos os quais, para o mecanismo de processamento da informação, constituem um modelo de mundo”.

A autora comenta que esta afirmação “ganhou a força de um paradigma” e tem sido amplamente utilizada nas pesquisas em diversos campos correlatos, inclusive pela CI. Segundo Lima (Ibid):

Conceitualmente, o processamento da informação estaria centrado no conhecimento baseado no modelo de mundo do individuo, seja na recuperação ou no processamento da informação. A informação é associada ao contexto e à maneira de cada individuo ver o mundo, consiste no somatório de diferentes estruturas do conhecimento. Assim, todo estágio cognitivo implica contexto que é organizado pelo sistema conceitual da informação.

Essas referências a “modelo de mundo” ou “à maneira de cada individuo ver o mundo”, remete a discussão de volta a considerações sociológicas. Podem os modelos individuais de ver o mundo ser construídos independentemente das trajetórias concretas dos mesmos indivíduos, ou seja, independentemente de suas condições de classe, seus gêneros, suas gerações, suas etnias, suas religiões? Ou, tendo em vista o caso em tela, dos seus graus da apropriação das tecnologias de informação? Seguindo-se Bourdieu e lembrando sua definição de habitus enquanto “estruturas estruturadas e estruturantes”, as respostas a essas questões só podem ser negativas. Sem pretender aprofundá-las, já que esse não é o foco do trabalho, verifica-se, porém, que tal como a Sociologia, as Ciências Cognitivas enfrentam a questão da relação entre indivíduo e sociedade, questão que, portanto, não pode ser negligenciada pelas Ciências da Informação.

Com base na literatura analisada neste capítulo, ficou sobretudo patente a importância das tecnologias na própria constituição do campo da CI. Resta ainda, contudo, uma questão a ser discutida: em que medida o uso do computador representa um diferencial entre Ci e Biblioteconomia? Uma vez que o centro deste debate são as relações destas

duas disciplinas no contexto brasileiro, faz-se necessário conhecer melhor as origens, o desenvolvimento e o atual-estado da arte da CI no Brasil.

Todo este quadro apresenta uma intrigante oportunidade de análise sociológica, e aguça ainda mais o interesse e a curiosidade científica em adentrar nesse “laboratório”, como sugere Latour, para seguir um pouco mais de perto estes cientistas, a fim de procurar compreender como se desenrola essa luta na área entre os profissionais da informação no Brasil.

O próximo capítulo representa a porta de entrada deste laboratório, no qual será descrita a história da CI brasileira desde a sua implantação até o ano de 2008. O leitor está convidado a entrar!